DECLARAÇÃO
DE AMOR AO PRIMEIRO-MINISTRO
Estou
apaixonado pelo primeiro-ministro
por todos os
primeiros-ministros
e pelos
segundos
e pelos
terceiros
estou
apaixonado por todos os presidentes de Câmara
e de Junta
por todos os
benfeitores de obra feita
por todos os
que erguem e mandam erguer
estradas,
pontes, casas, estádios, fontanários, salões paroquiais
estou
apaixonado por todos aqueles que governam, que executam,
que decidem
sem pestanejar
por todos
aqueles que dão o cu pela causa pública
que se
sacrificam pelo bem comum sem nada pedir em troca.
Quero votar
entusiasticamente em todos eles
Afogá-los em
votos
Até que se
venham
em triunfo
Estou
apaixonado pelo primeiro-ministro
quero vê-lo
num bacanal
com todos os
ministros
e todos os
ministérios
a arfar de
prazer
a enrabar o
défice, o orçamento,
o IVA, a
inflação, a recessão
ágil e
empreendedor
como um
super-homem
Estou
apaixonado pelo primeiro-ministro
Quero vê-lo
num filme porno.
(de
Declaração de Amor ao Primeiro-Ministro, Objecto Cardíaco, 2006)
*
A ALMA AO
GOVERNO
Quero
entregar a minha alma ao governo
deixar-me
colectar em êxtase
amar-te
ordeiramente
como um
cidadão cumpridor
quero lançar
uma OPA
em directo
no telejornal
imolar-me no
mercado global
(de Queimai
o Dinheiro, Corpus, 2009)
FODA A TODA
A HORA
No “Piolho”
as estudantes cantam que querem foder a toda a hora. No meio de cânticos
estudantis banais as gajas gritam a coisa e incomodam os futeboleiros presos à
glória do FCP no ecrã. Gosto desse novo hedonismo regado em cerveja que
despreza a ditadura do pontapé na bola. É pena que as estudantes se fechem
nesses rituais e não abram as pernas aos poetas.
(de Um Poeta
no Piolho, Corpos, 2009)
Com cerca de
uma dezena de livros publicados, António Pedro Ribeiro aparece como um marginal
ao tom altissonante ainda prevalecente na poesia actual. António Pedro Ribeiro,
nascido em 1968, poeta já deste século, habitando a zona do grande Porto e os
seus cafés agora invadidos pela turbamalta turística, tem uma poesia desempoeirada,
libertária (pelo lado situacionista), imanente, biopolítica (fica sempre bem
este conceito), sarcástica, erotizada… retomando a tradição dos Cancioneiros
medievais. Em 2017 a editora Exclamação publicou uma antologia da sua poesia,
desaparecida em pequeníssimas editoras – Dez Pés Abaixo do Mundo, com selecção
dos poemas de Rui Manuel Amaral e prefácio de Nelson de Oliveira.
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