
A SIC transmitiu em 2001 algo a que chamou reportagem e que na altura foi inserido num espaço informativo. Consistia essa alegada reportagem em fechar um toxicodependente, de nome Pedro, num apartamento onde estavam colacadas câmaras que filmaram a ressaca a que o "jornalista" João Ferreira chamou
Agonia. Deste vómito jornalístico fazia parte o psiquiatra Goulão, especialista em tratamento de toxicodependentes, que na boa tradição do sadismo psiquiatrico se responsabilizou (?) por este tratamento de choque. É necessário dizer que em 2001 a televisão portuguesa estava a enfrentar a tv realidade com o
Big Brother, grande sucesso de audências da TVI, que liquidou a liderança da SIC. O programa, na altura foi transmitido em horário nobre, em plena concorrência com o
Big Brother da TVI. Toda a gente ficou muito sensibilizada e emocionada com esta "grande reportagem", a começar pelo presidente da república de então, Sampaio, que recebeu Pedro, Goulão e Ferreira. Mais tarde, aproveitando o sucesso da "reportagem", João Ferreira escreveu um livro,
Agonia: Uma Lição de Vida, editado por essa fábrica de lixo literário de tudo quanto é gente que aparece na televisão que é a Oficina do Livro. Adiante. Ontem a SIC estreou um programa de título
Perdidos e Achados que, apresentado pela jornalista Sofia Pinto Coelho, pretende ir repescar reportagens e notícias transmitidas pela SIC e saber o que é feito desses casos. Sem vergonha, os responsáveis pela informação da SIC escolheram precisamente essa alegada reportagem para primeira emissão. Tratava-se agora de saber o que tinha acontecido à vida de Pedro, seis anos depois de ter sido submetido a um ultrajante tratamento médico-mediático (a TVI estreou sexta-feira um outro
reality-show médico,
Dr. Preciso de ajuda, para mudar o aspecto físico das concorrentes que não podem pagar cirurgias plásticas). Vários tem sido os atropelos, em cerca de 15 anos de televisão privada, à deontologia e ética do jornalismo televisivo, mas esta "reportagem", agora repescada, terá sido das maiores fraudes jornalisticas. E fraude porquê? Porque não se tratava de uma reportagem mas sim de um programa concorrente do
Big Brother com o descaramento de se entítular de jornalismo. Se no canal que foi de inspiração cristã, 12 pessoas alienavam a sua privacidade em busca de fama e dinheiro, na SIC o dr. Goulão e o sr. Ferreira inauguravam um novo tipo de tratamento da toxicodependência: um jovem, só, num apartamento ressacava, sem ajuda médica, mas com o olho do
Big Brother, ou seja, neste caso os televoyeuristas que assistiam a uma cerimonia de exorcismo dessa coisa que nem psiquiatras nem jornalistas querem explicar que é a dependência de qualquer substância (seja o vinho, o tabaco, a heroína ou um psicofármaco) e que no caso das drogas ilegais é diabolizada. Não duvido que Pedro tenha deixado as drogas, mas questiono: se este "tratamento" foi tão eficaz porque não o repetir? E, afinal, como estão a ser tratadas as outras dezenas ou centenas de toxicodependentes em Portugal? O que pensam os médicos, os toxicodependentes, a população em geral? E a troca de seringas nas prisões? E o tráfico de droga? São estas, pelo menos algumas das questões que um jornalista deve tentar responder numa reportagem sobre a droga.