CORES - 2
Uma simples laranja.
Loucura do amarelo
sobre a toalha branca.
*
VENTO
Maneira de
beber o dia
*
ROSTO
Paisagem
ao longe
*
TEU ROSTO
Lâmpada oval
tensa
recolhida
pão
ovo
berço
rio
Álvaro Manuel Machado, Íntimo Rigor, Arcádia, Lisboa, 1981, pp.21, 29, 42 e 43
quarta-feira, novembro 19, 2014
sexta-feira, outubro 24, 2014
Rosa Oliveira
L´HOMME AUX
RATS
vai-me buscar cigarros
(de enrolar duram mais)
dizia agarrado ao roupão
que gritava hospital a
centenas de metros
os chinelos de velho
nos calcanhares de cortiça
ontem esfreguei-me no chão
não há hipótese
não tenho orgasmos há quatro anos
fugi daquela casa
os ratos não me deixavam dormir
conduzi
o carro sugado pela neblina
os ciganos
ofereceram-me o lixo deles
para comer
agradeci
os algarismos
não paravam
batiam à porta
depositaram
um cão esventrado
no tapete
na aldeia
havia menos pessoas que no prédio
em frente de tua casa
cheira bem
o teu manjericão roído
por traças verdes
foi então no outono
telefonei-te
percebi
que estava a
deixar de ser moderno
era um sabujo
que batia nos pais
e mal sabia ler
tens de escrever e falar
por mim
perco-me nas frases
e as ideias partem-se
ao quererem sair
estás a ver este gajo
foi buscar tabaco e
agora vem com conversa de padre
se calhar safava-me
da ala psiquiátrica
se fosse para padre
assim
rio e choro
tudo de seguida
e não tenho ninguém a quem
encostar o corpo
esta conversa parece um poema
do cesariny
numa noitada
abjeccionista
esquece o orgasmo
é só um espasmo
toma mas é o lítio
e põe-te firme
na realidade
qual mimese
qual caralho...
(Relâmpago - revista de poesia nº 33)
Rosa Oliveira nasceu em 1958, Viseu. Tem-se dedicado ao estudo e ensino da literatura. Em 2013 publicou o seu primeiro livro de poemas - Cinza - editado pela colecção de poesia da Tinta da China.
segunda-feira, outubro 13, 2014
O TTIP por Almuneda Grandes
Nos
sobran motivos para el miedo. Como vivimos cercados por la mentira y el
silencio, al temor por la suerte de Teresa Romero se suma el de los aún
desconocidos desastres que los recortes en sanidad provocarán mañana, y
hasta la posibilidad de que, en el colmo del cinismo, el Gobierno
aproveche la ocasión para liquidar lo poco que queda de cooperación y
ayuda al desarrollo. Todo lo malo que hayamos sido capaces de pensar
alguna vez se va cumpliendo sin remedio. Por eso quiero llamar hoy su
atención sobre el TTIP, siglas que probablemente desconocen aunque pesan
como una amenaza silenciosa sobre su futuro. EE UU y la UE negocian
desde hace año y medio el Tratado Transatlántico de Libre Comercio e
Inversión en una opacidad casi absoluta. Lo poco que han declarado sobre
sus intenciones —que pretenden eliminar las barreras reguladoras que
limitan los beneficios potenciales de las multinacionales a ambos lados
del Atlántico— es ya temible. Los acuerdos que se están negociando en
secreto pueden ser mucho más peligrosos que el ébola. Si lo que temen
las organizaciones de la sociedad civil que han dado la voz de alarma
llegara a cumplirse, las multinacionales tendrían derecho a cuestionar
las decisiones que tomen Estados soberanos y a ser indemnizadas cuando
éstas les perjudiquen. Para colmo, el tribunal que dirimiría estos
conflictos no sería público, sino privado. Tres abogados con intereses
en la disputa fijarían la sentencia y la multa correspondiente, sin
derecho a recurrir por parte del Estado sancionado. A partir de ahí, la
soberanía democrática será una cáscara hueca y el sometimiento de la
política a los poderes económicos, la norma de nuestra vida. Recuerden
estas siglas: TTIP. Porque lo peor que hayan temido al leer esta columna
se cumplirá mañana si no somos capaces de evitarlo.
Artigo publicado no El País de 13-10-14, última página, sobre o obscuro
TTIP. Sobre o TTIP ver mais informação aqui, aqui, aqui
segunda-feira, setembro 08, 2014
JOSÉ RICARDO NUNES
CERIMÓNIA DE ABERTURA
Entram no estádio e desfilam
as delegações: uma bandeira
por país, um capitão
a comandar os implicados
no crescimento do comércio global.
Os desportistas sorriem, acenam,
cumprem à risca o seu papel de figurantes.
Digo-lhe que não sei parar as imagens.
Reina a paz e a concórdia.
Mesmo os que vieram apenas para competir,
perder, sonham com o milagre
que lhes turva os olhos de glória. E eu,
sentado neste sofá suburbano
que treme à passagem do comboio,
acredito no que lhe digo.
Lembra o comentador, algo comovido
pelas últimas notícias, que na Grécia
faziam tréguas durante os Jogos.
Alguém é dono da verdade? Resta-nos
o poder de mudar livremente de canal
ao sabor dos nossos humores tão variáveis.
Estou sempre a dizer isto à Jacinta.
O SUPLENTE
O futebol preferia
aos livros. Mas livros depois
já não era capaz de distinguir
quem driblava, quem centrava
para dentro da área, se o remate
certeiro concluía uma jogada
ou um poema. Se não podes vencê-los
junta-te a eles. No mesmo banco
em que acompanhava os jogos
da minha equipa leria os livros.
Lances e metáforas imaginados,
uma luz crua e breve.
