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quinta-feira, dezembro 31, 2015

LIVROS EM 2015

 
Num programa televisivo, como 5 para a meia-noite, desfilavam livros a ponto de um espectador incauto, ou sem som na televisão, julgar por momentos estar perante um programa literário. 5 para a meia-noite é um programa de entretenimento, um talk-show em horário late night. Por ali passam figuras públicas: actores, músicos, enfim os cromos da sociedade de espectáculo. É isto sintomático de como funciona a edição e a leitura actualmente em Portugal (e não só): as editoras pedem a figuras públicas que escrevam livros, ou então quando estes não os sabem escrever há sempre um escritor fantasma para os escrever (o que deve de acontecer na maioria dos casos). Pretende-se que o grande público, ignorante da literatura, compre livros nas grandes superfícies pelo reconhecimento de uma figura pública cuja notoriedade nada tem a ver com a literatura. Mesmo no caso do jornalismo, cujo paradigma de sucesso é José Rodrigues dos Santos, a maior parte das vezes não corresponde a nenhum talento literário, seja isso o que for, mas a uma imagem e ao reconhecimento dessa imagem pelos compradores de livros. Esta situação, em que o livro é um objecto de consumo cujo reconhecimento resulta de factores externos ao campo literário, tornando-o mais uma mercadoria sujeita às regras do marketing, resulta também da perda de espaço crítico nos jornais (esses que estão em vias de extinção) ou noutros média. Quando um ou outro programa radiofónico ou televisivo aborda a literatura, os livros, fá-lo numa perspectiva superficial e apenas informativa (a excepção talvez seja Luís Caetano na Antena 2). Perante isto as poucas livrarias que restam vão-se enchendo de lixo, e a oportunidade que um escritor poderia esperar está também restrita a prémios como o Leya, que funciona com a mesma lógica já esboçada. Restam os blogues, mas estes perderam espaço para esse monstro que os média têm alimentado, e que dá pelo nome de facebook. Ora o facebook é o contrário de qualquer espaço crítico. Ele cria uma aparente utopia, que é uma distopia, onde só há espaço para dizer "gosto", para o breve elogio que nada acrescenta. Portanto, o espaço da polémica, do diferendo, da crítica, que é por natureza mesmo quando se trata de cultura ou literatura um lugar político, está a desaparecer. O mais grave de tudo isto é a criação de um pensamento único, correspondente e irmão gémeo da TINA nas políticas económicas, que não permite a liberdade da expressão do pensamento. E este espectro que paira sobre nós, para parafrasear Marx, ultrapassa os lugares da cultura para se disseminar pela sociedade, principalmente onde existem relações assimétricas e de poder. Ou seja: estamos a perder a liberdade. 

Deixando estas questões, e restringindo-me ao que foi publicado em livro impresso (os e-books são outra questão que quero ignorar) em 2015, optei por uma abordagem do sector mais fraco da edição: a poesia. Apresento mais abaixo uma lista do que me foi possível reunir através de blogues, sites, suplementos literários. É uma lista incompleta e talvez com certa imprecisões, mas a possível. A poesia, no ano da morte de Herberto Helder (e também Vítor Silva Tavares), continua a ser algo extremamente minoritário, cujos livros apenas se vendem em poucas livrarias, tornando o mapeamento da sua edição algo bastante difícil. A isso corresponde, naturalmente, a dificuldade que os poucos leitores de poesia têm em aceder aos livros. Uma forma de contornar isto está nas revistas, como a Telhados de Vidro ou a Relâmpago, com uma existência já longa, mas também nas reuniões de poetas, colectâneas que dão a conhecer novas poéticas e novos poetas. De destacar duas publicadas este ano, e creio que ignoradas pelos dois suplementos literários que restam na imprensa portuguesa. Voo Rasante, publicado pela Mariposa Azual (editora que este ano publicou sete livros de poesia, batendo em número a Averno - 6 - e a Assírio & Alvim com 6) é uma montra que mescla autores conhecidos com outros desconhecidos ou até inéditos. Não se percebe porque razão a editora e coordenadora do livro, Helena Vieira, lhe chamou antologia. A outra colectânea foi publicada pela Língua Morta com o título de Hidra. Não se destaca tanto pela quase dezena de poetas que nela participam, mas pela presença de António Guerreiro que será o crítico mais acutilante e lúcido da "praça" (veja-se a sua crónica no semanal no Público). Neste sentido parece haver uma perca de espaço e influência dos chamados "poetas sem qualidade" e do "grupo" que gira em volta de Manuel de Freitas (que este ano reuniu uma série de ensaios sob o título Incipit, e foi alvo de mais uma antologia - desta vez de Rui Pires Cabral). Também por isso não podemos descurar outras editoras e outros autores. Miguel-Manso que publicou Persianas na Tinta da China ou Paulo da Costa Domingos com Cal (Averno) ou ainda Armando Silva Carvalho com A sombra do mar (Assírio & Alvim). Entre as cerca de dez editoras que vão publicando poesia, destaque-se duas: a 50 kg e a não (edições). A primeira, do Porto, de Rui Azevedo Ribeiro, faz do livro um objecto artesanal, impresso com caracteres móveis impõe-se como forma de resistência às tecnologias digitais. Foi, curiosamente ou não, na 50 kg, que Vítor Silva Tavares, um dos últimos Editores portugueses publicou Púsias, volume de versos, poucos meses antes de desaparecer. Quanto à não (editores) tem vindo a publicar pequenos livros de poetas, uns já conhecidos outros desconhecidos ou em estreia e outros em tradução. Este ano terá publicado mais de meia dúzia de livros, entre os quais traduções de Lauren Mendinueta e Pablo Javier Perez Lopes. 

