segunda-feira, setembro 30, 2019

BREVIÁRIO SOBRE OS PARTIDOS CONCORRENTES ÀS LEGISLATIVAS

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Até que ponto estas eleições legislativas do próximo dia 6 de Outubro são decisivas? O que vai mudar na vida dos portugueses? A resposta, tendo em conta que o vencedor antecipado é o PS, será muito pouco. António Costa ao criar a geringonça abriu um espaço de entendimentos parlamentares único na democracia portuguesa. Daí que com excepção do CDS, e de um eventual novo líder do PSD, mesmo sem maioria absoluta o PS tenha toda a margem de manobra para criar uma solução governativa. Ou seja, para criar uma nova geringonça.
Mas calma. Ainda vamos na campanha. E na campanha eleitoral, naturalmente mediática, não há 21 partidos a concorrer mas apenas os 6 com representação parlamentar. É claro que há problemas de logística para acompanhar em igualdade os 21 partidos, mas já agora que critérios editoriais fazem com que apenas os 6 partidos que têm representação parlamentar sejam acompanhados pelos meios de comunicação social? E que o PAN, com apenas um deputado, tenha o mesmo tratamento que o BE ou o CDS, partidos com grupos parlamentares. Sem dúvida que o PAN vai aos ombros dos jornalistas.
Dito isto, que é uma evidência difícil, vejamos os partidos e se existem razões para votar em algum deles.
PS – António Costa mostrar-se como a noiva com quem todos querem casar (mesmo Rui Rio). Durante estes 4 anos distribuiu dinheiro, mudando bastante o país. Mas não foi suficiente: os serviços públicos continuaram sem dinheiro. De uma forma grave. Centeno apostou numa austeridade encapotada, e em devolver ao FMI o dinheiro emprestado. Deste governo só se pode dizer que foi bom porque veio depois do pior governo depois do 25 de Abril.
PSD – Depois desse terrorista que foi Passos Coelho, os portugueses perceberam que tipo de partido é o PSD. Não totalmente. Rio tentou virar à esquerda, não é suficiente. É o seu lugar como líder do partido que se joga nestas eleições.
Bloco de Esquerda – O apoio ao PS, à geringonça, fê-lo engolir muitos sapos e deixar de lado a luta por causas justas. Ainda tem uma visão demasiado estatizante da sociedade.
PCP (CDU) – Creio que nem Soares nem Cunhal concordariam com a solução da geringonça. É um partido estalinista, com quase um século, anquilosado, que ainda apoia regimes como o da Coreia do Norte.
CDS-PP – Dos seis partidos parlamentares é o único que não quer casar com António Costa. Tem uma ideia filosófica de liberdade. Mas a justiça social, onde fica? Para as grandes empresas.
PAN – Da libertação animal de Peter Singer (bio-eticista a favor do aborto, do infanticídio, do “homicídio” de pessoas com doenças neurológicas que lhes façam perder a “consciência”) a um partido que se diz agora ecologista. Se os animais votassem ... 
Livre – Tem um programa utópico e a primeira candidata gaga a querer entrar no Parlamento.
Aliança – Ou seja, Pedro Santana Lopes.
PDR – Já podia ter entrado no Parlamento, mas Marinho Pinto prefere os programas da manhã da TVI.
PTP – Tem algumas boas ideias. Mas como se pode subir o salário mínimo para 1000 euros?
PNR – Puro fascismo.
Iniciativa Liberal – Já chegou o neoliberalismo de PSD/CDS.
Nós, Cidadãos – Ainda não se explicou.
MAS – Esquerda quase caceteira.
RIR – Ou seja, Tino de Rãs, um mau Da Vinci dos mass-média.
Chega – Um perigo para a democracia. Puro e do pior populismo, a reboque do Correio da Manhã.
JPP – Um partido da Madeira.
MPT – Tem um bom tempo de antena. No resto, está invisível.
PURP -  A idade não é um posto.
PCTP/MRPP -  A nova líder do partido vai fazer uma revolução. Mas em casa dela.
PPM – Um partido sem rei.


