Poeta na Praça da Alegria:
Não sou feliz. Não, não me quero matar.
Tenho até uma certa simpatia por esta vida
passada nos autocarros,
para cima e para baixo.
Gosto das minhas férias
em frente da televisão.
Adoro essas mulheres com ar banal
que entram em directo no canal.
Gosto desses homens com bigodes e pulseiras grossas.
Acredito nos milagres de Fátima
e no bacalhau com broa.
Gosto dessa gente toda.
Quero ser um deles.
Não, não guardo nenhum sentido escondido.
Estas palavras, aliás, podem ser encontradas
em todos os números da revista Caras.
A ordem às vezes muda.
Não quero que me façam nenhuma análise do poema.
Não, não escrevam teses, por favor.
Isto é apenas um croché
esquecido em cima do refrigerador.
Obrigado por terem vindo cá para me beijarem o anel.
Obrigado por procurarem a eternidade da raça.
Mas a poesia, mes chers, não salva, não brilha, só caça.
Golgona Anghel, Vim Porque me Pagavam, Mariposa Azual, 2011, pp. 25-26.
Golgona Anghel nasceu na Ilíria Oriental (Roménia). Vive há alguns anos em Portugal onde se licenciou em Línguas e Literaturas Modernas (FLUL, 2003). É autora de uma biografia sobre Al Berto: Eis-me Acordado Muito Tempo Depois de Mim (Quasi Edições, 2006) e dos livros de poemas Crematório Sentimental (Quasi, 2007) e Vim Porque me Pagavam (Mariposa Azual, 2011). Tem colaboração poética em várias revistas entre as quais Criatura. É com o livro de poemas publicado o ano passado, de que aqui se publica um poema, que Golgona Anghel desperta a atenção da crítica. A sua poesia não teme o risco de misturar alta com baixa cultura, numa voz desenvolta, atenta ao quotidiano e consciente da despoetização do mundo, mas nem por isso enveredando por uma tonalidade melancólica ou niilista.
Sem comentários:
Enviar um comentário