segunda-feira, fevereiro 15, 2016

COSTA E A PROMESSA DA POLÍTICA



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O que seria de esperar de um governo do PS apoiado pela esquerda – BE e PCP? Seria de esperar a reversão da maioria das medidas tomadas pelo governo de destruição nacional PSD/CDS. Senão todas agora pelo menos até ao fim provável da legislatura, daqui a quatro anos. Mas não. Este governo de António Costa é maquiavélico, no sentido em que apenas pretende o poder pelo poder, o governar por governar, porque é para isso – acham – que serve um partido como o PS. Engano. As pessoas, os portugueses, os alegados eleitores estão, com razão, fartos de uma classe política que da direita à esquerda apenas quer o poder, mesmo que para isso se tenha que desfigurar na sua identidade ideológica. Já tínhamos o exemplo grego de Alexis Tsipras, que em pouco tempo se transformou de um radical que ameaçava a ordem podre e anti-democrática da UE num amestrado político às ordens de frau Merkel e dos interesses financeiros. Agora tivemos António Costa a liderar um governo PS, apoiado pela primeira vez na história da democracia constitucional portuguesa pós 25 de Abril por todos os partidos à sua esquerda (BE, PCP, PEV, PAN), a ir ao beija-mão a frau Merkel. O mesmo Costa que dá despudoradamente conselhos aos portugueses para andarem mais a pé ou não fumarem é o simile na administração da vida do que Passos Coelho foi na destruição de vidas.
Um governo socialista, um governo apoiado por uma maioria de esquerda, sim. Mas não era nada disto que estávamos à espera. Não estávamos à espera de OE que continuasse a austeridade, não estávamos à espera que um governo socialista pagasse mais de 2 mil milhões de euros para “vender” um banco falido – isso já tínhamos visto no governo de Passos Coelho.
Passaram pouco mais de dois meses sob a tomada de posse deste governo de António Costa que nunca chegou a conhecer o estado de graça, embora fosse tão promissor para quem não tinha acompanhado o percurso dos últimos meses do ex-presidente da CM de Lisboa – das primárias do PS às eleições legislativas, Costa revelou que não é o mesmo comentar as políticas dos outros que estar no terreno, a fazer política. Se seguro era inseguro, também Costa veio revelar-se titubeante sendo incapaz de impor os interesses dos portugueses em Bruxelas. Era isso o mínimo que podíamos pedir a António Costa – que representasse os interesses dos portugueses (que não são bem os interesses de Portugal) em Bruxelas de forma combativa e não de cócoras ou ajoelhado.
Mas talvez isso fosse pedir muito. Talvez isso, nestes tempos que vivemos de políticos que se acobardam perante os deuses dos mercados e a sua sacerdotisa Angela, fosse pedir um messias que afrontasse essas entidades que governam o nosso destino. Mas isso é tão só o mínimo que podemos (sim, Podemos) pedir a quem nos governa. Porque isso é política, “a promessa da política” que poderemos ter uma vida melhor. Mas o que a chamada classe política tem feito é governar contra as pessoas, a favor de uma elite em que ela mesma se inclui. Espantam-se os políticos com o nível de abstenção? Mas porque devem as pessoas ir votar? Para financiar os partidos ou os candidatos?
Mas isso não significa que as pessoas se devam arredar da política. Em primeiro lugar porque a política faz-se em todo o lado e não só na altura de depositar o voto na urna – a política habita o espaço público, das manifestações aos pequenos protestos nos livros de reclamações. Em segundo lugar cabe aos cidadãos numa democracia parlamentar vigiar e denunciar não só o que acham que é corrupção, mas também, e sobretudo, o que pode pôr em risco a democracia como espaço de liberdade de expressão e acção (dentro das regras de um estado de direito). Esta é a “promessa da política” a que António Costa parece estar a faltar. Esperemos pelo caso espanhol e o que pode o Podemos.