sábado, agosto 31, 2019

Mário Henrique Leiria

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GIN SEM TÓNICA

Uma garrafa de gin
estava a preocupar
o pescador
a garoupa e o rodovalho
não tinham aparecido
pró jantar
que fazer?
telefonou ao ministro
da Pesca e do Trabalho
mas o ministro
estava a trabalhar
na cama
com a mulher
foi então
que a garrafa de gin
sugeriu discretamente
porque não
telefonar ao presidente?
telefonaram
o presidente da nação
estava em acção
na cama
com a mulher
nessa altura
até que enfim
encontraram a solução
o pescador
foi para a cama
com a garrafa de gin

De Contos do Gin-tonic, Estampa, 2ª ed., 1976.

quarta-feira, julho 31, 2019

Lídia Jorge

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CAI A CHUVA NO PORTAL

Cai a chuva no portal, está caindo 
Entre nós e o mundo, essa cortina 
Não a corras, não a rasgues, está caindo 
Fina chuva no portal da nossa vida. 
Gotas caem separando-nos do mundo 
Para vivermos em paz a nossa vida. 
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Cai a chuva no portal, está caindo 
Entre nós e o mundo, essa toalha 
Ela nos cobre, não a rasgues, está caindo 
Chuva fina no portal da nossa casa. 
Por um dia todos longe e nós dormindo 


Lídia Jorge é desde O Dia dos Prodígios (1980) autora de mais de uma dezena de romances, e alguns livros de contos, volumes, onde tem ficcionado a realidade histórica portuguesa do pós 25 de Abril. A autora, nascida em Boliqueime em 1946, estreou-se na poesia, recentemente, com Livro das Tréguas (D. Quixote).

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domingo, junho 30, 2019

REUTILIZAÇÃO DA ESTUPIDEZ


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A ideia do PS, plasmada no OE para 2019, de reutilização dos manuais escolares é uma ideia estúpida e sintomática de uma concepção de escola como um processo burocrático, ou um depósito de crianças e adolescentes. Diferente da ideia do PS era o projecto apresentado pelo PCP, que previa a dádiva pelo Estado aos alunos dos manuais sem que estes tivessem de ser entregues no final do ano lectivo. Mas isso seria um desperdício que Mário Centeno não poderia permitir.  
Sobre os manuais escolares, deve dizer-se que foram sempre uma forma de aproveitamento económico por parte das editoras que os publicam – como é o caso da Porto Editora, que sendo a maior editora, durante anos, a editar manuais escolares, se tornou, agora, no maior grupo editorial e livreiro do país. Esse aproveitamento consiste no uso de papéis caros, no uso abundante da cor, o que encarece o manual, e faz com que os livros escolares pesem mais que os outros livros, tendo as crianças e adolescentes que transportar um peso significativo nas mochilas. Ou seja, os manuais escolares apresentam-se como livros de arte, ou enciclopédias ilustradas. Daqui resulta que as primeiras experiências, na generalidade, com o livro, por parte das crianças, não são boas. Não só pela questão do peso, mas sobretudo porque os livros apresentam um saber, incipiente, muitas vezes marcado ideologicamente, que vai ser objecto de um exame, sob cuja performance é atribuída uma nota ao aluno. É assim que toda a possibilidade de pulsão epistemofílica, de interesse pelo saber, é castrada pela escola.
Ora, o deficiente saber, o saber deturpado, mas ainda uma narrativa de um saber, uma possibilidade do reaparecimento da pulsão epistemofílica – mesmo por outros membros da família – fica amputado quando os manuais escolares são devolvidos para reutilização. Porque em muitas casas portuguesas os únicos livros que existem são, por obrigação, os manuais escolares. Se tivermos em conta os dados recentemente divulgados, que dizem que os filhos das famílias mais pobres vão para os cursos com menos prestígio (os dos politécnicos), temos a evidência prática da política dos manuais reutilizáveis.