Segue-se a lista. Na ficção e no ensaio apenas uma selecção de alguns dos livros publicados em 2015. De fora ficaram as traduções.

POESIA PORTUGUESA
Herberto Helder - Poemas Canhotos - Porto Editora
Vítor Silva Tavares - Púsias - 50 kg
Anónimo - Fósforo de Anónimo - 50 kg
Carlos Alberto Machado - Pôr as pernas do lado da cabeça e partir - 50 kg
Rui Caeiro - Deus e outros animais - Averno
António Barahona - Pássaro-Lyra - Averno
Paulo da Costa Domingos - Cal - Averno
Vítor Nogueira - Amanhã logo se vê - Averno
Abel Neves -Úsnea - Averno
Telhados de Vidro nº 20 (com a plaquete de Adília Lopes Comprimidos) - Averno
Gastão Cruz - Óxído - Assírio & Alvim
Rui Pires Cabral - Morada - Assírio & Alvim
Ana Luísa Amaral - E todavia - Assírio & Alvim
Armando Silva Carvalho - A sombra do mar - Assírio & Alvim
Adília Lopes - Manhã - Assírio & Alvim
Luís Quintais - Arrancar penas a um canto de cisne - Assírio & Alvim
Andreia C. Faria - Um pouco acima do lugar onde melhor se escuta o coração - Artefacto
Luís Amorim de Sousa - Mera distância - Artefacto
Daniel Francoy - Calendário - Artefacto
Sónia Balacó - Constelações -Mariposa Azual
Ricardo Domeneck - Medir com as próprias mãos a febre - Mariposa Azual
João Bosco da Silva - Trepanações de Jerónimo Bosh- Mariposa Azual
Sónia Baptista - Tempus fugit - Mariposa Azual
AA VV - Voo Rasante - Mariposa Azual
Marília Garcia - Um teste de resistores - Mariposa Azual
Elisabete Marques - Cisco - Mariposa Azual
Duarte Drumund Braga - Voltas do Purgatório - Língua Morta
AA VV - Hidra - Língua Morta
Rui Manuel Amaral - Polaróide - Língua Morta
Nuno Júdice - A convergência dos ventos - D. Quixote
Miguel-Manso - Persianas - Tinta da China
José Ricardo Nunes - Andar a par - Tinta da China
Pedro Mexia - Uma vez que tudo se perdeu  - Tinta da China
Manuel de Freitas - Sunny Bar (antologia org. por Rui Pires Cabral)- Alambique
José Carlos Soares - Rã - Alambique
Marta Chaves - Perda de inventário - Alambique
Inês Lourenço - O segundo olhar (antologia org. por J. M. Teixeira Silva) - Companhia das Ilhas
Nunes da Rocha - Sabão offbach - & etc
Miguel Cardoso -  À barbarie seguem-se os estendais - & etc
João Miguel Fernandes Jorge - Mirleos - Relógio d´ Água
Frederico Pedreira - Presa Comum - Relógio d' Água
Helder Macedo - Romance - Presença
Miguel Castro Caldas - Chaconne ou a arte de mudar de assunto - Douda Correria
Miguel Carvalho - No princípio não era o verbo - Debout Sur L'Oeuf
manuel a. domingues - Baço - Ed. Medula