quinta-feira, dezembro 31, 2015

LIVROS EM 2015

 
Num programa televisivo, como 5 para a meia-noite, desfilavam livros a ponto de um espectador incauto, ou sem som na televisão, julgar por momentos estar perante um programa literário. 5 para a meia-noite é um programa de entretenimento, um talk-show em horário late night. Por ali passam figuras públicas: actores, músicos, enfim os cromos da sociedade de espectáculo. É isto sintomático de como funciona a edição e a leitura actualmente em Portugal (e não só): as editoras pedem a figuras públicas que escrevam livros, ou então quando estes não os sabem escrever há sempre um escritor fantasma para os escrever (o que deve de acontecer na maioria dos casos). Pretende-se que o grande público, ignorante da literatura, compre livros nas grandes superfícies pelo reconhecimento de uma figura pública cuja notoriedade nada tem a ver com a literatura. Mesmo no caso do jornalismo, cujo paradigma de sucesso é José Rodrigues dos Santos, a maior parte das vezes não corresponde a nenhum talento literário, seja isso o que for, mas a uma imagem e ao reconhecimento dessa imagem pelos compradores de livros. Esta situação, em que o livro é um objecto de consumo cujo reconhecimento resulta de factores externos ao campo literário, tornando-o mais uma mercadoria sujeita às regras do marketing, resulta também da perda de espaço crítico nos jornais (esses que estão em vias de extinção) ou noutros média. Quando um ou outro programa radiofónico ou televisivo aborda a literatura, os livros, fá-lo numa perspectiva superficial e apenas informativa (a excepção talvez seja Luís Caetano na Antena 2). Perante isto as poucas livrarias que restam vão-se enchendo de lixo, e a oportunidade que um escritor poderia esperar está também restrita a prémios como o Leya, que funciona com a mesma lógica já esboçada. Restam os blogues, mas estes perderam espaço para esse monstro que os média têm alimentado, e que dá pelo nome de facebook. Ora o facebook é o contrário de qualquer espaço crítico. Ele cria uma aparente utopia, que é uma distopia, onde só há espaço para dizer "gosto", para o breve elogio que nada acrescenta. Portanto, o espaço da polémica, do diferendo, da crítica, que é por natureza mesmo quando se trata de cultura ou literatura um lugar político, está a desaparecer. O mais grave de tudo isto é a criação de um pensamento único, correspondente e irmão gémeo da TINA nas políticas económicas, que não permite a liberdade da expressão do pensamento. E este espectro que paira sobre nós, para parafrasear Marx, ultrapassa os lugares da cultura para se disseminar pela sociedade, principalmente onde existem relações assimétricas e de poder. Ou seja: estamos a perder a liberdade. 

Deixando estas questões, e restringindo-me ao que foi publicado em livro impresso (os e-books são outra questão que quero ignorar) em 2015, optei por uma abordagem do sector mais fraco da edição: a poesia. Apresento mais abaixo uma lista do que me foi possível reunir através de blogues, sites, suplementos literários. É uma lista incompleta e talvez com certa imprecisões, mas a possível. A poesia, no ano da morte de Herberto Helder (e também Vítor Silva Tavares), continua a ser algo extremamente minoritário, cujos livros apenas se vendem em poucas livrarias, tornando o mapeamento da sua edição algo bastante difícil. A isso corresponde, naturalmente, a dificuldade que os poucos leitores de poesia têm em aceder aos livros. Uma forma de contornar isto está nas revistas, como a Telhados de Vidro ou a Relâmpago, com uma existência já longa, mas também nas reuniões de poetas, colectâneas que dão a conhecer novas poéticas e novos poetas. De destacar duas publicadas este ano, e creio que ignoradas pelos dois suplementos literários que restam na imprensa portuguesa. Voo Rasante, publicado pela Mariposa Azual (editora que este ano publicou sete livros de poesia, batendo em número a Averno - 6 - e a Assírio & Alvim com 6) é uma montra que mescla autores conhecidos com outros desconhecidos ou até inéditos. Não se percebe porque razão a editora e coordenadora do livro, Helena Vieira, lhe chamou antologia. A outra colectânea foi publicada pela Língua Morta com o título de Hidra. Não se destaca tanto pela quase dezena de poetas que nela participam, mas pela presença de António Guerreiro que será o crítico mais acutilante e lúcido da "praça" (veja-se a sua crónica no semanal no Público). Neste sentido parece haver uma perca de espaço e influência dos chamados "poetas sem qualidade" e do "grupo" que gira em volta de Manuel de Freitas (que este ano reuniu uma série de ensaios sob o título Incipit, e foi alvo de mais uma antologia - desta vez de Rui Pires Cabral). Também por isso não podemos descurar outras editoras e outros autores. Miguel-Manso que publicou Persianas na Tinta da China ou Paulo da Costa Domingos com Cal (Averno) ou ainda Armando Silva Carvalho com A sombra do mar (Assírio & Alvim). Entre as cerca de dez editoras que vão publicando poesia, destaque-se duas: a 50 kg e a não (edições). A primeira, do Porto, de Rui Azevedo Ribeiro, faz do livro um objecto artesanal, impresso com caracteres móveis impõe-se como forma de resistência às tecnologias digitais. Foi, curiosamente ou não, na 50 kg, que Vítor Silva Tavares, um dos últimos Editores portugueses publicou Púsias, volume de versos, poucos meses antes de desaparecer. Quanto à não (editores) tem vindo a publicar pequenos livros de poetas, uns já conhecidos outros desconhecidos ou em estreia e outros em tradução. Este ano terá publicado mais de meia dúzia de livros, entre os quais traduções de Lauren Mendinueta e Pablo Javier Perez Lopes. 