sexta-feira, maio 31, 2019

ABSTENÇÃO

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O semanário Expresso da passada sexta-feira, 24, trazia como manchete uma sondagem que indicava que 69 por cento dos portugueses não eram capazes de nomear nenhum candidato às eleições Europeias do passado Domingo. Ora, foi sensivelmente este o número da abstenção destas eleições, um número que se tomarmos por correcto constitui o recorde da abstenção em eleições desde o 25 de Abril (Luís Aguiar-Conraria, no Público de dia 29, serve-se de um outro argumento, os portugueses que residem no estrangeiro, e cuja taxa de abstenção “perfeitamente normal” foi de 99 por cento, para fazer umas estranhas contas que colocariam a abstenção na ordem dos 60 por cento).
Da citada manchete do Expresso infere-se um provável nexo de causalidade: os portugueses que não sabiam quem eram os candidatos não foram votar. É justo. Porque, embora o voto seja universal para todos os cidadãos maiores de 18 anos, não faz sentido que alguém que não tem nenhuma noção dos programas dos partidos, ou sequer não sabe o que é o Parlamento Europeu, ou que as eleições Europeias foram para o Parlamento Europeu, vá exercer o seu “direito”/”dever de voto”. E aqui estamos perante um assunto que é urgente ser discutido: literacia política. Levantar a questão de uma literacia política é levantar a questão de como as instituições se apresentam no espaço público (e aqui, a UE tem defendido a sua opacidade e complexidade burocratizante, enquanto os parlamentos nacionais se tornam mais transparentes com os seus canais televisivos – veja-se a título de exemplo a audição a Joe Berardo); é, também, questionar como os partidos fazem campanha e se apresentam aos seus potenciais eleitores; ou ainda – e este item reveste-se de particular importância – como os meios de comunicação social abordam nos seus espaços informativos as questões políticas e institucionais; e, não menos importante, como a escola explica o funcionamento das instituições.
Após o 25 de Abril, e depois com a estabilização democrática, a democracia representativa tornou-se universal. Na primeira República apenas os homens alfabetizados e os chefes de família podiam votar (curiosamente uma mulher, Carolina Beatriz Ângelo, médica e viúva, invocando a sua condição de chefe de família, conseguiu votar, tornando-se num caso absolutamente excepcional até às eleições de 25 de Abril de 1975 para a Assembleia Constituinte, onde as mulheres puderam votar pela primeira vez). Hoje, nas democracias representativas ocidentais a taxa de abstenção ronda os 50 por cento – foi também esta a taxa de abstenção média destas eleições tendo em conta o conjunto dos (ainda) 28 estados membros da UE.
Mas, em Portugal, a abstenção para as eleições Europeias, desde a década de 90 do século passado, apresenta números superiores aos 60 por cento, sendo as eleições com maior taxa de abstenção. Porque razão isto ocorre? Uma das possíveis explicações, alinhadas com outros países chamados eurocépticos, como é o caso da Grã-Bretanha que tenta sair da União Europeia, é a que os não votantes nas eleições Europeias em Portugal o fazem pelas mesmas razões que os ingleses quiseram, em referendo, o Brexit. Não me parece que seja essa a razão. A razão para o não voto dos portugueses, em particular nestas últimas Europeias, creio que se prende com a opacidade institucional da UE. Esta falta de transparência da UE só pode ser mudada por dentro, e o bom resultado que os partidos de tendência ecologista obtiveram, embora ainda insuficiente, pode servir para diminuir o peso que os partidos do centro, burocratizantes, têm no Parlamento Europeu. Mas há razões específicas para a existência desta maioria silenciosa: 1, a desconfiança em relação à UE terá aumentado depois da intervenção da troika em Portugal, que era constituída pelo BCE e pela Comissão Europeia; 2, um divórcio em relação à política portuguesa que foi caracterizada nos últimos tempos por uma austeridade encapotada, com cortes promovidos pelo ministro das finanças, Mário Centeno, que é ao mesmo tempo o presidente do Eurogrupo. Esse divórcio acentuou-se com o descaramento da banca e dos grandes devedores de que a audição a Joe Berardo no Parlamento foi paradigmática: como se pode compreender que o Estado tenha emprestado milhares de milhões de euros (cerca de 20 milhares de milhão) á banca para esta emprestar a estes multimilionários sem nenhumas garantias, em operações obscuras. E como se pode perceber que a mesma banca seja tão implacável para com aqueles que em dificuldades, vítimas da crise, desempregados, perderam a casa sob a qual tinham contraído empréstimo bancário? Daqui resulta, como estamos a assistir, um braço de ferro entre a banca (cujo Banco de Portugal supremamente representa) e o parlamento. Porque os políticos portugueses sabem que esta situação se tornou intolerável, e terá repercussões nas legislativas de Outubro próximo. Se, como escrevia o poeta e jornalista Eduardo Guerra Carneiro, “isto anda tudo ligado”, não podemos descartar a influência da audição parlamentar a Joe Berardo nos resultados das eleições Europeias.