Rui Pires Cabral - Elsewhere / Alhures - não (edições)
Ricardo Tiago Moura - 1 gato para 2 - não (edições)
Sónia Baptista - E na queda repousar - não (edições)
Rita Natálio - Artesanato - não (edições)
Ricardo Marques - Metamorphoses - não (edições)
Manuel Alberto Valente - Poesia Reunida - Quetzal

FICÇÃO PORTUGUESA

Teresa Veiga- Gente melancolicamente louca - tinta da china
Fernando Assis Pacheco - Bronco-angel: o cowboy analfabeto - tinta da china
Gonçalo M. Tavares - O torcicologista, excelência - Caminho
_______________ - Notas sobre a Música - Relógio d' Água
Ana Teresa Pereira - Neverness - Relógio d' Água
António Lobo Antunes - Da natureza dos deuses - D. Quixote
Mário Cláudio - Astronomia - D. Quixote
Paulo Castilho - O sonho português - D. Quixote
Vasco Luís Curado - O país fantasma - D. Quixote
Clara Ferreira Alves - Pai nosso - Clube do Autor
Rui Zink - Osso - Teodolito
______ - O Destino Turístico - Teodolito
Francisco Duarte Mangas - Jacarandá - Teodolito
Julieta Mongino - Os filhos de K. - Teodolito
Alexandre Andrade - Quartos alugados - Exclamação
Vítor Nogueira - Amanhã logo se vê - Averno
Ana Cássia Rebelo - Ana de Amerterdam (sel. de textos do blogue com o mesmo título) - Quetzal

ENSAIO
José Gil - Os poderes da pintura - Relógio d' água
Manuel de Freitas - Incipit - Averno
Filipa Leal -Pelos leitores de poesia - Abysmo
João Barrento - Como um hiato na respiração - Averno
AA VV - Natural in verso - Mariposa azual
Marinela de Freitas - Emily Dickinson e Luiza Neto Jorge: quantas faces - Afrontamento
Joana Matos Frias - Cinefilia e cinefobia no modernismo português (vias e desvios) - Afrontamento






quarta-feira, dezembro 31, 2014

LIVROS EM 2014



 

