sexta-feira, janeiro 03, 2020
terça-feira, dezembro 31, 2019
LIVROS EM 2019
1, Blade Runner, o filme culto de Ridley
Scott, adaptado do romance de Philip K. Dick “Do Androids Dream of Electric Sheep?”
(1968) (existe tradução para português na Relógio d’ Água), passa-se no ano,
agora findo, de 2019. Naturalmente, nada em concreto do que Philip K. Dick ou
Ridley Scott imaginaram para este ano se realizou. Mas embora não
tenhamos ainda carros que voam, ou Andróides que não se distinguem dos seres
humanos, esses cenários são cada vez mais equacionados. Basta ler o título da
entrevista que Yuval Noah Harari dá à edição de 28-12-19 do Diário de Notícias:
“Em breve, alguns governos e empresas poderão saber o que cada um de nós está a
pensar e a sentir”. É certo que a realidade ainda não é essa, e se os
smartphones se transformaram em mini-computadores que trazemos no bolso, onde a
informação aparenta ser gratuita, esse é um engano: porque, em troca, enviamos
informação sobre nós, que um dia poderá tornar a frase de Yuval N. Harari,
acima citada, verosímil. Temos hoje, nos nossos bolsos, um manancial de
informação cujo símile será a biblioteca sonhada por Jorge Luis Borges. Então,
a questão poderia colocar-se: para que servem os livros em papel? A verdade é
que, para além de pouco utilizarmos essa informação – preferindo a
conectividade virtual das redes sociais – também continuamos a preferir – ainda
– a materialidade do livro.
2, Vejamos então, para já de um modo genérico,
o ano editorial de 2019. Em nenhum campo – ensaio, ficção ou poesia – se deu o
aparecimento de uma revelação. O facto de Afonso Reis Cabral ser mais uma vez,
de forma requentada, apontado como um valor futuro da ficção portuguesa é
sintomático disso mesmo. Mesmo na edição, o que se assistiu, foi a uma
continuidade como é o caso d’ As Passagens de Paris de W. Benjamin, mais um
volume das obras do filósofo alemão que João Barrento tem vindo a traduzir para
a Assírio & Alvim, ou da obra de Agustina Bessa-Luís, que parece ter
encontrado bom porto na Relógio d’ Água. Os novos livros de Ana Margarida
Carvalho ou Alexandra Lucas Coelho, para já não falar em António Lobo Antunes,
ou numa perspectiva de literatura light, José Rodrigues dos Santos, reforçam
esta ideia. Também no ensaio em português, José Gil escreveu um livro,
Trajectos Filosóficos (Relógio d’ Água), que é, de certa forma, uma sequência
do volumoso ensaio publicado em 2018: Caos e Ritmo. Novidade editorial – mas nem
tanto, porque já tinha feito parte de uma colecção de livros em fac-símile distribuído
com o jornal Público – foi o aparecimento do grande romance brasileiro de
Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. O facto de só agora ter sido publicado
em Portugal, deve-se a constrangimentos relacionados com os direitos editorais,
e não a um divórcio – que terá existido – entre a literatura portuguesa e
brasileira. Se algo de novo existiu na edição portuguesa, para além do que se
observa na ponto 3, foi um proliferar de biografias, já não de políticos, mas
de figuras maiores da literatura portuguesa, recentemente falecidas. Foi assim
com a biografia, não autorizada pela família, que Isabel Rio Novo escreveu sobre
Agustina Bessa-Luís, mas também a biografia da jornalista Isabel Nery sobre
Sophia, ou de António Cândido Franco sobre Mário Cesariny. O género, que estava
desaparecido, apareceu em força e alguma polémica.
3, Um dos livros do ano, não teve
distribuição pelas livrarias. Refiro-me a “Portugal, Uma Perspectiva”, (que é
uma história de Portugal ao contrário, como uma personagem de Saramago em "O Homem Duplicado" imaginava que devia ser a História) dirigida por Rui Tavares, e distribuída
em 25 volumes, pelas bancas de jornais com o jornal Público (a certa altura
tornou-se impossível encontrar o livro nas bancas, tendo os leitores que fazer
o pedido directo à editora, a Tinta da China). Reunindo 50 historiadores, na
sua maior parte jovens investigadores quer portugueses, quer brasileiros, quer
oriundos dos PALOP, Rui Tavares criou uma História de Portugal descentrada,
crítica – e aqui talvez se note uma resposta à História de Portugal organizada
por Rui Ramos –, mas lacunar (os volumes organizavam-se por anos: 2019, 1998,
1974, 1961, até terminar em 500 a. C.). Certo é que esta retrospectiva, ou
perspectiva, de Portugal, em alguns dos seus volumes, vai fazer uma crítica do
esclavagismo português (não temendo cair no pecado historiográfico do
anacronismo), da inquisição, e tendo uma perspectiva de um Portugal global. Há,
de certa forma, uma ligação com a intencionalidade política da trilogia
romanesca de Alexandra Lucas Coelho, no que diz respeito à escravatura,
particularmente no Brasil. Note-se que esta perspectiva crítica sobre a
História de Portugal, tinha sido já inaugurada por Ana Barradas, no início da
década de 1990, com o livro “Os Ministros da Noite. Livro Negro da Expansão
Portuguesa” este ano, significativamente, reeditado pela Antígona.