terça-feira, abril 30, 2019

D. Dinis

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__ Ai flores, ai flores do verde pino, 
se sabedes novas do meu amigo! 
    Ai Deus, e u é? 

__ Ai flores, ai flores do verde ramo, 
se sabedes novas do meu amado! 
    Ai Deus, e u é? 

Se sabedes novas do meu amigo, 
aquel que mentiu do que pôs comigo! 
    Ai Deus, e u é? 

Se sabedes novas do meu amado, 
aquel que mentiu do qui mi á jurado! 
    Ai Deus, e u é? 

__ Vós me perguntardes polo voss'amigo, 
e eu bem vos digo que é san'vivo. 
    Ai Deus, e u é? 

Vós me perguntardes polo voss'amado, 
e eu bem vos digo que é viv'e sano. 
    Ai Deus, e u é? 

E eu bem vos digo que é san'vivo 
e seera vosc'ant'o prazo saído. 
    Ai Deus, e u é? 

E eu bem vos digo que é viv' e sano 
e seera vosc'ant'o prazo passado 
    Ai Deus, e u é? 

domingo, março 31, 2019

Joan Zorro

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Em Lixboa, sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar,
                ai mia senhor velida!

Em Lixboa, sobre lo ler,
barcas novas mandei fazer,
                ai mia senhor velida!

Barcas novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar,
                ai mia senhor velida!

Barcas novas mandei fazer
e no mar as mandei meter,
                ai mia senhor velida!

(in Poemas Portugueses - Antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI, Porto Editora, p. 107)
Joan Zorro foi um jogral português que terá feito parte da corte de D. Dinis. São-lhe conhecidas 11 composições. Em 1967 Fiama Hasse Pais Brandão publica o livro Barcas Novas (ed. Ulisseia) que inclui o poema com o título homónimo, referindo-se à Guerra Colonial. Mas a marca intertextual de Joan Zorro na poesia de Fiama, não se ficaria por ai, publicando em 1974 "O Texto de João Zorro" 

quinta-feira, fevereiro 28, 2019

Francisco Sá de Miranda

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O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
Também mudando-m’eu fiz doutras cores:
E tudo o mais renova, isto é sem cura!

Francisco Sá de Miranda viveu entre 1481 ou 1485 e 1558. Poeta maior da história da literatura portuguesa, perto de Camões, Bernadim Ribeiro, Gil Vicente. O soneto aqui apresentado é um dos mais famosos do autor e aquele com quem alguns poetas do século XX estableceram relações de intertextualidade, como é caso de Gastão Cruz.

quinta-feira, janeiro 31, 2019

CENSURA E PEDAGOGIA


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1, Estava uma turma de Português do 12º ano, a ouvir uma medíocre versão dita por alguém no you tube do poema "Ode Triunfal" de Álvaro de Campos-Fernando Pessoa, quando alguém repara que ao texto impresso no manual da Porto Editora faltam três versos. Fantásticos estes alunos que mereciam um 20 por tal descoberta: a de que o manual da Porto Editora, de autoria de Noémia Jorge, Cecília Aguiar e Miguel Magalhães censurava três versos de um dos poemas mais importantes do modernismo português. Falavam esses versos de putas e de pedofilia: “automóveis apinhados de pândegos e de putas” (verso 153) e “E cujas filhas aos oito anos – e eu acho isto belo e amo-o! – Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.” O verso 153 não se percebe muito bem o porquê da censura – será que tem que ver com esta predominância de movimentos feministas? Quanto aos outros dois versos, percebe-se que hoje sejam mais censuráveis que há cerca de 100 anos quando foram publicados em Orpheu. Se Pessoa fosse vivo, e por algum azar um jornalista ou delegado do MP lhe caísse em cima (passe a metáfora), qual não seria a reacção da turbamalta? Ainda bem que a poesia é coisa de duas centenas de pessoas, como já o era no tempo de Pessoa-Campos. Mas, mesmo assim, poder-se-á dar razão aos autores do manual em ter censurado estes 2 versos, não vá qualquer furor adolescente lê-los em sagrada família, com um membro a exigir digitalmente a pena de morte para o poeta, enquanto o outro defende a tortura do membro viril cortado em fatias (um aparte para dizer que nada disto é da minha imaginação, antes reproduzo dois comentários ouvidos num café depois da passagem de uma reportagem da TVI sobre pedofilia).

