terça-feira, outubro 02, 2012

AS SOMBRAS DA MISÉRIA


Aquele senhor mais famoso que uma marca de iogurte, que viveu em Viena e tinha um divã em casa, e de cujo nome não me quero lembrar, disse um dia que a sexualidade feminina era um continente negro. A sexualidade feminina ou a mulher, não tenho a certeza – mas para outro senhor daquele tempo e local, Otto Weininger, não faria diferença. Tendo isto que vir a propósito de alguma coisa, pode vir a propósito desse livro erótico “para donas de casa” que empesta os topes das livrarias (como se os topes das livrarias e mesmo as livrarias não fossem uma peste actual), e cujo título é As Cinquenta Sombras de Grey. Uma formula editorial para ganhar milhões que pode ter consequências para as/os leitoras/es. Confesso: não li, não comprei e estou teso para esse tipo de livros. E para muitos outros.
E regresso, de novo ao tal senhor que explicava mais que um bifidus activo. Perguntava ele: o que quer uma mulher? E eu pergunto, o que quer uma mulher? Não sei. E acho que o tal senhor de Viena também não sabia. E mesmo uma mulher não sabe o que quer uma mulher. Como um homem não sabe o que quer um homem.
Mas os editores de As Cinquenta Sombras de Grey sabem o que quer uma mulher. Digo editores e não autora, uma tal E L James, porque o sucesso do livro depende de operações de marketing a nível internacional, e a autora pouco conta. Ou seja, este como muitos outros livros que pululam pelos topes de vendas são impingidos aos leitores – quer através do destaque nas livrarias reais e virtuais, quer da exploração mediática do tema, escolhido a dedo (como se costuma dizer): sexo. É o tema do livro, melhor, dos livros, pois trata-se de uma trilogia que faz com que todos ganhem três vezes mais. Autora, editores, livreiros, mas também revistas que “puxam” o livro para a capa – todos ganham. O sexo vende bem e o mercado livreiro andava esquecido disso.
 
E volto à questão do vienense, o que quer uma mulher? Uma mulher quer As Cinquenta Sombras de Grey, uns sapatos novos, uma carteira nova, uma cozinha nova, etc. Resumindo, uma mulher ou um homem querem aquilo que outros fabricam para eles desejarem, para eles consumirem, para eles se consumirem.
 
Escrevi no presente, não vou apagar, mesmo porque ainda é verdade em grande parte dos países ocidentais para a maioria da população. Mas o que escrevi já não se aplica à Grécia ou a Portugal. Nos países onde vigora a austeridade criminosa da troika e dos seus governos, o que quer um homem ou uma mulher é simplesmente algo para comer, um medicamento de que necessita, um emprego. Para algumas pessoas, de repente tudo mudou. A sociedade do consumo acabou. Vivem agora na miséria neo-neorealista das cidades.
 
(foto de Paulo Nozolino)

sábado, setembro 15, 2012

A DEMOCRACIA SAIU À RUA


E de repente um povo acorda. Hoje centenas de milhares de pessoas saíram à rua para se manifestarem contra a trioka, contra o governo e as suas políticas ditatoriais de austeridade, de roubo aos portugueses. Contra esse roubo, contra um governo eleito por engano que suspende a democracia em nome dos interesses do capital. Um governo (Coelho/Gaspar) que rouba aos que quase nada têm para dar aos grandes grupos económicos – que rejeitaram a esmola, como Belmiro de Azevedo. Hoje, pacificamente (um caso de desespero levou um homem a tentar imolar-se em Aveiro), com uma extraordinária imaginação e raiva (veja-se as fotos acima) por cerca de 40 cidades, centenas de milhares de pessoas manifestaram-se (alguns pela primeira vez). Terá sido a maior manifestação depois do 1º de Maio de 1974. Um momento histórico. As consequências que este governo de traição nacional (sitiado à direita e à esquerda) poderá tirar dependem do grau de autismo e imbecilidade do mesmo – que é bastante grande.