4, No diz respeito à poesia, 2019 foi, antes
de mais o ano do centenário de dois dos grandes poetas do século XX: Jorge de
Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen. Há que dizer, que nas comemorações do
centenário do nascimento destes dois poetas – e no caso de Jorge de Sena, mais
que um poeta, o autor de um dos melhores romances portugueses do século XX, “Sinais
de Fogo”, para além de ensaísta, tradutor, antologiador, professor
universitário (Brasil e EUA) e pai de cerca de uma dezena de filhos – a história
repetiu-se, mais uma vez. Sophia é consensual (talvez demasiado) como as coisas
que as suas palavras iluminaram, com alguma sombra; Sena, continua a ser
polémico, como o próprio foi em vida. E com alguma razão. Basta ver que, embora
grandiosa, da obra de Jorge de Sena, quase nada se encontra nas livrarias, a
começar pela sua poesia (quase) completa.
5, Quanto à lista que abaixo se apresenta,
mais uma vez tentou ser exaustiva, mas mesmo assim sei que com lacunas. Um dos
problemas das pequenas editoras, está em utilizar apenas o facebook como forma
de comunicação. Ora, o facebook tem um grafismo monocórdico, que não serve uma
estratégia de marketing como um blog serve, ou melhor, uma página concebida de raiz para determinada editora. Por outro lado, mesmo utilizando o
facebook, há editores que se esquecem de promover os livros que editam, num
desrespeito pelos autores. Está neste caso a editora Glaciar, que este ano
publicou três poetas importantes: Yvete K. Centeno (discreta mas muito
interessante poeta que se tem dedicado ao estudo e tradução de autores de
língua alemã, como Paul Celan) que reuniu a sua poesia desde 1961 em “Entre Silêncios”; e um dos grandes romancistas portugueses – e também poeta – que enveredou pela
mesma estratégia: Mário Cláudio com “Doze Mapas”, a sua poesia completa desde
1969, e ainda Albano Martins, de quem esta editora publicou o livro póstumo “Os
Dados de Eros”. Não fosse uma nota no Expresso, de José Mário Silva, estes
livros ter-me-iam passado despercebidos, como certamente passaram despercebidos,
por exemplo, aos leitores da obra de Mário Cláudio. Esta situação já não
configura o que António Guerreiro, no Ipsilon de 20-12-19, chamava “culto da
clandestinidade auto-infligida ou do livro-fetiche que circula como um dom no
espaço de cumplicidade do autor”. Aqui trata-se de pura negligência editorial.
Quanto aos mais de 130 livros de poesia que
fazem parte desta lista, há uma tendência, em alguns autores, para a reunião da
sua poesia completa: é assim com David Mourão-Ferreira, José Agostinho
Baptista, Fernando Guimarães, Paulo da Costa Domingos, Pedro Silveira,
Francisco José Viegas, Rui Caeiro, Fernando Assis Pacheco (com a sua Musa
Irregular aumentada), o vocalista dos Mão Morta Adolfo Luxúria Canibal, e mesmo
uma autora já deste século, com 3 livros publicados, como é o caso de Andreia C. Faria. Acrescente-se a
estes autores os já referidos Yvete K. Centeno e Mário Cláudio. Outros autores
optaram pelas antologias. No bom trabalho editorial destaque-se a Cotovia, que
publicou dois livros de Vergilio: “Geórgicas” e “Bucólica” em tradução de
Gabriel A. F. Silva. Ainda uma referência para Isabel de Sá, que depois de 20
anos sem publicar um livro inédito, regressa com “O Real Arrasa Tudo”; e
também, para um autor que, merecia maior destaque: Levi Condinho. E ainda há a
antologia de João Miguel Fernandes Jorge organizada por Joaquim Manuel
Magalhães ou a tradução de “A Beleza do Marido” de Anne Carson, na (não) edições.
POESIA
100 CABEÇAS
Fernando
Guerreiro – Ventos borrascosos
ABYSMO
Rita Taborda
Duarte – As Orelhas de Karenin
Luís de
Camões - Ku Ki Vos | Com Que Voz (tradução de 65 sonetos para o caboverdeano
por José Luiz Tavares)
José Luiz
Tavares - Arder a Vida Inteira
Carlos
Morais José – Anastasis
Georg Trakl
– Poemas (trad. e pref. António Castro Caeiro)
Levi
Condinho - Pequeno Roteiro Cego
João Rios - Reter
o amor no gancho do talho
Manuel
Rodrigues – Anastática para Alberto Pimenta
José Anjos -
Uma Fotografia Apontada à Cabeça
AFRONTAMENTO
Fernando
Guimarães – Lugar da Palavra (Poesia Reunida, 1956-2019)
Maria
Albertina Mitelo – Lugar das Rosas
Margara
Russotto - As Quatro Estações da Poesia - Seleção poética 1986-2016 (trad.
