terça-feira, julho 30, 2024

A POLÍTICA NA AMÉRICA



1, Há certas pessoas em Portugal e no ocidente que têm uma grande admiração pela democracia americana. São políticos, jornalistas, professores de relações internacionais, etc. Enfim, a América, os Estados Unidos da América, são o Império (como o filósofo Toni Negri assinalou) ou “home of the brave”, numa feliz expressão de Laurie Anderson. Foi vendo filmes e séries americanas, cantando música feita nos EUA, vestindo jeans, ou mesmo lendo autores americanos que várias gerações cresceram, em Portugal e um pouco por todo o mundo, salvo as devidas excepções de países comunistas como a China. No fundo, vivemos, no aspecto económico e político, completamente dependentes dos Estados Unidos – e a União Europeia não conseguiu mudar esta situação, antes pelo contrário, como se pode ver na forma como EUA e UE têm alimentado a guerra na Ucrânia. Imbuídos na cultura americana esquecemos a sua principal característica: a violência. 

 2, Ora, o mês de Julho agora findo, foi particularmente turbulento e violento em relação à política americana. A 13 de julho, num comício, o ex-presidente Donald Trump, que procura pelo partido Republicano voltar a habitar a casa branca, foi alvo de uma tentativa de assassinato. Uma bala, disparada por um atirador de 20 anos, que não se sabe ainda como, estava no telhado de um edifício a poucos metros onde Trump discursava, passou de raspão pela orelha de Trump. Tornaram-se icónicas as imagens e fotografias de um Donald Trump, ladeado por elementos dos serviços secretos, com a cara ensanguentada, depois de procurar os sapatos, erguer o punho e gritar, “lutem, lutem, lutem”. Enfim, não passou de um arranhão, mas poderia ter sido algo grave. Ironia do chamado destino, o atirador (que foi morto pelos tais serviços secretos e que ainda hoje não se sabe como conseguiu subir a um telhado e não ser visto pelos serviços secretos) utilizava uma arma cuja comercialização sem restrições foi aprovada por Trump. 

3, Nada disto é novo na política americana: presidentes assassinados, candidatos a presidentes alvo de tentativas de assassinato, etc, etc. Parecia é que os Norte-Americanos já não estavam habituados – o último presidente alvo de uma tentativa de assassinato foi Ronald Reagan no início da década de 1980. Mas os USA, tinham até há pouco tempo um outro problema político: Joe Biden. Biden era o presidente candidato, pelo partido Democrata, a presidente nas próximas eleições de Novembro. Mas, tardiamente descobriu-se que os 81 anos de Biden lhe pesavam demasiado, o seu estado cognitivo e motor já não é o melhor, como ficou demonstrado num debate com Trump. De vários lados do partido Democrata surgiram pedidos para que Biden renunciasse; os financiadores da campanha ameaçaram não financiar, etc, etc, muito se discutiu o destino de candidatura democrata para enfrentar a republicana de Trump. Até que Biden, Isolado com covid, decide tomar a decisão que todo o mundo (urbi et orbi) esperava, renuncia a favor da sua vice-presidente Kamala Harris. E, de repente, a figura de Biden é substituída pela de Kamala Harris; Kamala em todos os ecrãs televisivos a ser saudada pelo casal Clinton, por Nancy Pelosi, e até pelos mais renitente casal Obama. A convenção dos democratas é só em meados de Agosto, mas já ninguém terá coragem de fazer frente ao balanço que a candidatura de Kamala leva. Os comentadores, que por todas as estações de tv do mundo têm andado atarefadíssimos a comentar as turbulências da política norte-americana, tentam agora adivinhar quem será o vice que kamala Harris escolherá para o seu “ticket”, e o quão decisivo isso será para “roubar” eleitorado a Trump e ganhar as eleições. 

4, Porque estas eleições têm bastante de decisivo em relação ao que será o mundo nos próximos quatro anos. Uma vitória de Kamala Harris implica a continuação da política de Biden, com a ideia de que a Ucrânia tem que ganhar a guerra à Rússia. Uma vitoria de Trump acabará com a guerra na Ucrânia, cuja escalada põe o mundo em perigo, quase à beira de uma III Guerra Mundial – a tal que não pode existir. Mas a vitória de Trump tem implicações claramente negativas, a começar pela negação das alterações climáticas. Enfim, estes candidatos(as), mesmo agora com Kamala Harris, parecem ser um erro de casting. Mas isso decorre da especificidade da democracia americana: são os eleitores republicanos e democratas que elegem em primárias o candidato de cada partido (algo que o partido Livre tem tentado fazer em Portugal, nem sempre com sucesso). 

5, O aristocrata Alexis de Tocqueville viajou pela América no início do século XIX – há cerca de 200 anos – e escreveu o clássico Da democracia na América. A democracia americana é já bastante antiga, tem coisas que são inovadoras – ainda – em relação a outras democracias, mas está anquilosada no seu passado. Se há algo que sempre me espantou, foi o seu bipartidarismo: ou se é democrata ou republicano. Para além duma filosofia pouco solidária que caracteriza o american way of live, os EUA interferiram na política de muitos países ao longo dos últimos cem anos – lembremos a invasão do Iraque promovida por George W. Bush, no início deste século. Ou seja, os EUA são o Império (político, económico, mas também cultural) ao qual a União Europeia – incluindo Portugal – presta vassalagem.