Segue-se a lista. Na ficção e no ensaio apenas uma selecção de alguns dos livros publicados em 2015. De fora ficaram as traduções.

POESIA PORTUGUESA
Herberto Helder - Poemas Canhotos - Porto Editora
Vítor Silva Tavares - Púsias - 50 kg
Anónimo - Fósforo de Anónimo - 50 kg
Carlos Alberto Machado - Pôr as pernas do lado da cabeça e partir - 50 kg
Rui Caeiro - Deus e outros animais - Averno
António Barahona - Pássaro-Lyra - Averno
Paulo da Costa Domingos - Cal - Averno
Vítor Nogueira - Amanhã logo se vê - Averno
Abel Neves -Úsnea - Averno
Telhados de Vidro nº 20 (com a plaquete de Adília Lopes Comprimidos) - Averno
Gastão Cruz - Óxído - Assírio & Alvim
Rui Pires Cabral - Morada - Assírio & Alvim
Ana Luísa Amaral - E todavia - Assírio & Alvim
Armando Silva Carvalho - A sombra do mar - Assírio & Alvim
Adília Lopes - Manhã - Assírio & Alvim
Luís Quintais - Arrancar penas a um canto de cisne - Assírio & Alvim
Andreia C. Faria - Um pouco acima do lugar onde melhor se escuta o coração - Artefacto
Luís Amorim de Sousa - Mera distância - Artefacto
Daniel Francoy - Calendário - Artefacto
Sónia Balacó - Constelações -Mariposa Azual
Ricardo Domeneck - Medir com as próprias mãos a febre - Mariposa Azual
João Bosco da Silva - Trepanações de Jerónimo Bosh- Mariposa Azual
Sónia Baptista - Tempus fugit - Mariposa Azual
AA VV - Voo Rasante - Mariposa Azual
Marília Garcia - Um teste de resistores - Mariposa Azual
Elisabete Marques - Cisco - Mariposa Azual
Duarte Drumund Braga - Voltas do Purgatório - Língua Morta
AA VV - Hidra - Língua Morta
Rui Manuel Amaral - Polaróide - Língua Morta
Nuno Júdice - A convergência dos ventos - D. Quixote
Miguel-Manso - Persianas - Tinta da China
José Ricardo Nunes - Andar a par - Tinta da China
Pedro Mexia - Uma vez que tudo se perdeu  - Tinta da China
Manuel de Freitas - Sunny Bar (antologia org. por Rui Pires Cabral)- Alambique
José Carlos Soares - Rã - Alambique
Marta Chaves - Perda de inventário - Alambique
Inês Lourenço - O segundo olhar (antologia org. por J. M. Teixeira Silva) - Companhia das Ilhas
Nunes da Rocha - Sabão offbach - & etc
Miguel Cardoso -  À barbarie seguem-se os estendais - & etc
João Miguel Fernandes Jorge - Mirleos - Relógio d´ Água
Frederico Pedreira - Presa Comum - Relógio d' Água
Helder Macedo - Romance - Presença
Miguel Castro Caldas - Chaconne ou a arte de mudar de assunto - Douda Correria
Miguel Carvalho - No princípio não era o verbo - Debout Sur L'Oeuf
manuel a. domingues - Baço - Ed. Medula