Susana Antunes)
ASSÍRIO
& ALVIM
José
Agostinho Baptista – Epílogo (Poesia Reunida)
David
Mourão-Ferreira – Obra Poética
Daniel Faria
– O Livro do Joaquim
Ana Luísa
Amaral – Ágora
Mário Rui de
Oliveira – O Livro da Consolação
Gançalo
Fernandes – Giz Preto
Kobayashi
Issa – Os Animais (haikus)
Fernando
Pessoa - Antinous e outros poemas em inglês
Peter Handke
– Poema à Duração (reed.)
Juan Vicente
Piqueras – Instruções para atravessar o deserto (trad. de João Duarte Rodrigues
e Manuel Alberto Valente)
Sophia de
Mello Breyner Andersen - Musa - O Búzio de Cós e Outros Poemas
__ - Livro
Sexto
AVERNO
Emanuel
Jorge Botelho - Dizeres de atalaia, 2
Emanuel
Jorge Botelho - Dizeres de Atalaia 1
Antonia
Pozzi - Morte de uma Estação (sel. trad. de Inês Dias, reed. revista e
aumentada)
Jorge Roque
- Senhor Porco / Sua Excelência
Abel Neves -
Escuro Celeste dos Olhos
Luca Argel -
Fui ao Inferno e Lembrei-me de Ti
António
Barahona - A Fina Flora do Crepúsculo
Nunes da
Rocha - As Moscas de Sileno - Zig et Zig et Zag
BESTIÁRIO
Rui Baião -
Balabela
COMPANHIA
DAS ILHAS
Paulo da
Costa Domingos – Carmes [Reunião da Obra Poética]
Ramiro S.
Osório - “aos que chegaram depois” / a vida e o seu duplo
Pedro
Silveira – Fui ao mar buscar laranjas [obra reunida]
Urbano
Bettencourt - Com navalhas e navios
Catarina
Costa - Essas alegrias violentas
Helder Moura
Pereira - O pássaro canta o seu canto simples
José Ricardo
Nunes – Clássico
Madalena de
Castro Campos - A Gun in the Garland
José Manuel
Teixeira da Silva (org.) - A garganta inflamada (antologia)
COTOVIA
Vergilio – Geórgicas
(trad. Gabriel A. F. Silva)
Vergilio – Bucólicas
(trad. Gabriel A. F. Silva)
DEBOUT SUR
L'OEUf
Jorge Aguiar
Oliveira – Parasitas mortais
José Carlos
Soares – Sottovoce
Dímiter
Ánguelov – Zeitnot
DO LADO
ESQUERDO
Mafalda
Sofia Gomes – Espigueiro
Hugo
Carvalheira Neves – Certa Parentela
Karmelo C.
Iribarren – Estas coisas acontecem sempre de repente (trad. de Francisco José
Craveiro de Carvalho)
Maria Sousa
– Não abras a porta a estranhos
André
Tecedeiro – A Arte da fuga
Adolfo
Luxúria Canibal – No fim era o frio e outros textos de amor e solidão
DOUDA
CORRERIA
Candeias
Nunes - Não sou daqui: eu vim num dorso de vaga
Rui Nuno Vaz
Tomé – Só a castidade é natural
Miguel
Castro Caldas – Enseada
Tó Carlos –
Benfica
Nuno Moura –
Terceira
Maria
Daniela – O saque a desordem os planetas
Nick
Virgilio - A sombra de uma borboleta
Júlia Barata
– 2 histórias de amor
João Paulo
Esteves da Silva – O coração do Adão
Leonardo
Fróes – Assim
Marília
Floôr Kosby – Mugido
Raphael
Sassaki – A destruição do mundo
Gabre Valle
– Cinoverbo
António
Ferra – Bluff
Ana Martins
Marques/ Antologia - Linha de Rebentação
Marta Caldas
– Assembleia
Lígia Soares
– Civilização
Almas
Delirantes – do Telhal a Rilhafoles
Mário Gomes
– Conjunto de 3
Nuno Moura –
Braçada
Gonçalo
Perestrelo – Crepitam as palmeiras
João
Silveira – Motores gerais
Saguenail (escreveu)
e João Alves (ilustrou) – A morte lenta
EDIÇÃO DO
AUTOR
Marcos Foz –
Arca e Usura
EDIÇÕES DO
SAGUÃO
Alberto
Pimenta – Zombo
Hans Magnus Enzensberger
– 66 Poemas (escolha e trad. de Alberto Pimenta)
IMPRENSA
NACIONAL/ CASA DA MOEDA
José Luiz
Tavares – Instruções para uso posterior ao naufrágio
Francisco
José Viegas – Deixar um verso a meio
Guido
Cavalcanti – Rimas (trad. de A. Ferreira da Silva)
Michelangelo
Buonarroti – Rimas (trad. de João Ferrão)
GLACIAR
Yvete K.