Este ano pouco ou nada mudou no que ao comércio dos livros e sua edição diz respeito. É certo que quando a Porto Editora conseguiu, não se sabe por que carga de água ou fogo, editar com a sua chancela o último livro de Herberto Helder, houve a percepção, por parte de algumas das mais brilhantes cabeças da pátria, de que se estava a abusar do maior poeta português vivo. Ou então que o poeta tinha finalmente enlouquecido, como há desde quase cinquenta anos vinha ameaçando (veja-se o início do conto “Estilo” do livro Os Passos em Volta, ou algumas passagens de Photomaton & Vox). Verdade que o livro, A Morte sem Mestre, esgotadíssimo, não agradou a alguns críticos, a quem certa linguagem erótica, vinda do vate octogenário, talvez tenha escandalizado. Diferente seria quando uma ex-jornalista, com carácter de urgência, resolveu escrever em terras alentejanas, numa cozinha, enquanto o verão passava, um livro que utilizava uma linguagem vernacular muito idêntica à do nosso tão celebrizado vate H H. Entenda-se, então, uma coisa: o que uma senhora pode escrever (e dizer) não é o mesmo que um velho de 80 anos pode. Porque a senhora, dona das suas curvas, faz com o seu sexo o que lhe apetece; tem os amantes que quer e ninguém tem nada a ver com isso – muito menos os amantes. Já do velho vate, só fica bem o flirt com a morte. Mesmo porque algumas palavras, ditas ou escritas por varão, podem configurar o crime nefasto de assédio sexual. Portanto, mesmo em questões literárias, e numa altura em que o autor regressou, como um Lázaro da tumba estruturalista, há que ter todo o cuidado, quando se é um macho branco e heterossexual, mesmo que de um país que esteve sob o domínio da obscena troika.
É claro que muitos mais livros se publicaram ao longo de 2014, com o grande destaque para o lixo do costume, de editores idiotas e livreiros imbecis – com as honrosas excepções, como em tudo. A situação de destruição que o país vive veio dar fôlego a um género que em Portugal tinha pouca expressão: os livros de jornalismo, ou para tentar ser mais exacto grandes reportagens em livro. Diria que finalmente. Finalmente há jornalistas que escrevem sobre o que sabem fazer, o que fazem no dia-a-dia, mas de uma forma mais prolongada, com mais caracteres. Mas desengane-se que isto acabou com a lógica do jornalista-vedeta que escreve o seu romance anualmente. Não. E para o confirmar tivemos mais livros de José Rodrigues dos Santos e de Miguel Sousa Tavares. Mas os livros que tentam desmascarar o jogo de cadeiras por detrás do poder político, ou quem são os Donos de Portugal, ou aprofundar a história do BES, são livros de reportagem e investigação que faziam falta, principalmente se atentarmos que o panorama mediático português é dominado por grupos empresariais pouco interessados em que a verdade seja publicada nos seus jornais – e muito menos nas televisões. Temos assim que na falta de um jornalismo plural – em Portugal, ao contrário do que existe em França ou mesmo na Espanha, não há jornais de esquerda, tentando todos parecer um enorme bloco central jornalístico – cabe a jornalistas independentes fazer vir ao de cima a verdade que se esconde nas pequenas notícias. Jornalistas como Paulo Pena (a colaborar agora com o Público), autor de Jogos de Poder – Toda a verdade sobre os bancos portugueses e a forma como criaram a dívida que todos temos de pagar (esfera dos livros) ou mesmo investigadores como Gustavo Cardoso, entre outros, têm feito esse trabalho. Trata-se, por vezes, de escrever aspectos da história recente de Portugal que só no formato livro podem ganhar inteligibilidade. Outras vezes é tão só uma forma de ter ainda mais projecção mediática e ganhar algum dinheiro fazendo favores à ideologia que nos governa ou apresentando propostas dúbias (veja-se o caso do jornalista da SIC José Gomes Ferreira).
Nas actuais circunstâncias, em que as livrarias parecem lojas de chinês, ou talvez em que as livrarias podiam tornar-se lojas de chinês, já que apenas procuram o lucro de forma acéfala, há que encontrar outros lugares e outras formas de leitura que fazem uma ponte entre o passado e o futuro. Não é preciso ser um leitor exigente para perceber que se ganha muito mais, em todos os aspectos, frequentando e sendo leitor de bibliotecas – a única coisa que se perde é o livro que uma vez lido tem de ser devolvido. As bibliotecas, mesmo as municipais, são formas de um encontro feliz com os livros como objectos de saber, de reflexão e de gozo. Porque as bibliotecas são lugares de encontro com o passado, com livros marcantes da nossa literatura, filosofia, história ou outros saberes e sabores. E ali estão esses livros já marcados pelo tempo, já lidos, sublinhados (e ler um livro sublinhado, de uma biblioteca, é entrar em diálogo com alguém que desconhecemos). Talvez que esta crise tenha aumentado o número de leitores em bibliotecas, evitando a decadência das mesmas, esses lugares que ainda restam de silêncio e murmúrio (para além das Igrejas). Mas, infelizmente, as bibliotecas representam o passado.
O futuro apresenta-se através das tecnologias de comunicação digital. É a internet o grande repositório de saber, não só de um saber tosco, inexacto, que de certa forma cria uma nova epistemologia, mas também de alguns dos mesmos livros que se encontram nas bibliotecas. No entanto, a mudança de uma leitura analógica (digamos assim) para uma leitura digital é um processo complexo – desde os hábitos dos leitores até direitos de autor. E é também uma nova questão da ética de leitura: já não se trata de ler por prazer ou por dever (por exemplo), mas de ler contra o sistema ou a favor do sistema – e ai a questão volta ao início, entre o lixo e o luxo – independentemente do meio.

Livros esquecidos de 2014 – uma (pequena) lista

João César Monteiro – Obra Escrita 1, Livraria Letra Livre
João Urbano – Revoada, ed. Nada
Dulce Maria Cardoso – Tudo são Histórias de Amor, tinta-da-china
Paulo Varela Gomes – Hotel, tinta-da-china
Luís Filipe de Castro Mendes – A Misericórdia dos Mercados, Assírio & Alvim
Daniela Arbex – Holocausto Brasileiro, Guerra e Paz
Giorgio Agamben – A Potência do Pensamento, Relógio d’ Água
Paulo da Costa Domingos - «Voici la poésie ce matin et pour la prose il y a les jornaux », Averno

terça-feira, dezembro 31, 2013

LIVROS EM 2013

Aqui fica uma selecção de livros lidos em 2013.