quarta-feira, setembro 12, 2012

MANIF 15 SET

Contra a troika, e principalmente contra as últimas medidas do governo, no próximo sábado por todo o país serão organizadas manifestações. Será que desta vez os portugueses acordam e percebem o que lhes estão a fazer? Parece que sim.
Aqui ficam alguns links onde pode obter mais informação:
Páginas do Facebook: http://www.facebook.com/events/402643499798144/
http://www.facebook.com/events/402643499798144/#!/pages/Que-se-Lixe-a-Troika-Queremos-as-nossas-Vidas/177929608998626
O blogue da manifestação com a informação mais completa: http://www.queselixeatroika15setembro.blogspot.pt/

sábado, agosto 25, 2012

DESVERGONHA


Há primeira vista o fecho da RTP 2 e a concessão dos restantes canais da RTP era, no mínimo, algo inédito no audiovisual europeu. Mas lendo o Expresso de hoje percebo o maior alcance da medida – criminosa – anunciada por António Borges. Criminosa porque se trata de um puro roubo aos contribuintes para entregar esse dinheiro a privados, destruindo o serviço público de televisão. A desvergonha que se instalou neste governo de aniquilação nacional não tem limites. Cito Ricardo Costa no Expresso desmontando a engenharia financeira provinda do gabinete do “dr. Relvas”: “com quase 150 milhões de euros da taxa audiovisual [paga na factura da electricidade] e cerca de 50 milhões de euros de publicidade, os investidores (…) sem mexer uma palha ganham 20 milhões de euros ao ano”.

sábado, julho 28, 2012

ALBERT LONDRES - COM OS LOUCOS


Nessa manhã, eu vagueava na companhia de um médico estagiário pelas instalações de um asilo.
- Os loucos - dizia-me ele não são o que se julga. O público vê-os de uma forma errada... Nem sempre são forças à solta. Olhe para os que estão reunidos naquela sala.
Eram uma dezena. Falavam ligeiramente mais alto do que é habitual, coisa que acontece aos de maior juízo.
- Pode lá entrar - disse o médico.
Entro. Caras espantadas voltam-se para o lado onde estou. No meio do grupo reconheço o médico-chefe.
O estagiário agarra-me pelo braço.
- O que se passa?
- Erro meu! - diz a morder o lábio. - Não são loucos, são alienistas. É uma reunião da Liga de Higiene Mental!
A diferença era mínima.

Albert Londres, Com os Loucos, trad. e apresentação de Aníbal Fernandes, Sistema Solar, Lisboa, 2012, p. 164.

quinta-feira, abril 26, 2012

25 DE ABRIL NA ESCOLA DA FONTINHA PELO ES.COL.A

A escola da Fontinha, no Porto, voltou ontem a ser ocupada pelo movimento Es.Col.A. A ocupação teve um carácter quase simbólico: hoje a escola estava de novo desocupada e trabalhadores da C. M. do Porto emparedavam a escola. Por outro lado, a ocupação de ontem pelo movimento Es.Col.A fez-se num dia demasiado simbólico para que houvesse confrontos entre polícia e ocupantes, o 25 de Abril. De certa forma a ocupação de ontem correspondeu a um acto revolucionário, como se se tratasse já não de comemorar o 25 de Abril, mas de re-fazer o 25 de Abril – e isto numa altura em que algumas personalidades se manifestaram a favor de um novo 25 de Abril. Perante isto torna-se pertinente citar o que José Neves escreve hoje no jornal i: A Escola da Fontinha não é simplesmente nome de um projecto social, cultural ou educativo. (…).A Escola da Fontinha é antes de mais, de onde eu a vejo, o nome de um projecto de poder (ou de antipoder, se preferirem) que se caracteriza por assumir uma natureza económica e política radicalmente democrática (ou anarquista, se preferirem). E é isto que a singulariza. Do ponto de vista económico, a Fontinha não é enquadrável em nenhuma das duas alternativas que tomaram conta do debate económico no espaço mediático dominante. Essas duas alternativas rezam que ou as coisas pertencem à ordem pública regida pelo Estado ou pertencem a uma esfera privada oleada pelos mecanismos de mercado.
O que é ameaçador para o poder político e económico é que novas escolas da Fontinha surjam, que os cidadãos façam alguma coisa para além daquilo que lhes é pedido (votar, fazer donativos para acções de caridade, consumir, pagar os impostos). Por isso o exemplo da Es.Col.A pode ser a semente de algo de novo

segunda-feira, abril 23, 2012

MANIFESTO DA ASSOCIAÇÃO 25 DE ABRIL

Abril não desarma

Há 38 anos, os Militares de Abril pegaram em armas para libertar o Povo da ditadura e da opressão e criar condições para a superação da crise que então se vivia.

