1, O jornal Público tem nos últimos meses
apresentado à venda, em algumas bancas, um livro por mês que foi objecto da
censura do Estado Novo. A acompanhar o livro, em edição fac-simile, está um
relatório do censor que apresenta as razões por que o livro deve ser censurado.
Há quem pense que depois do 25 de Abril, a censura acabou. Na verdade, existem
várias formas de censura, a começar pela auto-censura. Mas, nos tempos do PREC,
terá vigorado uma espécie de censura com a nacionalização de quase toda a
Imprensa, com o saneamento de jornalistas – como aconteceu no Diário de
Notícias de que era director-adjunto José Saramago. No entanto, nesse período
conturbado, não existiu um mecanismo oficial de censura, como aquele que foi um
dos sustentáculos da ditadura. Além de existir liberdade em jornais como o
Expresso ou o então criado, e depois desaparecido Jornal Novo, não consta que
existisse uma censura editorial no que aos livros diz respeito. Esse terá sido,
pelo contrário, um período de anti-censura na exibição cinematográfica, com
filmes eróticos ou pornográficos, e provavelmente também nos costumes, no
levantar de certas questões, desde formas de vida até às inevitáveis questões
políticas. Depois do 25 de Novembro de 1975, algumas figuras que fizeram parte
do Estado Novo regressaram à televisão, como o popular historiador José Hermano
Saraiva. Ou seja, o que terá existido de censura, partiu de um “ar do tempo”,
do espírito de uma época efervescente.
2, Recordo um diálogo, numa livraria, entre
uma cliente e um livreiro, em volta de um livro de Mário Zambujal. A cliente
pretendia que o livreiro assegurasse que aquele livro não continha passagens
tristes ou que a incomodassem, ou seja, pretendia ler um livro sem o pathos
que afecta a grande literatura, e mesmo géneros menores como o policial. Creio
que Mário Zambujal será uma boa escolha para quem quer fugir aos vários pathos
da literatura. Mas também o pode ser Eça de Queiroz. Tudo depende da
sensibilidade do leitor. E o acto de leitura, pode ser interpretado como o
espreitar um mundo muito próprio de uma outra sensibilidade: a do autor. Muitas
vezes o autor escreve como se estivesse no divã de um psicanalista, dando azo
às suas pulsões, ainda que expressas com uma linguagem que tenta ser inovadora.
Nisto o leitor, que não é psicanalista, ressente-se daquilo que lê, a sua
sensibilidade é afectada. É talvez por isso que existem poucos leitores, e os
que existem lêm na sua maioria best-sellers de José Rodrigues dos Santos
ou Dan Brown ou outro autor que estiver na moda. A leitura de determinadas
obras exige um esforço, e uma dureza, que não se coaduna com a vida que as
pessoas levam. Por isso, a um livro preferem ver uma telenovela, uma série, ou
um blockbuster como a saga de 007. Algo que as entretenha da dureza da
realidade (“Go, go, go, said the bird: human kind Cannot bear very much
reality”. escreveu T. S. Eliot num dos versos de Quatro Quartetos). A
literatura é por vezes cruel para com o leitor, para com a sua sensibilidade,
que o autor na sua grandiloquência admite desprezar.
3, Já aqui referi alguns autores que terão a
capacidade de escrever pensando num determinado – e alargado – público, ou se
quisermos, terão uma literatura com menos pathos (Mário Zambujal, J.
Rodrigues dos Santos, Dan Brown). A estes gostaria de acrescentar outros: Roald
Dahl, Ian Fleming, Enid Blayton, Agatha Christie. Roald Dahl, foi um escritor britânico,
autor de livros para crianças (e também para adultos). Ian Fleming foi um
militar, jornalista e escritor britânico que escreveu romances de espionagem,
tendo sido o criador do famoso agente James Bond, o 007. Os seus livros,
escritos entre os anos 1950 e 1960 deram origem aos famosos filmes de James
Bond. Quanto a Enid Blayton, ficou celebre pela série de livros de aventuras
para um público juvenil, Os Cinco. Também estes tiveram adaptações audiovisuais.
Agatha
Christie, foi um dos grandes nomes do policial, criadora das personagens
Hercule Poirot e Miss Marple. O que têm em comum estes quatro escritores para
além do seu grande sucesso junto do público? Foram todos, nos últimos tempos,
alvo de censura por parte das suas editoras. Essa censura foi feita com a ajuda
de um grupo de pessoas, chamado “leitores de sensibilidade” (“sensitivity
readers”). Sendo estes autores Best-Sellers, quer para um público
infanto-juvenil, quer para um público interessado no romance policial e de
espionagem, ou seja, para um público que prefere uma literatura mais ligeira,
longe da grandiloquência literária, torna-se um pouco difícil perceber em quê
estas obras feriram a sensibilidade destes leitores. A resposta estará num revisionismo
woke, que chega agora à literatura. A questão que se coloca, depois da obra
destes autores ter sido tocada pelos “leitores de sensibilidade” é saber até
onde irá esse revisionismo completamente intolerável. Será que chegarão às
grandes obras da literatura mundial? E mesmo que não cheguem, o facto de terem reescrito
obras de 4 autores – que para muitos leitores estão entre os seus preferidos – é
já demasiado grave.
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