Transforma-se o amador na cousa amada. Por entre lágrimas e suspiros, prossegue o jogo, motivado pela vontade de jogar, mais forte que a sorte em pano verde.
Divã - o título da jogada. Uma sorte de prestidigitador, soltando a pomba nos ombros da diva, chamas reais da boca da divina. No divã quem se deita? O doente ou o médico? O paciente ou o inconsciente? O psicanalista ou a psicanálise?
Passando, para já, adiante, ó cavalheiros!, voltemos à diva, sob os projectores fortes do espectáculo ou junto às luzes da ribalta. Divino é seu gosto, à medida, nos gestos melhores, fora de cena. Adivinhas? O gosto duvidoso do poeta não sabe decifrar jogadas - fora de jogo.
Encaminha-se o relato para o relatório; alguns novelos soltam-se; o papel químico desfaz-se em pó. E o amador?, questiona o artista. Quem lhe poderá dar a resposta se nem a amada sabe a quantas anda?
A diva, essa, já nem usa lantejoulas, sentando-se no chão, de ganga gasta. O poeta deita-se no divã. Inicia o monólogo. Defensor de causas perdidas, preocupa-se com o gesto, perde já o gosto. Outros diriam que a pedalada esmorece.
Nas curvas da divina - a diva? - o artista tenta a sorte do divã. Não joga bem e perde, ainda outra vez. Quando de galo, assim, tenta avançar, faz gala em simular um volta atrás. Os outros não perdoam a batota! dizem. Ele sabe que não joga em falsidade e conquista alguns pontos, poucos, nessa sorte. Mas longe vai já a diva - hesitou, perdeu.
Volta ao divã, em busca dos novelos, procurando, afinal, o fio à meada própria. Nos outros sabe ver e precisar o gesto, o gosto, cambiante, ficção, realidade. Quem lhe oferece um espelho, bem antigo, onde possa olhar-se até ao fundo?
Eduardo Guerra Carneiro, A Dama de Espadas, Lisboa, & etc, 1981, pp. 21-22
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