Centeno – Entre silêncios [1961-2018]
Mário
Cláudio – Doze mapas [1969-2019]
Albano
Martins - Os Dados de Eros
AA VV - Manu
Scripta. Antologia de poemas manuscritos
Alberto
Pereira – Viagem à demência dos pássaros
Raquel
Chalfi – Caravela Portuguesa (trad. de Lúcia Liba Mucznik)
GUERRA E PAZ
AA VV - Antologia de poesia romena contemporânea
Victor Correia (org.) - Poemas eróticos dos cancioneiros mediavais galago-portugueses
Thimothy Hagelstein - Águas silenciosas
GUERRA E PAZ
AA VV - Antologia de poesia romena contemporânea
Victor Correia (org.) - Poemas eróticos dos cancioneiros mediavais galago-portugueses
Thimothy Hagelstein - Águas silenciosas
LICORNE
Frei
Agostinho da Cruz – Antologia poética (org. e pref. de Ruy Ventura)
Miguel
Esteves Pinto – Supipostolare Encyclopaedia
LÍNGUA MORTA
Claudio
Rodríguez – Sem epitáfio (trad. de Miguel Filipe Mochila)
João Almeida
– Canto Skin (reunião da obra poética)
Amândio Reis
– Spinalonga
Catarina
Nunes de Almeida – Livro redondo
Ricardo
Norte – Sara
Luís Filipe
Parrado – Entre a carne e o osso
Ivone Mendes
da Silva – A mulher do meio
Jorge de
Sena – Estão podres as palavras (uma antologia organizada por Teresa Carvalho e
José Manuel de Vasconcelos)
Nicanor
Parra – Acho que vou morrer de poesia (antologia, org. e trad. de Miguel Filipe
Mochila
António
Gregório – Documentário
(NÃO
EDIÇÕES)
Anne Carson - A beleza do marido (trad. de Tatiana
Faia)
José António
Almeida - A angústia da azeitona antes de se transformar em luz
Ricardo
Marques – Lucidez
José Pedro
Moreira - Porque canta um pequeno coração
MALDOROR
Rui Caeiro -
O Sangue a Ranger nas Curvas Apertadas do Coração. Obra reunida
António
Cabrita (org. e trad.) - As Causas Perdidas: antologia de poesia
hispano-americana
Rubaiyat - Odes
à Embriaguez Divina (versões e prefácio de Zetho Cunha Gonçalves)
MEDULA
Henrique
Manuel Bento Fialho – Estalagem
NOVA MYMOSA
António
Cabrita - A Gazeta de Madagáscar e Mais Doze Despedidas
PORTO
EDITORA
Isabel de Sá
– O real arrasa tudo
Andreia C.
Faria – Alegria para o fim do mundo [poesia reunida]
Adolfo
Luxúria Canibal – No rasto dos duendes eléctricos [poesia reunida]
João
Habitualmente – Um dia tudo isto será meu [Antologia]
Fernando
Lemos – Poesia
Emanuel
Madalena – Sob a forma do silêncio
Luís Costa –
Amar o tempo das grandes maldições
PUBLICAÇÕES
DOM QUIXOTE
Fernando
Pinto do Amaral – O Terceiro Vértice
Maria Teresa
Horta – Eu sou a minha poesia
António
Carlos Cortez – Jaguar
Nuno Júdice
– O coro da desordem
Manuel
Alegre – Os sonetos
Amanda
Lovelace – Aqui a princesa salva-se sozinha
Pablo Neruda
– Poemas de Amor (trad. de Nuno Júdice)
Lídia Jorge - O livro das tréguas
Lídia Jorge - O livro das tréguas
RELÓGIO D’
ÁGUA
João Miguel Fernandes Jorge - À beira do mar de Junho
João Miguel Fernandes Jorge - À beira do mar de Junho
João Miguel
Fernandes Jorge – Antologia dos poemas [org. Joaquim Manuel Magalhães]
Leonard
Cohen – Poemas e canções (2 vol., trad. de Inês Dias)
William
Shakespeare – Os Sonetos (trad. de António Simões e M. Gomes da Torre)
TINTA DA
CHINA
Fernando
Assis Pacheco – A musa irregular (edição aumentada)
A M Pires
Cabral – Frentes de fogo
Eucanaá
Ferraz – Retratos com erro
Marília
Garcia – Câmera lenta
VOLTA D’ MAR
Jaime Rocha
– Mulher e um cão que dança
Rui Almeida
– Higiene
ENSAIO,
FICÇÃO, POESIA & OUTROS – UMA SELECÇÃO
Francisco
Duarte Mangas – Pavese no Café Ceuta (Teodolito)
Joana Matos
Frias - O Murmúrio das Imagens (2 vol., Afrontamento)
Federico
Bertolazzi – Armadilha. Ensaios sobre Sophia de Mello Breyner Andersen
(Documenta)
Gonçalo M.
Tavares - Breves Notas sobre o Medo (Relógio d’ Água)
Gonçalo M.
Tavares - Bucareste-Budapeste: Budapeste-Bucareste (Relógio d’ Água)
Manuel de
Lima – Obra Reunida (Ponto de Fuga)
Harry Crews
- O Cantor de Gospel (Maldoror; trad. de José Miguel Silva)
Hannah
Arendt – Pensar sem Corrimão (Relógio d’ Água)
Eduardo
Galeano - Futebol ao Sol e à Sombra (Antígona)
Nick Bostrom
- Superinteligência — Caminhos, Perigos, Estratégias (Relógio d’ Água)
Carlos
Amaral Dias e Maria Moreira dos Santos – Vida e psicodrama (Clemepsi)
Rui Tavares
(direcção de)/ AA VV – Portugal, uma perspectiva (Público / tinta da china, 25
vol.)
