sábado, agosto 31, 2024

Rui Manuel Amaral

 


Um passarinho malicioso

Lazaros Leumorfis tinha o hábito de segurar a cabeça com as mãos porque acreditava que a qualquer momento esta podia desprender-se do pescoço e cair ao chão. Por isso, nunca se distraia da sua importante tarefa, segurando a cabeça com o maior zelo de que era capaz.

Mas fosse porque algum passarinho malicioso lhe soprava qualquer coisa ao ouvido, fosse por outro motivo que não procurei determinar, o certo é que houve um momento em que Lazaros se distraiu e largou a cabeça. Esta caiu instantaneamente ao chão, saltou duas ou três vezes com a elasticidade de uma bola de borracha, e rolou rua abaixo e em contramão, rumo à Place Dauphine, que brilhava lá ao longe.

Em que estado de espírito se encontrou Lazaros depois deste infeliz acontecimento, é algo que não nos atrevemos a imaginar. Diremos apenas que não se poupou a esforços para recuperar a cabeça, procurando-a por toda a parte, durante dias a fio. E de bom grado teria continuado a procurá-la se entretanto vários assuntos de maior importância o não tivessem chamado a outro lado.

In Doutor Avalanche, Angelus Novus, 2010, pp.  17-18