A Cura, Pedro Eiras, Quidnovi
O Verão de 2012, Paulo Varela Gomes, Tinta da China
Desobediência, Eduardo Pitta, Dom Quixote
Viagem a Tralalá, Wladimir Kaminer, Tinta da China
Pássaros na Boca, Samanta Schweblin, Cavalo de Ferro
UTZ, Bruce Chatwin, Quetzal
Em Busca da Idade Média, Jacques Le Goff, Teorema
Mais um Dia de Vida, R. Kapuscinski, Tinta da China
Sono, Haruki Murukami, Casa das Letras
Apanhar Ar, Adília Lopes, Averno

Para além destes livros 10 livros, de que 6 foram publicados em 2013, há a registar a publicação de dois grandes livros: Ulisses de James Joyce, numa nova tradução de Jorge Vaz de Carvalho, editada pela Relógio d' Água; e de Gonçalo M. Tavares mais um objecto literário inovador: Atlas do Corpo e da Imaginação (Caminho). Para além destes livros pesados, em vários sentidos, registe-se mais um livro de Ana Teresa Pereira - As longas tarde de chuva em Nova Orleães (Relógio d' Água).
Quanto ao resto, no espaço literário, continuou-se a escavar (uma metáfora utilizada por José Sócrates no seu comentário dominical). E esse escavar significa um cada vez maior ódio ao livro por parte de quem o comercializa. O estúpido Acordo Ortográfico tem sido adoptado por cada vez mais editoras. Não se percebe. Para além de uma enorme confusão o AO mostra a subserviência de Portugal perante os PALOP. Mas neste caso, como no da política, o bom aluno fica sozinho. Os PALOP´s, especialmente o Brasil ainda não adoptaram este (des)acordo.

segunda-feira, dezembro 31, 2012

LIVROS EM 2012


Crise. Para além da realidade social, incontornável, provocada por um governo que é o pior depois do fim do Estado Novo, a palavra crise e o discurso em volta dela criam ainda mais crise. Como disse W. Burroughs, a linguagem é um vírus. 2012 terá sido o ano em que este governo de canalhas pôs em prática o processo de aniquilamento de Portugal. No que respeita ao mundo literário a crise não terá sido tão evidente – o demissionário secretário de estado da cultura, o escritor, jornalista e editor Francisco José Viegas, colocou a salvo o livro (e os seus livros) de uma maior taxa de IVA.

O que é perceptível é que o comércio do livro é cada vez mais governado pelas leis de um capitalismo selvagem; que os actores deste comércio são agora grupos que aglutinam um número grande de editoras; que esses grupos e quem está na sua chefia nada têm a ver com o mundo literário, restando algumas editoras e editores independentes. Nada disto é novo. O que este ano apareceu como novo é a desistência de grandes grupos em relação ao livro em papel. Assim, é possível ver como nas lojas Fnac que a preocupação não é o livro mas a venda de espaço a editoras, a venda de leitores de e-books e mesmo de artigos de papelaria. Parece aliás existir um ódio ao livro, cuja rotação é permanente. Cada vez há menos livros nas livrarias e as próprias editoras – as dos grandes grupos – encarregam-se de guilhotinar livros dos seus fundos editoriais. Tudo isto resulta num enorme empobrecimento. A Amazon parece já não ter livros nos seus armazéns (pelo menos a Amazon.es): os livros em papel são vendidos por outras livrarias e o destaque vai para os e-books. Parece que se abre o caminho desenhado por Ray Bradbury (que morreu este ano) no seu romance de ficção-científica Fahrenheit 451.

O que se publicou este ano em Portugal não pode ser desligado das notas anteriores. O best-seller do ano foi marcado pelo erotismo para donas de casa com As Cinquenta Sombras de Grey (ed. Lua de Papel) – por cá foram vendidos 120 mil exemplares, o que mostra o poder do marketing editorial. Foi também o ano em que um engenheiro desempregado, João Ricardo Pedro, ganhou o Prémio Leya com o seu romance de estreia, O Teu Rosto Será o Último –, um exemplo para o discurso do primeiro-ministro. Quem tomou uma atitude política e ética em relação à política de Passos Coelho foi Maria Teresa Horta ao recusar receber das mãos deste o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus pelo romance As Luzes de Leonor. A política não andou desligada do livro e a polémica em volta da História de Portugal, coordenada por Rui Ramos, que o Expresso distribuiu em fascículos durante o verão, foi mais uma evidência disso. Essa polémica, iniciada por Manuel Loof, permitiu realçar como Rui Ramos procedeu a um branqueamento da política do Estado Novo e quem apoiou ou se opôs a esse branqueamento.

