A Biblioteca Pública Municipal do Porto
(BPMP) fechou a 1 de Abril de 2024 para obras de “requalificação e ampliação”
da autoria do arquitecto Eduardo Souto de Moura. Previa-se, então, a sua
reabertura para Dezembro de 2027. No entanto, em Abril deste ano, a CMP, então
ainda presidida por Rui Moreira, resolveu lançar um novo concurso de 34,5
milhões de euros – aumentando em 8 milhões o valor inicialmente orçamentado – e
prevendo na altura a reabertura da biblioteca para 2028. Mas agora aponta-se
para uma “data indeterminada” Os motivos avançados por Rui Moreira em 2024 para
as obras de “requalificação e ampliação” da BPMP, eram “um problema crónico” de
“défice de espaço para armazenamento de livros e espólio”. Entretanto,
anunciava-se, em 2024, um serviço especial de livros take-way
(finalmente os livros puderam ser equiparados a refeições, e o dito de Natália
Correia de que a poesia era para comer aproximou-se como nunca da realidade)
para investigadores. Ora, estes investigadores lançaram em Junho deste ano uma (nova)
petição. Em causa estava (está) a dificuldade de acesso a documentos essenciais
para fazer investigação. Na verdade, não parece que hoje os investigadores
académicos do Porto tenham outro recurso senão procurar outras bibliotecas. O
mesmo se passa com aqueles que ainda procuram um tema para investigação.
Para já, uma parte dos periódicos – apenas os mais consultados – foi para a Escola Ramalho Ortigão, onde podem ser consultados. Alguns livros foram para a Biblioteca Almeida Garrett. A casa onde viveu o poeta Eugénio de Andrade, na Foz, foi em 2024 transformada na Casa da Poesia, sendo que o espólio do poeta e outros livros de poesia seleccionados por Luís Miguel Queirós (um total de 4 mil volumes) podem aí ser consultados. Mas a realidade das obras de requalificação e ampliação da BPMP é outra. Quem passa pelo edifício da Biblioteca, junto ao Jardim de S. Lazaro, na Rua de D. João IV, não vê nenhuma actividade que indicie o início das obras. O site da Biblioteca apresenta esta frase: “A BPMP está encerrada para trabalhos preparatórios da obra de beneficiação e ampliação do edifício”. Daqui se infere que as obras ainda não começaram, e como em muitos casos em que é um organismo público a adjudicar a obra, estas tornam-se nas chamadas “obras de Santa Engrácia”. É claro que os livros e periódicos que estão no antigo Convento de Santo António, e que são cerca de 2 milhões, necessitam de ser salvaguardados das obras.
Isto pode levar a que quando a Biblioteca abra ao público, a relação com o livro seja diferente da de hoje. Estava prometida a digitalização dos três grandes jornais do Porto: O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto (ambos já extintos) e o Jornal de Notícias – o que era uma excelente ideia quando temos apenas um jornal digitalizado e disponível on-line, o Diário de Lisboa. Mas no site da Biblioteca, embora seja anunciado um novo serviço, o “BiblioLED: o novo serviço de leitura digital”, não há referência à digitalização destes jornais. Aliás este serviço é pouco ambicioso, com um catálogo inicial de 1500 títulos, entre livros digitais e audiolivros. A realidade é que já há bastante tempo a Google iniciou o projecto Gutenberg de digitalização de livros de autores que entraram no domínio público; digitalizou cerca de 60 mil volumes, onde se contam vários autores de língua portuguesa cujas obras ficaram esquecidas. Mas abandonou este projecto, mesmo porque hoje existem milhares de vídeos no you tube, em várias línguas, com a leitura de obras fundamentais – da literatura à filosofia – quer por vozes humanas, quer por vozes de IA – e isso só vem reafirmar a “profecia” de M. Mac Luhan de que caminhamos para uma sociedade oral. Apesar de o livro ter resistido, até agora, como objecto analógico à sua passagem para o digital, nada prova que o avançar para um mundo cada vez mais digitalizado não acabará por engolir também o livro, como está a acontecer com os jornais. É, portanto, simplesmente estúpido fechar totalmente (ou quase) a BPMP – a segunda maior do país. Mas aqui a culpa é – presumo – do arquitecto Souto Moura que poderia arranjar uma outra solução, e também de Rui Moreira que concordou com o fecho da Biblioteca. A este respeito, basta lembrar o que aconteceu a outro equipamento cultural desenhado pelo arquitecto Souto Moura – um dos “Nobel” da arquitectura portuguesa. A Casa das Artes, que abriu no início da década de 1990, com uma boa programação entre o cinema, exposições, colóquios, etc, acabou por cair no esquecimento. O edifício foi-se degradando sem que nenhum responsável camarário se lembrasse que aquele equipamento estava ao abandono. Quando alguém interveio, a Casa das Artes era uma quase ruína. Fizeram-se as inevitáveis obras de requalificação e iniciou-se uma programação, mas em Maio do ano passado essa programação foi interrompida para “obras de beneficiação”. A excepção foi o Cine Clube do Porto que continuou a sua programação. Pelo menos até Março deste ano.
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