1, Há certas pessoas em Portugal e no ocidente que têm uma grande admiração pela
democracia americana. São políticos, jornalistas, professores de relações
internacionais, etc. Enfim, a América, os Estados Unidos da América, são o
Império (como o filósofo Toni Negri assinalou) ou “home of the brave”, numa
feliz expressão de Laurie Anderson. Foi vendo filmes e séries americanas,
cantando música feita nos EUA, vestindo jeans, ou mesmo lendo autores americanos
que várias gerações cresceram, em Portugal e um pouco por todo o mundo, salvo as
devidas excepções de países comunistas como a China. No fundo, vivemos, no
aspecto económico e político, completamente dependentes dos Estados Unidos – e a
União Europeia não conseguiu mudar esta situação, antes pelo contrário, como se
pode ver na forma como EUA e UE têm alimentado a guerra na Ucrânia. Imbuídos na
cultura americana esquecemos a sua principal característica: a violência.
2,
Ora, o mês de Julho agora findo, foi particularmente turbulento e violento em
relação à política americana. A 13 de julho, num comício, o ex-presidente Donald
Trump, que procura pelo partido Republicano voltar a habitar a casa branca, foi
alvo de uma tentativa de assassinato. Uma bala, disparada por um atirador de 20
anos, que não se sabe ainda como, estava no telhado de um edifício a poucos
metros onde Trump discursava, passou de raspão pela orelha de Trump. Tornaram-se
icónicas as imagens e fotografias de um Donald Trump, ladeado por elementos dos
serviços secretos, com a cara ensanguentada, depois de procurar os sapatos,
erguer o punho e gritar, “lutem, lutem, lutem”. Enfim, não passou de um
arranhão, mas poderia ter sido algo grave. Ironia do chamado destino, o atirador
(que foi morto pelos tais serviços secretos e que ainda hoje não se sabe como
conseguiu subir a um telhado e não ser visto pelos serviços secretos) utilizava
uma arma cuja comercialização sem restrições foi aprovada por Trump.
3, Nada
disto é novo na política americana: presidentes assassinados, candidatos a
presidentes alvo de tentativas de assassinato, etc, etc. Parecia é que os
Norte-Americanos já não estavam habituados – o último presidente alvo de uma
tentativa de assassinato foi Ronald Reagan no início da década de 1980. Mas os
USA, tinham até há pouco tempo um outro problema político: Joe Biden. Biden era
o presidente candidato, pelo partido Democrata, a presidente nas próximas
eleições de Novembro. Mas, tardiamente descobriu-se que os 81 anos de Biden lhe
pesavam demasiado, o seu estado cognitivo e motor já não é o melhor, como ficou
demonstrado num debate com Trump. De vários lados do partido Democrata surgiram
pedidos para que Biden renunciasse; os financiadores da campanha ameaçaram não
financiar, etc, etc, muito se discutiu o destino de candidatura democrata para
enfrentar a republicana de Trump. Até que Biden, Isolado com covid, decide tomar
a decisão que todo o mundo (urbi et orbi) esperava, renuncia a favor da sua
vice-presidente Kamala Harris. E, de repente, a figura de Biden é substituída
pela de Kamala Harris; Kamala em todos os ecrãs televisivos a ser saudada pelo
casal Clinton, por Nancy Pelosi, e até pelos mais renitente casal Obama. A
convenção dos democratas é só em meados de Agosto, mas já ninguém terá coragem
de fazer frente ao balanço que a candidatura de Kamala leva. Os comentadores,
que por todas as estações de tv do mundo têm andado atarefadíssimos a comentar
as turbulências da política norte-americana, tentam agora adivinhar quem será o
vice que kamala Harris escolherá para o seu “ticket”, e o quão decisivo isso
será para “roubar” eleitorado a Trump e ganhar as eleições.
4, Porque estas
eleições têm bastante de decisivo em relação ao que será o mundo nos próximos
quatro anos. Uma vitória de Kamala Harris implica a continuação da política de
Biden, com a ideia de que a Ucrânia tem que ganhar a guerra à Rússia. Uma
vitoria de Trump acabará com a guerra na Ucrânia, cuja escalada põe o mundo em
perigo, quase à beira de uma III Guerra Mundial – a tal que não pode existir.
Mas a vitória de Trump tem implicações claramente negativas, a começar pela
negação das alterações climáticas. Enfim, estes candidatos(as), mesmo agora com
Kamala Harris, parecem ser um erro de casting. Mas isso decorre da
especificidade da democracia americana: são os eleitores republicanos e
democratas que elegem em primárias o candidato de cada partido (algo que o
partido Livre tem tentado fazer em Portugal, nem sempre com sucesso).
5, O
aristocrata Alexis de Tocqueville viajou pela América no início do século XIX –
há cerca de 200 anos – e escreveu o clássico Da democracia na América. A
democracia americana é já bastante antiga, tem coisas que são inovadoras – ainda
– em relação a outras democracias, mas está anquilosada no seu passado. Se há
algo que sempre me espantou, foi o seu bipartidarismo: ou se é democrata ou
republicano. Para além duma filosofia pouco solidária que caracteriza o american
way of live, os EUA interferiram na política de muitos países ao longo dos
últimos cem anos – lembremos a invasão do Iraque promovida por George W. Bush,
no início deste século. Ou seja, os EUA são o Império (político, económico, mas
também cultural) ao qual a União Europeia – incluindo Portugal – presta
vassalagem.
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