Já no final do ano o Prémio Pessoa foi atribuído a um pessoano – Richard Zenith, que há quase duas décadas se ocupa da obra sempre inacabada de Pessoa. Este ano Richard Zenith editou com Fernando Cabral Martins uma Teoria da Heteronímia, volume de cerca de 400 páginas onde se recolhem os textos que Pessoa escreveu em volta deste tema, além de uma “tábua de heterónimos”. Este livro, a que se podem juntar outros como a Prosa de Álvaro de Campos, editado pela Ática, fazem parte da incomensurável bibliografia de Fernando Pessoa. A Teoria da Heteronímia foi editada pela Assírio & Alvim, que há mais de uma década edita Pessoa, mas em 2012 a editora de que foi mentor Manuel Hermínio Monteiro, e depois da morte deste Manuel Rosa, passou definitivamente para o grupo Porto Editora, sendo o editor responsável Manuel Alberto Valente. Embora a PE respeite o grafismo e a linha editorial, a verdade é que se perdeu uma das principais editoras independentes. Em resposta, Aníbal Fernandes lançou uma nova editora, a Sistema Solar, e Manuel Rosa a Documenta, editora de livros de arte e sobre arte.  É das editoras independentes que chegam os livros que interessam, editoras como a Relógio d’ Água que entre os livros que publicou em 2012 destaco os Contos Escolhidos de Carson McCullers com tradução e escolha de Ana Teresa Pereira. A mesma Ana Teresa Pereira que venceu – finalmente – o Grande Prémio de Romance e Novela da APE pela narrativa O Lago, e este ano publicou Num Lugar Solitário, livro reescrito, cuja primeira edição data de 1996.

É nas micro editoras que se vai encontrar grande parte da poesia que se edita. Averno, Língua Morta, mas também Mariposa Azual, Artefacto, 7 Nós, a “velhinha” & etc, a artesanal 50 kg ou a Opera Omnia. Nesta última editora reunião Carlos Poças Falcão vinte e cinco anos de produção poética em Arte Nenhuma (Poesia 1987-2012). O livro, embora editado numa editora com pouca visibilidade, resgata uma das principais vozes poéticas dos últimos 25 anos – repare-se, por exemplo, num livro como Três Ritos. Entre os livros publicados pela Averno para este natal, destaque-se, além do nº 17 da revista Telhados de Vidro, o volume colectivo Nós, Desconhecidos e um livro que reúne ensaios de Manuel de Freitas, Pedacinhos de Ossos. No ano da morte de Manuel António Pina, ficam dois nomes editados pela Mariposa Azual, ainda para averiguar da sua qualidade: Susana Araújo com Dívida Soberana e Raquel Nobre Guerra com Broto Sato.

Se estes livros são difíceis de encontrar nas livrarias, no que toca ao ensaio passa-se algo de semelhante. Que o volume A Mecânica dos Fluidos/ A Noite do Mundo, reedição das obras completas de Eduardo Prado Coelho pela INCM, não tenha aparecido nas livrarias é sintomático desse ódio aos livros que se instala entre pretensos vendedores dos mesmos.

Por último a questão do acordo (desacordo) ortográfico: em 2012 aumentou o número de editoras que adoptaram o AO. No entanto, o Brasil ainda recentemente congelou por 3 anos a entrada em vigor (legislativa) do acordo. Portanto é cada vez mais notório que o acordo não agrada a ninguém.

 

A=

Contos Escolhidos, Carson McCullers, Relógio d’ Água

Arte Nenhuma, Carlos Poças Falcão, Opera Omnia

E a Noite Roda, Alexandra Lucas Coelho, Tinta da China

Uma pequena História da Filosofia, Nigel Warburton, Edições 70

A Terceira Miséria, Hélia Correia, Relógio d’ Água

Os Primos da América, Ferreira Fernandes, Tinta da China

 

B=

As Armas Imprecisas, António Ramos Rosa, Afrontamento

As Damas do Século XII (vol. 3), Georges Duby, Teorema

Una Novelita Lumpen, Roberto Bolaño, Anagrama

Cicatriz 100%, Inês Lourenço,

Sobre os Sonhos, S. Freud, Texto Editora

 