Rui Pires Cabral - Elsewhere / Alhures - não (edições)
Ricardo Tiago Moura - 1 gato para 2 - não (edições)
Sónia Baptista - E na queda repousar - não (edições)
Rita Natálio - Artesanato - não (edições)
Ricardo Marques - Metamorphoses - não (edições)
Manuel Alberto Valente - Poesia Reunida - Quetzal

FICÇÃO PORTUGUESA

Teresa Veiga- Gente melancolicamente louca - tinta da china
Fernando Assis Pacheco - Bronco-angel: o cowboy analfabeto - tinta da china
Gonçalo M. Tavares - O torcicologista, excelência - Caminho
_______________ - Notas sobre a Música - Relógio d' Água
Ana Teresa Pereira - Neverness - Relógio d' Água
António Lobo Antunes - Da natureza dos deuses - D. Quixote
Mário Cláudio - Astronomia - D. Quixote
Paulo Castilho - O sonho português - D. Quixote
Vasco Luís Curado - O país fantasma - D. Quixote
Clara Ferreira Alves - Pai nosso - Clube do Autor
Rui Zink - Osso - Teodolito
______ - O Destino Turístico - Teodolito
Francisco Duarte Mangas - Jacarandá - Teodolito
Julieta Mongino - Os filhos de K. - Teodolito
Alexandre Andrade - Quartos alugados - Exclamação
Vítor Nogueira - Amanhã logo se vê - Averno
Ana Cássia Rebelo - Ana de Amerterdam (sel. de textos do blogue com o mesmo título) - Quetzal

ENSAIO
José Gil - Os poderes da pintura - Relógio d' água
Manuel de Freitas - Incipit - Averno
Filipa Leal -Pelos leitores de poesia - Abysmo
João Barrento - Como um hiato na respiração - Averno
AA VV - Natural in verso - Mariposa azual
Marinela de Freitas - Emily Dickinson e Luiza Neto Jorge: quantas faces - Afrontamento
Joana Matos Frias - Cinefilia e cinefobia no modernismo português (vias e desvios) - Afrontamento






sexta-feira, dezembro 25, 2015

O PULHA DOS ÚLTIMOS ANOS

 
Numa altura em que os média fazem o balanço do ano e elegem as personalidades do ano, seria interessante, e necessário, eleger o pulha do ano. É certo que a revista Time elegeu como "pessoa de 2015" Angela Merkel, o que é natural para uma revista que já fez o mesmo com G. W. Bush, Vladimir Putin ou mesmo, em tempos mais recuados Hitler. De facto, a Time sempre tão subserviente ao poder tem elegido vários pulhas. Mas se Angela Merkel pode ser facilmente considerada como a pulha não só de 2015, mas dos últimos anos, no caso português temos também alguém que deve ter esse título - o pulha de 2015 -, mas também dos últimos anos. Não é difícil adivinhar de quem se trata. Exactamente: Pedro Passos Coelho. Essa nódoa na História do Portugal actual, que os meios de formação de massas têm tratado com algum carinho, é não só o pulha de 2015, mas de 2011, 2012, 2013 e 2014. Porque PPC, que finalmente deixou o governo na sequência das últimas eleições de Outubro, foi o destruidor em quatro anos e meio de um país. Não só destruiu o país. Destruiu a vida de muitos portugueses. O que Passos Coelho fez, com a ajuda de Cavaco Silva (outro candidato a pulha do ano, e dos últimos anos), Vítor Gaspar, Miguel Relvas, Maria Luís Alburquerque, Paulo Portas e outros, foi empobrecer Portugal a níveis dos tempos de Salazar. Os cortes nas pensões e prestações sociais como o RSI, o desemprego, a emigração...Mas também nenhuma hesitação em dar o dinheiro dos contribuintes para os banqueiros e os bancos que estes levaram à falência. Tornar Portugal (e os países do sul da Europa) num país cujo modelo económico era a China foi durante estes quatro anos o objectivo desta direita ultra-liberal. Mesmo depois de ter abandonado o governo, o caso Banif rebentou nas mãos do governo socialista com apoio da esquerda. Não se trata só de incompetência, mas de manifesta maldade, ou seja, de pura pulhice.

quinta-feira, novembro 26, 2015

DIA HISTÓRICO, MAS...