Fréderic
Gros – Desobedecer (Antígona)
José Gil –
Trajectos filosóficos (Relógio d’ Água)
Eduardo
Prado Coelho - Crónicas - Política e Cultura (IN-CM, org. Margarida Lages)
Walter
Benjamin – As Passagens de Paris (Assírio & Alvim)
João Guimarães
Rosa – Grande Sertão: Veredas (Companhia das Letras)
Rui Manuel
Amaral – Cadernos de Bernfried Jarvi (Snob)
Mário Rui de
Oliveira - O Livro da Consolação (Assírio & Alvim)
José
Agostinho Baptista – Epílogo (Poesia Reunida) (Assírio & Alvim)
David
Mourão-Ferreira – Obra Poética (Assírio & Alvim)
João Miguel
Fernandes Jorge – Antologia dos poemas [org. Joaquim Manuel Magalhães] (Relógio
d’ Água)
Paulo da
Costa Domingos – Carmes [Reunião da Obra Poética] (Companhia das Ilhas)
Levi
Condinho - Pequeno Roteiro Cego (Abysmo)
Yvete K.
Centeno – Entre silêncios [1961-2018] (Glaciar)
Isabel de Sá
– O real arrasa tudo
sábado, novembro 30, 2019
João Miguel Fernandes Jorge
Ia pela ponte de Waterloo
passou um milénio sobre o teatro
tudo era luz.
Parámos na fábrica dos azulejos os fumos
cobrem as ruas vêm dos esgotos movem-se
«e também há alguns autênticos
verdadeiros americanos, são russos.»
Uma rapariga tem sempre a sua música
leva o dinheiro apertado num saco bordado
o retrato da amada na outra mão.
Podia muito bem ter pintado o rei nesse outono
não havia heróis nem escudos
os temas estavam tão batidos aproveita-se o
contrabaixo um negro igual a todos vai
pelas ruas sem nenhum proveito
já nem sequer ouvia a voz dos dedos.
Acabei de ler algumas frases
do meu caderno. O Auden do trompete
assobiava. Tinha um sweater de lã
muita tosse. Um olhar de alegria seguia de
novo o novo tema.
quinta-feira, outubro 31, 2019
PARLAMENTO DE SAIOTE
Resultante das eleições
legislativas do passado dia 6 de Outubro, entraram para o novo parlamento mais
3 partidos, cada um com um representante: o Chega de André Ventura, de
extrema-direita, defendendo posições que nem o Estado Novo adoptou, como a
prisão perpétua, entrou em parte porque Ventura foi “apoiado” pelo Correio da
Manhã e pela CMTV (todo um mundo alternativo recheado de populismo fascista); o
Iniciativa Liberal, representado por Cotrim Figueiredo, cujo nome, apesar de
ter ideias novas, diz dos seus propósitos; e o Livre, partido liderado pelo
historiador e comentador político Rui Tavares (que já foi eurodeputado pelo BE),
que conseguiu colocar no parlamento a cabeça de lista por Lisboa, Joacine
Katar-Moreira.
No que respeita aos resultados
destas eleições para uma nova legislatura, a vitória do PS, sem maioria
absoluta, em nada surpreendeu. A governação do PS com o apoio de CDU e BE, reflectiu
um inflexão no discurso de empobrecimento que o governo de Passos Coelho
imprimiu ao país com a ajuda e o argumento da Troika. A grande derrota da
direita, com o quase desaparecimento do CDS-PP (partido rebaixado a 5 deputados)
e mau resultado do PSD (que só não foi pior porque Rio Rio fez uma deriva para
o centro-esquerda, tentando aproximar o partido do PS) deve-se à natural
resposta governativa de António Costa, de que afinal existia uma alternativa e
os portugueses não estavam condenados ao discurso enunciado por Passos e o seu
governo. Costa, agora homem-do-leme pôs dinheiro a circular na economia (a
ponto de dados divulgados hoje referirem que os portugueses nunca pouparam tão
pouco como desde 1961). No entanto, e para lá das catástrofes climáticas que
originaram a maior mortandade em incêndios em Portugal, cerca de 100 pessoas em
2017, Centeno, como ministro das finanças, e depois presidente do Euro-grupo,
foi o outro lado da moeda de uma austeridade encapotada que recaiu sobre os
serviços públicos, e que ameaça fazer colapsar o Estado providência tão
apregoado pela esquerda maioritária neste parlamento. Assim, sem geringonça, e
ainda o PSD dependente de eleições internas, não se adivinha fácil a
legislatura de António Costa.
A verdade, apesar de enfatizada
pelos média, é que também Portugal foi atingido pela mudança no cenário
partidário, que atingiu já há muito países europeus como a Espanha, a Itália, a
França, etc. Pela primeira vez depois do 25 de Abril, o parlamento português
tem 10 partidos (contando com o deputado do PEV, que foi eleito nas listas da
CDU). Estas mudanças, que têm tornado a Espanha ingovernável, e fazer crescer a
ameaça populista da extrema-direita, são manifestações de descontentamento dos
eleitores para com os seus representantes que continuam encapsulados nos seus
interesses, nos interesses de grandes organizações financeiras, e nos
interesses dos seus partidos, e não – como devia ser – nos interesses das
pessoas. Isto explica a elevada abstenção, e o voto em novos partidos, como o
PAN que conseguiu um pequeno grupo parlamentar, ou mesmo, à espera de um melhor
resultado em próximas eleições, os partidos que conseguiram colocar um deputado
no parlamento.
