Aquele senhor mais famoso que uma marca de iogurte, que viveu em Viena e tinha um divã em casa, e de cujo nome não me quero lembrar, disse um dia que a sexualidade feminina era um continente negro. A sexualidade feminina ou a mulher, não tenho a certeza – mas para outro senhor daquele tempo e local, Otto Weininger, não faria diferença. Tendo isto que vir a propósito de alguma coisa, pode vir a propósito desse livro erótico “para donas de casa” que empesta os topes das livrarias (como se os topes das livrarias e mesmo as livrarias não fossem uma peste actual), e cujo título é As Cinquenta Sombras de Grey. Uma formula editorial para ganhar milhões que pode ter consequências para as/os leitoras/es. Confesso: não li, não comprei e estou teso para esse tipo de livros. E para muitos outros.
E regresso, de novo ao tal senhor que explicava mais que um bifidus activo. Perguntava ele: o que quer uma mulher? E eu pergunto, o que quer uma mulher? Não sei. E acho que o tal senhor de Viena também não sabia. E mesmo uma mulher não sabe o que quer uma mulher. Como um homem não sabe o que quer um homem.
Mas os editores de As Cinquenta Sombras de Grey sabem o que quer uma mulher. Digo editores e não autora, uma tal E L James, porque o sucesso do livro depende de operações de marketing a nível internacional, e a autora pouco conta. Ou seja, este como muitos outros livros que pululam pelos topes de vendas são impingidos aos leitores – quer através do destaque nas livrarias reais e virtuais, quer da exploração mediática do tema, escolhido a dedo (como se costuma dizer): sexo. É o tema do livro, melhor, dos livros, pois trata-se de uma trilogia que faz com que todos ganhem três vezes mais. Autora, editores, livreiros, mas também revistas que “puxam” o livro para a capa – todos ganham. O sexo vende bem e o mercado livreiro andava esquecido disso.
E volto à questão do vienense, o que quer uma mulher? Uma mulher quer As Cinquenta Sombras de Grey, uns sapatos novos, uma carteira nova, uma cozinha nova, etc. Resumindo, uma mulher ou um homem querem aquilo que outros fabricam para eles desejarem, para eles consumirem, para eles se consumirem.
Escrevi no presente, não vou apagar, mesmo porque ainda é verdade em grande parte dos países ocidentais para a maioria da população. Mas o que escrevi já não se aplica à Grécia ou a Portugal. Nos países onde vigora a austeridade criminosa da troika e dos seus governos, o que quer um homem ou uma mulher é simplesmente algo para comer, um medicamento de que necessita, um emprego. Para algumas pessoas, de repente tudo mudou. A sociedade do consumo acabou. Vivem agora na miséria neo-neorealista das cidades.
(foto de Paulo Nozolino)
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