C=

O Teu Rosto Será o Último, João Ricardo Pedro, LeYa

Pedacinhos de Ossos, Manuel de Freitas, Averno

Telhados de Vidro /17, VV AA, Averno

Nós, Os Desconhecidos, VV AA, Averno

Teoria da Heteronímia, Fernando Pessoa, Assírio & Alvim

Dívida Soberana, Susana Araújo, Mariposa Azual

Broto Sato, Raquel Nobre Guerra, Mariposa Azual

Quem Paga o Estado Social em Portugal, Raquel Varela (org), Bertrand Editora

Mecânica dos Fluidos / A Noite do Mundo, Eduardo Prado Coelho, INCM
 
A- Livros publicados e lidos em 2012 (selecção).
B- Livros lidos em 2012, publicados noutros anos (selecção).
C- Livros publicados em Portugal em 2012 e que poderia ter lido se.

 

 

segunda-feira, janeiro 02, 2012

LIVROS DE 2011


A=
O Pintor Debaixo do Guarda-loiça, Afonso Cruz, Caminho
Vim Porque me Pagavam, Golgona Anghel, Mariposa Azual
A Pantera, Ana Teresa Pereira, Relógio d’ Água
A Felicidade no Crime, Barbey D´ Aurevilly, Assírio & Alvim
Vida: Variações, Bénédicte Houart, Cotovia

B=
O Conformista, Alberto Moravia, Público
Romance Sujo, João Urbano, UR
Doutor Avalanche, Rui Manuel Amaral, Angelus Novus
O Filho do Lobo e outros contos, Jack London, Estrofe & Versos
S. Bernardo, Graciliano Ramos, Cotovia

C=
Almanaque do F. C. do Porto, Rui Miguel Tovar, Caderno
Contos Completos, Gabriel Garcia Marquez, Dom Quixote
O Colosso de Maroussi, Henry Miller, Tinta da China
Poesia Completa, Manoel de Barros, Caminho
O Lago, Ana Teresa Pereira, Relógio d´Água
Contos Escolhidos, Guy de Maupassant, Dom Quixote
Ferdydurke, Witold Gombrowicz, 7 Nós
Correr, Jean Echenoz, Cavalo de Ferro
Auto-de-Fé, Elias Canetti, Cavalo de Ferro
Tiago Veiga - Uma Biografia, Mário Cláudio, Dom Quixote
Liberdade, Jonathan Franzen, Dom Quixote
Uma Mentira Mil Vezes Repetida, Manuel Jorge Marmelo, Quetzal
Nervo, Diogo Vaz Pinto, Averno
Histórias de Imagens, Robert Walser, Cotovia

A – livros publicados em 2011 e lidos em 2011.
B – livros lidos em 2011, publicados noutros anos.
C - livros publicados em 2011, em Portugal, que não li mas poderia ter lido se.

quinta-feira, dezembro 30, 2010

LIVROS EM 2010.


UMA LISTA*

- Nudez, Giorgio Agamben, Relógio d’ Água
- Inverness, Ana Teresa Pereira, Relógio d’ Água
- Que se diga que vi como a faca corta, Miguel Cardoso, Mariposa Azual
- O Nascimento da Filosofia, Giorgio Colli, Edições 70
- A Poesia Ensina a Cair, Eduardo Prado Coelho
- Matteo Perdeu o Emprego, Gonçalo M. Tavares, Porto Editora
- Mulher ao Mar, Margarida Vale de Gato, Mariposa Azual
- Viva México, Alexandra Lucas Coelho, Tinta da China
- Poemas com Cinema, Org. de Joana Matos Frias, Luís Miguel Queirós e Rosa Maria Martelo, Assírio & Alvim

* Esta lista corresponde a livros que li em 2010, editados neste mesmo ano, em Portugal.