Entre os 3 partidos que estão
na situação referida, Chega, Iniciativa Liberal e Livre, o primeiro representa,
como o Voxx em Espanha, e muitos partidos semelhantes, de que um dos casos mais
graves é o AfD alemão, uma ameaça para a democracia. Quanto ao IL, representa
apenas uma ameaça para o CDS e para o PSD. Vou focar-me, ainda que brevemente,
no caso do Livre. Se há quatro anos Rui Tavares conseguiu juntar ao seu partido
figuras vindas do BE como Ana Drago e Daniel Oliveira, tendo nas fileiras do
partido uma figura importante da democracia e da historiografia portuguesas,
como é o caso do falecido José Tengarrinha, de nada lhe valeram essas figuras
que pareciam estruturar um novo partido na esquerda portuguesa entre o PS e o
Bloco. As eleições internas para estas legislativas mudaram o rumo do partido.
Com Joacine Katar-Moreira assiste-se a uma forma de fazer política baseada na
provocação, que atira o partido para uma radicalidade que não era a sua
original. Anda esta provocação de Katar-Moreira, entre uma discernível base teórica
que repousa entre Foucault e Lacan, mas acaba por seguir a moda da estação:
Judith Butler numa versão misturada com a teoria pós-colonialista. São
conhecidas as formas de provocação de Katar-Moreira: a gaguez com a qual ela
afirma se dar bem causa consternação nos ouvintes e um discurso pobre, em que
se adivinha a palavra que vem a seguir. Lacan chamaria a isto gozo (juissance).
A outra provocação foi feita pelo assessor de Joacine, que na abertura desta
legislação acompanhou a deputada do Livre vestido com uma saia. Uma minoria
tem, em democracia, direitos, mas esses direitos não se podem impor ao respeito
pelas maiorias. Quando isso aconteceu, nos países em que isso aconteceu,
estivemos perante a barbárie. Em Portugal 2019, país de brandos costumes, estamos
apenas perante um equívoco entre a Moda Lisboa e a Assembleia da República.
segunda-feira, setembro 30, 2019
BREVIÁRIO SOBRE OS PARTIDOS CONCORRENTES ÀS LEGISLATIVAS
Até que ponto estas eleições legislativas do
próximo dia 6 de Outubro são decisivas? O que vai mudar na vida dos portugueses?
A resposta, tendo em conta que o vencedor antecipado é o PS, será muito pouco.
António Costa ao criar a geringonça abriu um espaço de entendimentos
parlamentares único na democracia portuguesa. Daí que com excepção do CDS, e de
um eventual novo líder do PSD, mesmo sem maioria absoluta o PS tenha toda a
margem de manobra para criar uma solução governativa. Ou seja, para criar uma
nova geringonça.
Mas calma. Ainda vamos na campanha. E na campanha
eleitoral, naturalmente mediática, não há 21 partidos a concorrer mas apenas os
6 com representação parlamentar. É claro que há problemas de logística para
acompanhar em igualdade os 21 partidos, mas já agora que critérios editoriais
fazem com que apenas os 6 partidos que têm representação parlamentar sejam
acompanhados pelos meios de comunicação social? E que o PAN, com apenas um
deputado, tenha o mesmo tratamento que o BE ou o CDS, partidos com grupos
parlamentares. Sem dúvida que o PAN vai aos ombros dos jornalistas.
Dito isto, que é uma evidência difícil,
vejamos os partidos e se existem razões para votar em algum deles.
PS – António Costa mostrar-se como a noiva
com quem todos querem casar (mesmo Rui Rio). Durante estes 4 anos distribuiu
dinheiro, mudando bastante o país. Mas não foi suficiente: os serviços públicos
continuaram sem dinheiro. De uma forma grave. Centeno apostou numa austeridade
encapotada, e em devolver ao FMI o dinheiro emprestado. Deste governo só se
pode dizer que foi bom porque veio depois do pior governo depois do 25 de
Abril.
PSD – Depois desse terrorista que foi Passos
Coelho, os portugueses perceberam que tipo de partido é o PSD. Não totalmente.
Rio tentou virar à esquerda, não é suficiente. É o seu lugar como líder do
partido que se joga nestas eleições.
Bloco de Esquerda – O apoio ao PS, à
geringonça, fê-lo engolir muitos sapos e deixar de lado a luta por causas
justas. Ainda tem uma visão demasiado estatizante da sociedade.
PCP (CDU) – Creio que nem Soares nem Cunhal
concordariam com a solução da geringonça. É um partido estalinista, com quase
um século, anquilosado, que ainda apoia regimes como o da Coreia do Norte.
CDS-PP – Dos seis partidos parlamentares é o
único que não quer casar com António Costa. Tem uma ideia filosófica de
liberdade. Mas a justiça social, onde fica? Para as grandes empresas.
