Há uns anos a escritora de
literatura light Margarida Rebelo Pinto deu como título a um dos seus romances “Não
há coincidências”. Na detenção e consequente prisão preventiva de José Sócrates
podemos nos interrogar se há ou não coincidências. Porquê prender o
ex-primeiro-ministro e líder do PS durante cerca de seis anos, quando o PS
estava a eleger um novo líder? E quando a nova liderança do PS estava a
reabilitar José Sócrates? E porquê prender Sócrates quando, a menos de um ano
das eleições, ninguém pode esconder que já começou a campanha eleitoral para as
mesmas?
Todas estas questões parecem ter
uma resposta incerta, mas entram dentro de uma teoria da conspiração que nos
atira para o pior cenário político que a democracia portuguesa viveu. Porque
embora qualquer cidadão possa ser alvo do juiz justiceiro Carlos Alexandre, e José
Sócrates por ter sido primeiro-ministro não possa estar acima ou abaixo de
qualquer outro cidadão, o timing e a forma como esta prisão foi feita aponta
para uma preocupante judicialização da política. De repente, desde o processo Casa
Pia, a chamada justiça portuguesa tornou-se mediática – lembram-se daquele
primeiro juiz do processo Casa Pia? Ora a justiça portuguesa vive numa promiscuidade:
no mesmo edifício trabalham juízes e magistrados do Ministério Público. Essa
promiscuidade, aliada a uma má formação desses elementos – notoriamente em
questões de direitos humanos – leva a um desrespeito total pela presunção de
inocência dos arguidos. Por isso se aplica tantas vezes a prisão preventiva.
Mas o caso José Sócrates é
especial. Desde que foi convidado pela anterior direcção de informação da RTP
para comentador, Sócrates assumiu a sua defesa, a sua “narrativa”, contra a
narrativa do actual governo de direita. Embora o ódio a Sócrates prevalece-se,
a sua mensagem ia passando todos os domingos. Uma mensagem incómoda para o
governo, contrastando com o comentário de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI. Uma
vez iniciada a campanha eleitoral, ou pré-campanha, com a eleição de António
Costa para a liderança do PS, a direita de Passos Coelho, Portas e Cavaco não
podia permitir que a mensagem de Sócrates continuasse a passar. Este governo
fez tudo para destruir o país, é bom que os portugueses tomem consciência que
no próximo ano fará tudo para impedir a esquerda de ganhar as eleições. Acabar
com o comentário de Sócrates na RTP era demasiado evidente nesta altura de que
se tratava de uma medida de ingerência do governo na televisão pública. Havia
que fazer algo mais eficaz. Para alguma coisa serve o SIS que depende
directamente de Passos Coelho. Arranjar forma de incriminar José Sócrates, e
entregar o caso ao juiz justiceiro Carlos Alexandre. E fazê-lo precisamente na
altura em que António Costa era eleito secretário-geral do PS e a uma semana do
congresso do PS. Não há coincidências. (É claro que esta é uma teoria da
conspiração, mas enquanto o processo permanecer indevidamente em segredo de
justiça, com fugas de informação ou mentiras propaladas pelo Correio da Manhã e
por Felícia Cabrita do Sol – lembram-se que foi ela quem despoletou o caso Casa
Pia? – esta narrativa é tão válida como a que tem vindo a ser publicada na
imprensa.)
Com Sócrates preso, numa operação
pidesca, o PS parte para as próximas eleições fragilizado. E a narrativa que
Sócrates vinha defendendo, a de que não foi ele o culpado do pedido de ajuda à troika – antes esta foi desejada pela
direita, e mesmo a esquerda ajudou na sua vinda ao chumbar o PEC 4 – vai por
água abaixo. Mais: António Costa torna-se um líder do PS fragilizado – ele que
pertenceu ao governo de Sócrates e outros elementos do PS que também estiveram
com Sócrates durante seis anos de governo. É quase todo um partido.
A prisão de Sócrates resulta de
um abuso da prisão preventiva – prender alguém preventivamente é declara-lo
culpado antes de ser julgado. Este método tem sido utilizado pela justiça
portuguesa tanto para o pilha galinhas, como para o traficante de droga, como
para o político ou empresário. Quase sempre que a moldura penal do crime
permite a utilização da prisão preventiva ela é utilizada. Ora isto não pode
continuar. É um grave atentado aos direitos humanos que se prenda alguém só
porque é suspeito.
Há na prisão de José Sócrates
algumas ironias. Foi Sócrates quem inaugurou o campus da justiça onde cinco
anos depois viria a ser interrogado; foi Sócrates que assinou alterações
legislativas que agora lhe são imputadas; Sócrates publicou um livro de
filosofia política, A Confiança no Mundo, resultante da sua tese de mestrado,
sobre a tortura. Ora tanto a forma como foi detido, como o regime de prisão
preventiva que lhe foi aplicado podem ser consideradas formas de tortura light.
Quanto ao futuro de Sócrates, como "animal político" ele não está completamente terminado. Mas perante este sistema judicial as suas hipóteses são
escassas.P. S. - Durante o dia de sábado, quando a PJ foi com grande aparato fazer buscas à casa de José Sócrates, viram-se populares e uma bandeira do PNR, o partido de extrema-direita que é um equivalente da Frente Nacional francesa.
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