Pois a maior parte do tempo
ficava petrificado, ausente,
como se nem sequer eu
estivesse sentado no banco
a assistir a tudo isto.
José Ricardo Nunes, Versos Olimpicos (2008), Deriva, Porto, pp. 5 e 13
domingo, agosto 31, 2014
EDUARDO GUERRA CARNEIRO
DIVÃ
Transforma-se o amador na cousa amada. Por entre lágrimas e suspiros, prossegue o jogo, motivado pela vontade de jogar, mais forte que a sorte em pano verde.
Divã - o título da jogada. Uma sorte de prestidigitador, soltando a pomba nos ombros da diva, chamas reais da boca da divina. No divã quem se deita? O doente ou o médico? O paciente ou o inconsciente? O psicanalista ou a psicanálise?
Passando, para já, adiante, ó cavalheiros!, voltemos à diva, sob os projectores fortes do espectáculo ou junto às luzes da ribalta. Divino é seu gosto, à medida, nos gestos melhores, fora de cena. Adivinhas? O gosto duvidoso do poeta não sabe decifrar jogadas - fora de jogo.
Encaminha-se o relato para o relatório; alguns novelos soltam-se; o papel químico desfaz-se em pó. E o amador?, questiona o artista. Quem lhe poderá dar a resposta se nem a amada sabe a quantas anda?
A diva, essa, já nem usa lantejoulas, sentando-se no chão, de ganga gasta. O poeta deita-se no divã. Inicia o monólogo. Defensor de causas perdidas, preocupa-se com o gesto, perde já o gosto. Outros diriam que a pedalada esmorece.
Nas curvas da divina - a diva? - o artista tenta a sorte do divã. Não joga bem e perde, ainda outra vez. Quando de galo, assim, tenta avançar, faz gala em simular um volta atrás. Os outros não perdoam a batota! dizem. Ele sabe que não joga em falsidade e conquista alguns pontos, poucos, nessa sorte. Mas longe vai já a diva - hesitou, perdeu.
Volta ao divã, em busca dos novelos, procurando, afinal, o fio à meada própria. Nos outros sabe ver e precisar o gesto, o gosto, cambiante, ficção, realidade. Quem lhe oferece um espelho, bem antigo, onde possa olhar-se até ao fundo?
Eduardo Guerra Carneiro, A Dama de Espadas, Lisboa, & etc, 1981, pp. 21-22
domingo, agosto 24, 2014
A BARBÁRIE
1, Enquanto uma moda viral (embora por uma
boa causa) faz deste apagado verão uma estação ainda mais silly – a moda das
figuras públicas despejarem um balde de água gelada pela cabeça abaixo, o
terror espalha-se na zona do médio oriente. O chamado IS (Islamic State), que
controla uma já vasta zona do Iraque e da Síria, espalha o terror com mais
eficácia que o fez a Al-Qaeda: um vídeo onde é degolado o jornalista inglês James
Foley demonstra até onde tem crescido o fundamentalismo islâmico. Este
fundamentalismo do IS recruta cidadãos europeus – estima-se que no IS estejam
500 ingleses e 700 franceses. Talvez seja um niilismo mascarado pela sociedade
do espectáculo, onde alguns programas televisivos parecem campos de treino para
estes fundamentalistas (veja-se por exemplo O Poder do Amor, SIC, Domingos à
noite), uma das prováveis géneses deste niilismo. A Europa niilista, entre uma
imbecil e caquéctica sociedade do espectáculo e a especulação dos mercados
financeiros, acaba por ser um viveiro para a angariação de terroristas.
2, Enquanto isto, aqui, em Portugal, na
periferia da Europa, mas pertencendo nós ao, ainda, risível califado do Estado
Islâmico, o nosso califa Passos Coelho vai semeando a miséria e a mentira. É
certo que Coelho não é Abu Bakr al-Baghdadi, o califa, mas numa versão lusa de
brandos costumes, sem cabeças cortadas, tem feito tudo o que lhe permite (e
mesmo o que não permite) o Estado de direito para destruir Portugal e dar cabo
da vida dos portugueses. Pois, enquanto Coelho mentia pela enésima vez que não
ia aumentar os impostos, sabendo-se (por Marques Mendes) do muito possível
aumento do IVA para 24%, o Jornal de Notícias lembrava, na sua edição de ontem,
Domingo, que em Portugal existem 400 mil pessoas desempregadas sem auferir
qualquer subsídio. Como vivem estas pessoas? Porque se calam?
3, James Foley, assassinado barbaramente por
um membro do IS, era um jornalista free-lancer. A ele e a outros corajosos
jornalistas devemos o testemunho do que se passa no mundo. Sem repórteres nas
zonas de guerra as guerras seriam ainda mais selvagens e dessa selvajaria não teríamos
testemunhos. O mundo precisa destes jornalistas, mas também precisa de
jornalistas que procurem a verdade que está ao fim da rua (como no spot da TSF:
“ir ao fim da rua, ir ao fim do mundo”). Ora a imprensa portuguesa – e não só a
portuguesa – passa por uma profunda crise: perda de leitores, despedimentos dos
melhores jornalistas, etc. Veja-se o caso do grupo Controlinveste (detentor do
DN, JN, O Jogo e TSF) de onde foram recentemente despedidos 160 trabalhadores.
O grupo outrora detido maioritariamente por Joaquim Oliveira tem novos
accionistas, entre os quais Luís Montez, genro de Cavaco Silva, e um tal
Mosquito, um empresário angolano. Se numa zona de conflito armado um jornalista
tem imensas dificuldades para desempenhar o seu trabalho, num país como
Portugal a liberdade de imprensa volta a estar em causa por contingências
económicas e leis laborais.
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