                Hoje, quarenta anos e um dia depois do 25 de Novembro de 1975, a esquerda regressou ao poder com a tomada de posse de um governo socialista apoiado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP. É um apoio tímido, como tímido é este governo nas medidas que anuncia. E no entanto, o dia só por isso foi histórico. Mas foi também histórico porque hoje se pôs fim ao período de mais de quatro anos de governação de Passos Coelho, o pior e mais nefasto governo depois do 25 de Abril. E mesmo Cavaco teve a sua última intervenção pública de relevo. Agora cabe a António Costa fazer regressar o país à normalidade, aos partidos que apoiam este governo (BE e PCP) apoiá-lo nas suas medidas incipientes para esse regresso à normalidade. Mas Costa não terá uma tarefa fácil. Principalmente porque necessita do PCP como seu aliado, e o partido Comunista, centenário, há décadas com um constante discurso de oposição -  mesmo contra o PS -, a qualquer altura pode romper o acordo. 

terça-feira, outubro 13, 2015

TEMPOS HISTÓRICOS





Por estes dias vivemos tempos históricos na política portuguesa. A seguir à proclamação de vitória da coligação PaF – vitória minoritária – desenhou-se uma outra alternativa: a possibilidade de uma maioria de esquerda, que saiu das eleições de 4 de Outubro vir a formar governo. Ou seja, pela primeira vez em quarenta anos, poderemos vir a ter um governo constitucional formado pelo PS, Bloco de Esquerda e CDU. Durante os 40 anos de governos constitucionais (alguns de iniciativa presidencial durante o primeiro mandato de Ramalho Eanes) nunca o PCP ou outro partido à esquerda do PS participou num governo. Daí a famosa expressão “arco governamental”, que se cinge a três partidos: PS, PSD e CDS-PP. Agora, o aparente derrotado destas eleições, António Costa e o PS, tornou-se no centro político. É ele quem vai decidir se forma um governo com a coligação de direita, ou se forma um governo com os partidos à sua esquerda, PCP e BE, que nunca estiveram num governo constitucional. De repente, o vencido tornou-se no vencedor. Mas é também uma enorme responsabilidade para o PS, e algo que pode marcar o futuro do partido. António Costa quando presidente da Câmara de Lisboa já formou coligações com esses partidos. Durante a campanha eleitoral teve simpatia pelos partidos à sua esquerda. Agora, nestes dias quentes de Outono, tem tido sucessivas reuniões com todos os partidos com assento parlamentar. Essencialmente trata-se de uma oportunidade única: um governo de esquerda: PS, BE, CDU. Esse governo corresponderia a uma maioria parlamentar, que resulta da governação destrutiva e austeritária que a coligação PSD/CDS-PP levou a cabo durante mais de quatro anos criando pobreza, desemprego, emigração, privatizando quase tudo o que havia para privatizar, etc. Enfim, Portugal é hoje, depois da passagem da troika e das medidas para além da troika do governo Passos Coelho, um país irreconhecível, vivendo numa pobreza envergonhada. Em quatro anos regredimos nalguns sectores décadas. A vida dos portugueses, neste quadro político tornou-se em alguns casos desesperante. E tudo isto é consequência das políticas austeritárias neoliberais que pululam por alguns países da Europa. Fomos alvo de ataques por parte das agências de rating que forçaram o país a um “pedido de ajuda”. De tudo isto que os portugueses sofreram nos últimos anos, e ainda sofrem, é hora de dizer basta. Por isso os partidos da coligação não podem governar (e porque, naturalmente, estão em minoria no parlamento). Não podemos repetir tudo de novo, embrulhado em piedosas e salazarentas mentiras. Por isso o PS não pode, nem deve, formar um governo com a coligação de direita – é em nome do respeito que o partido de António Costa terá pelos portugueses e pelas suas vidas que não o deve fazer. Resta, portanto, ao PS interpretar o sentido do voto da maioria e formar um governo com Bloco e a CDU. Não será uma experiência fácil, há muitos pontos significativos que separam os socialistas dos bloquistas e dos comunistas, mas será a alternativa necessária, será – finalmente – um governo de esquerda. É claro que esse governo será julgado pelos portugueses e não terá a vida facilitada numa Europa ainda dominada pelo neoliberismo e por políticas que privilegiam os mercados financeiros e os bancos às pessoas. E para que esse governo quase utópico se realize terá também a nível interno um forte opositor: o presidente da República, que terá que tomar sais de frutos para dar posse a um governo de esquerda.