2, Este caricato episódio, poderia servir para a discussão do programa de literatura portuguesa nas escolas. Ainda há alguns meses, se discutia sobre a importância d’ Os Maias nos currículos e da necessidade da sua leitura integral. Assim como Os Maias, o programa de português inclui uma série de obras que sendo clássicos da literatura portuguesa, nada dizem aos estudantes do básico e secundário. A maior parte dos alunos limita-se a estudar os apontamentos das aulas ou a ler os resumos que – ainda creio existirem – da Europa-América, ou então a enveredar por um caminho mais perigoso: o da wikipédia. Quanto aos alunos que vivem na ilusão de  trabalhar para ter médias que lhes permitam o acesso a um curso que lhes vai garantir o futuro – como se isso existisse hoje –, talvez por obrigação tentem ler as obras do programa. Mas sejamos claros: nada disto serve a literatura. A Escola não tem uma poção mágica que faça os alunos ter prazer por ler. Pelo contrário, a escola é a primeira instituição repressora do sujeito. E nessa repressão está o gosto pela leitura – não só pela literatura, mas por toda a espécie de texto, da filosofia à divulgação de biologia ou física. Quando existe algum gosto pela leitura do texto literário em adolescentes, ele não se compadece com um cânone que vai do Cancioneiro, passando por Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo, e a obrigatoriedade de ler Eça (Os Maias substituídos por A Ilustre Casa de Ramirez) e Saramago (Memorial do Convento substituído por O Ano da Morte de Ricardo Reis). Todo este cânone é em si discutível, feito de textos mortos, no sentido que apresentam uma mentalidade que nada tem a ver com os nossos dias, ignorando os autores contemporâneos, e mesmo em alguns casos depreciando autores como Camilo Castelo Branco em favor de Eça de Queirós, algo a que não é indiferente o pobre centralismo lexical lisboeta. Mas ainda sobre este programa, deve-se dizer que ele é tão só História da Literatura, que ignora os grandes escritores e poetas que o século XX – e alguns já de inícios deste século – nos deu e dá. Se querem que adolescentes se interessem pela literatura, porque não começar por apresentar textos de Adília Lopes, Alberto Pimenta, ou mesmo Rui Manuel Amaral ou A. Dasilva O. de quem o “clássico” Peidinhos circulava há anos em fotocópias entre alunos? E aqui voltamos à censura, à hierárquica posição pedagógica, que mesmo entre os clássicos censura Bocage. Esta escola é demasiado estúpida, anquilosada, feita na generalidade de professores medíocres, ensinando que a alegria é um engano do corpo (o que até condiz com certa poesia que se faz, essa que tal como a escola, fecha as janelas a obras demasiado solares como as de Sophia ou Eugénio de Andrade). Resumindo a questão: ao impor um cânone que nada diz aos alunos do básico e secundário, a escola opta por liquidar qualquer interesse que os alunos pudessem ter pelo texto literário (com algumas e minoritárias excepções); em contrapartida, pode (a escola) imaginar que obriga os alunos a ter conhecimento de um cânone literário. Ou seja, opta-se por liquidar potenciais leitores, por liquidar o prazer da leitura (não estivesse ele já a ser liquidado por uma sociedade digital e iconográfica), em nome de uma memória do passado soterrada depois do último exame. Ou, como escreveu Joaquim Manuel Magalhães, “Que sentido houve para o que aprendeste? / Peidos com cheiro a rosa, foi o que foi.” (Os Dias, Pequenos Charcos; Presença, 1981).