Fizeram-no na convicta certeza de que assumiam o papel que os Portugueses esperavam de si.

Cumpridos os compromissos assumidos e finda a sua intervenção directa nos assuntos políticos da nação, a esmagadora maioria integrou-se na Associação 25 de Abril, dela fazendo depositária primeira do seu espírito libertador.

Hoje, não abdicando da nossa condição de cidadãos livres, conscientes das obrigações patrióticas que a nossa condição de Militares de Abril nos impõe, sentimos o dever de tomar uma posição cívica e política no quadro da Constituição da República Portuguesa, face à actual crise nacional.

A nossa ética e a moral que muito prezamos, assim no-lo impõem!
Fazemo-lo como cidadãos de corpo inteiro, integrados na associação cívica e cultural que fundámos e que, felizmente, seguiu o seu caminho de integração plena na sociedade portuguesa.

Porque consideramos que:

Portugal não tem sido respeitado entre iguais, na construção institucional comum, a União Europeia.

Portugal é tratado com arrogância por poderes externos, o que os nossos governantes aceitam sem protesto e com a auto-satisfação dos subservientes.

O nosso estatuto real é hoje o de um “protectorado”, com dirigentes sem capacidade autónoma de decisão nos nossos destinos.

O contrato social estabelecido na Constituição da República Portuguesa foi rompido pelo poder. As medidas e sacrifícios impostos aos cidadãos portugueses ultrapassaram os limites do suportável. Condições inaceitáveis de segurança e bem-estar social atingem a dignidade da pessoa humana.

Sem uma justiça capaz, com dirigentes políticos para quem a ética é palavra vã, Portugal é já o país da União Europeia com maiores desigualdades sociais.

O rumo político seguido protege os privilégios, agrava a pobreza e a exclusão social, desvaloriza o trabalho.

Entendemos ser oportuno tomar uma posição clara contra a iniquidade, o medo e o conformismo que se estão a instalar na nossa sociedade e proclamar bem alto, perante os Portugueses, que:

- A linha política seguida pelo actual poder político deixou de reflectir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril configurado na Constituição da República Portuguesa;

- O poder político que actualmente governa Portugal, configura um outro ciclo político que está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores;

Em conformidade, a A25A anuncia que:

- Não participará nos actos oficiais nacionais evocativos do 38.º aniversário do 25 de Abril;

- Participará nas Comemorações Populares e outros actos locais de celebração do 25 de Abril;

- Continuará a evocar e a comemorar o 25 de Abril numa perspectiva de festa pela acção libertadora e numa perspectiva de luta pela realização dos seus ideais, tendo em consideração a autonomia de decisão e escolha dos cidadãos, nas suas múltiplas expressões.

Porque continuamos a acreditar na democracia, porque continuamos a considerar que os problemas da democracia se resolvem com mais democracia, esclarecemos que a nossa atitude não visa as Instituições de soberania democráticas, não pretendendo confundi-las com os que são seus titulares e exercem o poder.

Também por isso, a Associação 25 de Abril e, especificamente, os Militares de Abril, proclamam que, hoje como ontem, não pretendem assumir qualquer protagonismo político, que só cabe ao Povo português na sua diversidade e múltiplas formas de expressão.

Nesse mesmo sentido, declaramos ter plena consciência da importância da instituição militar, como recurso derradeiro nas encruzilhadas decisivas da História do nosso Portugal. Por isso, declaramos a nossa confiança em que a mesma saberá manter-se firme, em defesa do seu País e do seu Povo. Por isso, aqui manifestamos também o nosso respeito pela instituição militar e o nosso empenhamento pela sua dignificação e prestígio público da sua missão patriótica.

Neste momento difícil para Portugal, queremos, pois:

1. Reafirmar a nossa convicção quanto à vitória futura, mesmo que sofrida, dos valores de Abril no quadro de uma alternativa política, económica, social e cultural que corresponda aos anseios profundos do Povo português e à consolidação e perenidade da Pátria portuguesa.

2. Apelar ao Povo português e a todas as suas expressões organizadas para que se mobilizem e ajam, em unidade patriótica, para salvar Portugal, a liberdade, a democracia.

Viva Portugal!