quarta-feira, julho 30, 2025

Isabel Mendes Ferreira

 



pronto. decidi que és uma égua. talvez um pouco de água. e se me
tocas com teu pêlo de ferrugem irei mais longe. és uma flauta.
no entanto ontem quando puseste o vestido branco
foste puta deusa anjo mãe safo e senti que um barco
te penetrava o ventre liso laço de algas lenço afago.

não me basta o teu rosto
a tua vulva as tuas rugas o teu regato

decidi que és uma égua mas não te devolvo o pasto.
entrego-te a faca. já me basta de combate.

Isabel Mendes Ferreira, in A Pele, ed. Presença, Colecção do Autor, 1989, p. 31.
Isabel Mendes Ferreira iniciou a publicação de poesia na década de 1980, com títulos como A mais loura de Lisboa (Difel, 1984) ou Um corpo (sub)exposto (IN-CM, 1983).  Em 2015 ganhou o prémio PEN Clube Português de Poesia pelo livro O tempo é renda (Labirinto de Letras, 2014). Há na sua poesia uma dimensão erótica, bastante transgressora para a época em que começou a publicar, como atesta o poema acima.
Imagem de fotograma de uma entrevista à RTP, em 1989.


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