PAN – Da libertação animal de Peter Singer
(bio-eticista a favor do aborto, do infanticídio, do “homicídio” de pessoas com
doenças neurológicas que lhes façam perder a “consciência”) a um partido que se
diz agora ecologista. Se os animais votassem ...
Livre – Tem um programa utópico e a primeira
candidata gaga a querer entrar no Parlamento.
Aliança – Ou seja, Pedro Santana Lopes.
PDR – Já podia ter entrado no Parlamento, mas
Marinho Pinto prefere os programas da manhã da TVI.
PTP – Tem algumas boas ideias. Mas como se
pode subir o salário mínimo para 1000 euros?
PNR – Puro fascismo.
Iniciativa Liberal – Já chegou o
neoliberalismo de PSD/CDS.
Nós, Cidadãos – Ainda não se explicou.
MAS – Esquerda quase caceteira.
RIR – Ou seja, Tino de Rãs, um mau Da Vinci
dos mass-média.
Chega – Um perigo para a democracia. Puro e
do pior populismo, a reboque do Correio da Manhã.
JPP – Um partido da Madeira.
MPT – Tem um bom tempo de antena. No resto,
está invisível.
PURP -
A idade não é um posto.
PCTP/MRPP -
A nova líder do partido vai fazer uma revolução. Mas em casa dela.
PPM – Um partido sem rei.
sábado, agosto 31, 2019
Mário Henrique Leiria
GIN SEM TÓNICA
Uma garrafa de gin
estava a preocupar
o pescador
a garoupa e o rodovalho
não tinham aparecido
pró jantar
que fazer?
telefonou ao ministro
da Pesca e do Trabalho
mas o ministro
estava a trabalhar
na cama
com a mulher
foi então
que a garrafa de gin
sugeriu discretamente
porque não
telefonar ao presidente?
telefonaram
o presidente da nação
estava em acção
na cama
com a mulher
nessa altura
até que enfim
encontraram a solução
o pescador
foi para a cama
com a garrafa de gin
De Contos do Gin-tonic, Estampa, 2ª ed., 1976.
quarta-feira, julho 31, 2019
Lídia Jorge
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CAI A CHUVA NO PORTAL
Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa cortina
Não a corras, não a rasgues, está caindo
Fina chuva no portal da nossa vida.
Gotas caem separando-nos do mundo
Para vivermos em paz a nossa vida.
.
Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa toalha
Ela nos cobre, não a rasgues, está caindo
Chuva fina no portal da nossa casa.
Por um dia todos longe e nós dormindo
Lídia Jorge é desde O Dia dos Prodígios (1980) autora de mais de uma dezena de romances, e alguns livros de contos, volumes, onde tem ficcionado a realidade histórica portuguesa do pós 25 de Abril. A autora, nascida em Boliqueime em 1946, estreou-se na poesia, recentemente, com Livro das Tréguas (D. Quixote).
.
domingo, junho 30, 2019
REUTILIZAÇÃO DA ESTUPIDEZ
A ideia do PS, plasmada no OE para 2019, de
reutilização dos manuais escolares é uma ideia estúpida e sintomática de uma
concepção de escola como um processo burocrático, ou um depósito de crianças e
adolescentes. Diferente da ideia do PS era o projecto apresentado pelo PCP, que
previa a dádiva pelo Estado aos alunos dos manuais sem que estes tivessem de
ser entregues no final do ano lectivo. Mas isso seria um desperdício que Mário Centeno
não poderia permitir.
Sobre os manuais escolares, deve dizer-se que
foram sempre uma forma de aproveitamento económico por parte das editoras que
os publicam – como é o caso da Porto Editora, que sendo a maior editora,
durante anos, a editar manuais escolares, se tornou, agora, no maior grupo
editorial e livreiro do país. Esse aproveitamento consiste no uso de papéis
caros, no uso abundante da cor, o que encarece o manual, e faz com que os
livros escolares pesem mais que os outros livros, tendo as crianças e
adolescentes que transportar um peso significativo nas mochilas. Ou seja, os
manuais escolares apresentam-se como livros de arte, ou enciclopédias
ilustradas. Daqui resulta que as primeiras experiências, na generalidade, com o
livro, por parte das crianças, não são boas. Não só pela questão do peso, mas
sobretudo porque os livros apresentam um saber, incipiente, muitas vezes
marcado ideologicamente, que vai ser objecto de um exame, sob cuja performance
é atribuída uma nota ao aluno. É assim que toda a possibilidade de pulsão
epistemofílica, de interesse pelo saber, é castrada pela escola.
