sábado, novembro 30, 2024

A democracia na América de Trump e Elon Musk

 


1, De uma moeda lançada ao ar, ou saí cara ou coroa. Das eleições presidenciais norte americanas, disputadas no passado dia 5 entre Kamala Harris (partido Democrata) e Donald Trump (partido Republicano), ganhou Donald Trump, o candidato que foi presidente dos EUA entre 2016 e 2020. A vitória de Trump voltou a soar quase como um escândalo entre os milhares de jornalistas de países ocidentais que foram, insones, em gesto de vassalagem, cobrir o acontecimento na madrugada do dia 5 para 6. Trump é um perigo para o mundo? Sim, em determinadas matérias como as alterações climáticas é, de facto, um perigo, porque faz parte da “vanguarda” de extrema-direita negacionista que parece querer exterminar as democracias representativas liberais.

2, É longa no tempo a vassalagem da Europa em relação aos EUA. É certo que os Estados Unidos ajudaram a Europa a livrar-se do nazismo, durante a II Guerra Mundial. Mas os mesmos EUA lançaram duas bombas nucleares sobre Hiroxima e Nagasáqui. Não bastou lançarem uma bomba sobre Hiroxima, que terá morto cerca de 70 mil pessoas, para os americanos mostrarem ao mundo e ao Japão que detinham a arma mais mortífera que alguma vez existiu na história da Humanidade. Era necessário mais uma? Leo Szilard, um dos cientistas que esteve ligado ao desenvolvimento da bomba atómica afirmou: “Se tivessem sido os alemães a lançar bombas atómicas sobre [as] cidades ao invés de nós, teríamos considerado esse lançamento como um crime de guerra, e sentenciado à morte e enforcado os alemães considerados culpados desse crime no Tribunal de Nuremberg.” As duas bombas nucleares lançadas pelos EUA, que levaram à rendição do Japão e ao fim da II Guerra Mundial, mostram a cultura beligerante Norte-Americana, que permaneceu durante a chamada guerra fria. Intervenções na América Latina, promovendo regimes fascistas ou de extrema-direita, como o de Pinochet; intervenção directa na Asia, com a participação na guerra do Vietname, etc. E, não esquecer, já este século, a invasão do Iraque cujos motivos foram forjados pelo presidente George W. Bush, e que até tiveram a “bênção” do primeiro-ministro português da altura, Durão Barroso.

3, Afinal os EUA são o país dos westerns, dos cowboys nos seus duelos com revolveres, algo que o cinema de Hollywood retratou e mitificou, e com que várias gerações de europeus cresceram. Os EUA são o Império, como outrora na Roma imperial foram os romanos que andaram por várias regiões da Europa. Daí que quando o PCP chama imperialistas aos Estados Unidos acerte, ao contrário de outras posições de política externa deste partido centenário. O imperialismo, a dependência da Europa face aos EUA é total: na cultura – principalmente na cultura de massas –, na economia, na tecnologia (as grandes empresas de Silicon Valley), na investigação de ponta nas mais variadas áreas, na forma como manobram a política externa dos países que são seus aliados (evidentemente que a China e a Rússia estão do outro lado, numa espécie de nova guerra fria), no apoio que dão a Israel para levar a cabo um genocídio sobre os palestinianos da Faixa de Gaza. Sem dúvida que por isto e muito mais os EUA têm um passado – e presente – negro na História. Mas nada disso impede essa vassalagem pelo chamado “sonho americano” ou “american way of life”.

4, Mas a 5 de Novembro, os americanos voltaram a eleger Donald Trump como presidente dos EUA. Trump, o palhaço e a sua troupe. Alguns nomes desta troupe, desta nova administração, já são conhecidos. Linda McMahon, uma empresária de wrestling (luta livre), é apontada para secretária da Educação, o equivalente ao ministro da educação em Portugal. A escolha de Trump pode – e é – estupida, mas tem o seu sentido. A escola é um lugar de violência. A escola “antiga”, onde o professor exercia e violência da palmatória (entre outras), até à escola mais ou menos actual onde os alunos exercem violência uns sobre os outros, e por vezes, mesmo sobre os professores. Ora, como anedota nada melhor que uma magnata do wrestling para dirigir a educação nos EUA.

5, Mas o grande apoio de Trump veio de um dos homens mais ricos e influentes do mundo: Elon Musk. Musk é dono da Tesla (que fabrica automóveis), da Space X (uma espécie de NASA, cuja ambição maior será ir a Marte), comprou o Twitter e rebaptizou-o de X, a rede social onde estão (quase) todos os políticos do mundo e jornalistas, para além de muita gente anónima. É ainda dono da tenebrosa Starlink, uma empresa que pretende criar um implante cerebral para conectar pessoas e computadores, e entre outras empresas, esteve na fundação da OpenAI, a criadora do Chat GPT. Tudo isto faz dele o segundo homem mais rico do mundo com cerca de 200 billiões de dólares (para fazer uma ideia deste número astronómico, o PIB de Portugal era em 2023 de 287 biliões de doláres e o de Marrocos de 141 biliões). Ora dinheiro é poder, e poder é muitas vezes dinheiro. Trump vai nomear Elon Musk para o cargo de chefia de um grupo de “eficiência governamental”. Trump e Musk, juntos, são a maior ameaça ao mundo. No mandato anterior Trump era um palhaço rico solitário, mas agora é Elon Musk que muito mais que Trump constituiu uma ameaça: pela primeira vez o homem mais rico de Silicon Valley entra na casa branca, e com ele as suas ideias algo tenebrosas. A aliança entre o poder político e o poder económico, ou mais concretamente o poder do olimpo de Silicon Valley, que representa por si só um novo e outro poder, que anda connosco nos nossos bolsos, plasmado neste caso na figura de Elon Musk, o proprietário do X, representa um exponenciar do poder que pode abafar o poder político tal como o conhecemos: baseado numa constituição, em separação de poderes, eleições livres, etc. Ou seja, a imperfeita mas na falta de melhor, democracia representativa. E, nos EUA, a velha democracia nunca esteve tão em perigo.