segunda-feira, outubro 05, 2015

O VOTO MASOQUISTA



Ontem quase dois milhões de pessoas foram votar na coligação PSD/CDS-PP. Votaram e deram a vitória, ainda que sem maioria absoluta, a quem governou Portugal nos últimos quatro anos. Ou seja, a quem fez um “aumento colossal de impostos”, a quem quis retirar o 13º mês e subsídio de férias, a quem cortou nas pensões, a quem aumentou o desemprego para níveis nunca atingidos em Portugal, a quem cortou nas prestações sociais, a quem foi o responsável pela saída do país de quase meio milhão de pessoas, a quem privatizou tudo o que havia a privatizar. Ontem dois milhões de pessoas legitimaram um governo que destruiu Portugal, que empobreceu como nunca se tinha visto nas últimas décadas os portugueses. A questão que se coloca é como é possível que tanta gente tenha entregue o seu poder de acção política nas urnas de voto a quem lhes fez tão mal. Como foi isto possível? É certo que não tinham grandes opções: António Costa pelo PS prometia pouco, mas ainda assim tinha um programa de governo que procurava repor algumas das coisas que antes da entrada em cena do governo Passos-Portas eram dados adquiridos na democracia portuguesa. E depois havia toda uma série de opções políticas, como o Bloco de Esquerda que beneficiou da má campanha do PS, ou o Livre que acabou por não eleger nenhum deputado. Então a questão persiste: porquê, porquê tanta gente a votar em quem lhes fez tão mal, a eles ou aos familiares ou amigos. Porquê votar em quem mentiu tanto e agora se escondeu de cartazes, entrevistas ou debates, continuando a mentir. Será que foi por medo? Será que engoliram a estória de que votar à esquerda seria desperdiçar os sacrifícios feitos durante quatro anos? Ocorre-me, como explicação, uma canção de Sérgio Godinho, de 1971, do álbum “Sobreviventes” e que seria retomada nos tempos pós revolucionários: “Que força é essa, amigo/que te põe de bem com outros/e de mal contigo”. O que se encontra aqui é a base antropológica, sociológica e psicológica do masoquismo. Nesse sentido esta canção não está nada datada, continua a ser tão actual como há 44 anos atrás. É a única explicação plausível que encontro para que dois milhões de portugueses tenham votado em quem lhes fez tão mal: masoquismo.
PS: O dito presidente da República, Cavaco,  faltou às comemorações do 5 de Outubro. Mais uma canalhice para quem é presidente da República. A acompanhá-lo na ausência esteve Passos Coelho. Será que querem uma monarquia?

sábado, outubro 03, 2015

Vítor Nogueira

VARANDA

Desta vez tinhas razão: frente fria prematura
no início de Setembro. Sentados na varanda, a beber
a altas horas. Estou cansado e não me importo.
Ouve-se o ruído intermitente de um motor
e uma voz transportada pelo vento, levantada
sem esforço em direcção ao céu. Temos de ir
e vir, conforme necessário, retomar a conversa
no ponto em que ficámos: se puderes, quer dizer,
se tiveres disponível esse tipo de orçamento,
despachavas o Cavaco para outro fuso horário?

Vítor Nogueira, Telhados de Vidro nº 18, Maio de 2013, ed. Averno, p. 91
Vítor Nogueira nasceu em 1966, em Vila Real onde dirige o teatro local. É autor de dezena e meia de livros, entre a poesia e o ensaio sobre questões ecológicas. Na poesia estreou-se em 1999 com A volta ao mundo em 50 poemas (Minerva). Entre os seus livros de poesia destaque-se O Senhor Gouveia (Averno, 2006), Comércio Tradicional (Averno, 2009) ou Quem diremos nós que viva?  (Averno, 2010). A sua poesia segue a linha do quotidiano e do real, tendo os seus livros um teor temático.