Ora, o deficiente saber, o saber deturpado,
mas ainda uma narrativa de um saber, uma possibilidade do reaparecimento da
pulsão epistemofílica – mesmo por outros membros da família – fica amputado
quando os manuais escolares são devolvidos para reutilização. Porque em muitas
casas portuguesas os únicos livros que existem são, por obrigação, os manuais
escolares. Se tivermos em conta os dados recentemente divulgados, que dizem que
os filhos das famílias mais pobres vão para os cursos com menos prestígio (os
dos politécnicos), temos a evidência prática da política dos manuais reutilizáveis.
sexta-feira, maio 31, 2019
ABSTENÇÃO
O semanário
Expresso da passada sexta-feira, 24, trazia como manchete uma sondagem que
indicava que 69 por cento dos portugueses não eram capazes de nomear nenhum
candidato às eleições Europeias do passado Domingo. Ora, foi sensivelmente este
o número da abstenção destas eleições, um número que se tomarmos por correcto
constitui o recorde da abstenção em eleições desde o 25 de Abril (Luís
Aguiar-Conraria, no Público de dia 29, serve-se de um outro argumento, os
portugueses que residem no estrangeiro, e cuja taxa de abstenção “perfeitamente
normal” foi de 99 por cento, para fazer umas estranhas contas que colocariam a
abstenção na ordem dos 60 por cento).
Da citada manchete do Expresso infere-se um provável nexo de
causalidade: os portugueses que não sabiam quem eram os candidatos não foram
votar. É justo. Porque, embora o voto seja universal para todos os cidadãos
maiores de 18 anos, não faz sentido que alguém que não tem nenhuma noção dos
programas dos partidos, ou sequer não sabe o que é o Parlamento Europeu, ou que
as eleições Europeias foram para o Parlamento Europeu, vá exercer o seu “direito”/”dever
de voto”. E aqui estamos perante um assunto que é urgente ser discutido: literacia política. Levantar a questão
de uma literacia política é levantar a questão de como as instituições se
apresentam no espaço público (e aqui, a UE tem defendido a sua opacidade e
complexidade burocratizante, enquanto os parlamentos nacionais se tornam mais
transparentes com os seus canais televisivos – veja-se a título de exemplo a
audição a Joe Berardo); é, também, questionar como os partidos fazem campanha e
se apresentam aos seus potenciais eleitores; ou ainda – e este item reveste-se
de particular importância – como os meios de comunicação social abordam nos
seus espaços informativos as questões políticas e institucionais; e, não menos
importante, como a escola explica o funcionamento das instituições.
Após o 25 de Abril, e depois com a estabilização democrática, a
democracia representativa tornou-se universal. Na primeira República apenas os
homens alfabetizados e os chefes de família podiam votar (curiosamente uma
mulher, Carolina Beatriz Ângelo, médica e viúva, invocando a sua condição de
chefe de família, conseguiu votar, tornando-se num caso absolutamente
excepcional até às eleições de 25 de Abril de 1975 para a Assembleia
Constituinte, onde as mulheres puderam votar pela primeira vez). Hoje, nas
democracias representativas ocidentais a taxa de abstenção ronda os 50 por
cento – foi também esta a taxa de abstenção média destas eleições tendo em
conta o conjunto dos (ainda) 28 estados membros da UE.
Mas, em Portugal, a abstenção para as eleições Europeias, desde a
década de 90 do século passado, apresenta números superiores aos 60 por cento,
sendo as eleições com maior taxa de abstenção. Porque razão isto ocorre? Uma
das possíveis explicações, alinhadas com outros países chamados eurocépticos,
como é o caso da Grã-Bretanha que tenta sair da União Europeia, é a que os não
votantes nas eleições Europeias em Portugal o fazem pelas mesmas razões que os
ingleses quiseram, em referendo, o Brexit. Não me parece que seja essa a razão.
A razão para o não voto dos portugueses, em particular nestas últimas
Europeias, creio que se prende com a opacidade institucional da UE. Esta falta
de transparência da UE só pode ser mudada por dentro, e o bom resultado que os
partidos de tendência ecologista obtiveram, embora ainda insuficiente, pode
servir para diminuir o peso que os partidos do centro, burocratizantes, têm no
Parlamento Europeu. Mas há razões específicas para a existência desta maioria
silenciosa: 1, a desconfiança em relação à UE terá aumentado depois da
intervenção da troika em Portugal, que era constituída pelo BCE e pela Comissão
Europeia; 2, um divórcio em relação à política portuguesa que foi caracterizada
nos últimos tempos por uma austeridade encapotada, com cortes promovidos pelo
ministro das finanças, Mário Centeno, que é ao mesmo tempo o presidente do
Eurogrupo. Esse divórcio acentuou-se com o descaramento da banca e dos grandes
devedores de que a audição a Joe Berardo no Parlamento foi paradigmática: como
se pode compreender que o Estado tenha emprestado milhares de milhões de euros
(cerca de 20 milhares de milhão) á banca para esta emprestar a estes
multimilionários sem nenhumas garantias, em operações obscuras. E como se pode
perceber que a mesma banca seja tão implacável para com aqueles que em
dificuldades, vítimas da crise, desempregados, perderam a casa sob a qual
tinham contraído empréstimo bancário? Daqui resulta, como estamos a assistir,
um braço de ferro entre a banca (cujo Banco de Portugal supremamente
representa) e o parlamento. Porque os políticos portugueses sabem que esta
situação se tornou intolerável, e terá repercussões nas legislativas de Outubro
próximo. Se, como escrevia o poeta e jornalista Eduardo Guerra Carneiro, “isto
anda tudo ligado”, não podemos descartar a influência da audição parlamentar a
Joe Berardo nos resultados das eleições Europeias.
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