terça-feira, abril 29, 2025

JORGE LUIS BORGES

 


                                              O PRINCÍPIO

 

Dois gregos conversam: Sócrates, talvez, e Parménides.

Convém que nunca saibamos os seus nomes; assim, a história será mais misteriosa e tranquila.

O tema do diálogo é abstracto. Às vezes, aludem a mitos, dos quais ambos descrêem. As razões que alegam podem abundar em falácias e nunca intentam um fim.

Não polemicam. Já não querem persuadir, nem ser persuadidos, não pensam em ganhar ou perder.

Numa só coisa estão de acordo: sabem que o diálogo é o não impossível caminho para chegar a uma verdade.

Livres do mito e da metáfora, pensam, ou procuram pensar.

Nunca saberemos os seus nomes.

Esta conversa de dois desconhecidos, num lugar da Grécia, é o facto capital da História.

Pois já olvidaram a prece e a magia.

 

Jorge Luis Borges, A Memória de Shakespeare, trad. Luís Alves da Costa, Vega, 2002, p. 7

Jorge Luis Borges nasceu em Buenos Aires (Argentina) em 1899. Foi dos maiores criadores da literatura mundial do século XX. Não recebeu o Nobel nem precisava; o Nobel é que precisava dele. A sua criação de mundos atinge o auge em dois volumes de contos: Ficções e O Aleph. 


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