O PRINCÍPIO
Dois gregos conversam: Sócrates, talvez, e Parménides.
Convém que nunca saibamos os seus nomes; assim, a história será mais misteriosa e tranquila.
O tema do diálogo é abstracto. Às vezes,
aludem a mitos, dos quais ambos descrêem. As razões que alegam podem abundar em
falácias e nunca intentam um fim.
Não polemicam. Já não querem persuadir, nem
ser persuadidos, não pensam em ganhar ou perder.
Numa só coisa estão de acordo: sabem que o
diálogo é o não impossível caminho para chegar a uma verdade.
Livres do mito e da metáfora, pensam, ou
procuram pensar.
Nunca saberemos os seus nomes.
Esta conversa de dois desconhecidos, num
lugar da Grécia, é o facto capital da História.
Pois já olvidaram a prece e a magia.
Jorge Luis Borges, A Memória de Shakespeare,
trad. Luís Alves da Costa, Vega, 2002, p. 7
Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires (Argentina) em 1899. Foi dos maiores criadores da literatura mundial do século XX. Não recebeu o Nobel nem precisava; o Nobel é que precisava dele. A sua criação de mundos atinge o auge em dois volumes de contos: Ficções e O Aleph.
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