UMA SÍNTESE

No ano em que morreu José Saramago, Gonçalo M. Tavares consolidou-se como um “valor” da literatura portuguesa – premiado em França, publicou três livros: Uma Viagem à Índia, Eliot e as Conferências (ambos editados pela Caminho) e Matteo Perdeu o Emprego (vergonhosamente editado pela Porto Editora que, numa lógica de merceeiro estúpido, colou nas capas um autocolante a prometer prémios aos leitores que ligassem para um número de valor acrescentado). Trata-se de uma crescente mercantilização do objecto livro que a consolidação de uma lógica de grupos (Leya, Porto Editora, Fnac) equipara a gadgets como telemóveis, tablets, computadores, plasmas, etc, - veja-se os “catálogos” de sugestões elaborados pela Fnac, Leitura-Bulhosa, Bertrand. Nem as livrarias “alternativas” conseguem escapar a esta lógica de mercantilização do livro (a Livraria Latina, do Porto, foi comprada pelo grupo Coimbra Editora e Leya, ficando com o nome mais ridículo que jamais uma livraria terá tido em Portugal: "Leya na CE Latina").
No entanto continuam a existir espaços de resistência. Para além de mais de duas dezenas de boas livrarias “alternativas” espalhadas pelo país, os leitores muito têm a agradecer a editoras como a Assírio & Alvim, a Relógio d’ Água e muitas outras.
A Mariposa Azual é uma destas editoras. Este ano deu a conhecer duas revelações da poesia portuguesa: Margarida Vale de Gato, com Mulher ao Mar, e Miguel Cardoso com Que se diga que vi como a faca corta, título que aponta para um diálogo com Herberto Helder e não só.
É no campo de batalha da poesia que algo de “bombástico” aconteceu: a publicação de Um Toldo Vermelho por Joaquim Manuel Magalhães, livro que faz a excisão e reescrita de toda a poesia do autor de Dois Crepúsculos. E essa reescrita é de tal forma radical que anula por completo o programa poético que J. M. Magalhães esboçou no poema “Princípio” de Os Dias, Pequenos Charcos (1981): o “voltar ao real”. No campo e contra-campo de batalha que tem sido a poesia portuguesa da última década, algo mudou com o livro de Joaquim Manuel Magalhães: um dos grupos perdeu o seu “pai” tutelar (enlouquecido? Farto de ser ama de leite seco?). Certo é que desde 2008 que a poesia portuguesa se tem vindo a renovar – com o livro de Herberto A Faca não Corta o Fogo, com os livros de Miguel-Manso e este ano com Margarida Vale de Gato e Miguel Cardoso.

quinta-feira, novembro 19, 2009

POESIA COM VIDA


O nome de Gastão Cruz (GC), quer como poeta quer como crítico, está associado à poesia e poética dos anos 60. De facto, Gastão Cruz foi um dos poetas que participou na publicação colectiva Poesia 61 que em Maio de 1961 agrupou cinco poetas dos quais para além de GC se destacam Luiza Neto Jorge e Fiama Hasse Pais Brandão. Gastão Cruz tornou-se de certa forma no teórico e defensor de uma determinada poética dos anos 60, assim como Joaquim Manuel Magalhães aparece como o teórico de uma poética que emerge nos anos 70 em conflito com a poética de 60. Deste conflito, que hoje ainda perdura e se renova (veja-se por exemplo o papel desempenhado nesta década por Manuel de Freitas), dá eco este A Vida da Poesia, reunião dos textos críticos do autor de Rua de Portugal, publicados em jornais e revistas entre 1964 e 2008.
Depois das edições de A Poesia Portuguesa Hoje de 1973, a primeira, e de 1999, a segunda, este A Vida da Poesia (que vai buscar o título a um poema de Campânula, livro de 1978) funciona como uma terceira edição, bastante aumentada – em cerca de uma trintena de textos –, dos livros de 73 e 99. Ao longo das quatrocentas páginas deste volume Gastão Cruz insiste em poetas que considera fundamentais para o período pós-pessoano da poesia portuguesa. Carlos de Oliveira, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner Andersen, António Ramos Rosa, Ruy Belo, Herberto Helder, Luiza Neto Jorge, Fiama Hasse Pais Brandão e Luís Miguel Nava figuram como os poetas a que Gastão Cruz dá mais atenção com vários ensaios sobre cada um deles. Mas também por aqui andam António Nobre, José Gomes Ferreira, Adolfo Casais Monteiro, Camões, Pessoa, Edmundo de Bettencourt, João José Cochofel, Sena, Cesariny, O’ Neil, David Mourão-Ferreira, Camilo Pessanha, Fernando Echevarría, João Rui de Sousa, Armando Silva Carvalho, Nuno Guimarães, Nuno Júdice, António Franco Alexandre, Luís Quintais ou ainda dois poetas brasileiros: Carlos Drummond de Andrade e Eucanaã Ferraz. Longa lista, por certo, mas que traça um mapa das influências e preferências de Gastão Cruz.
Esta Vida da Poesia dá-nos um panorama da poesia portuguesa desde os anos 40 até hoje (deixando de lado alguns importantes poetas dos anos 70), elogiando os poetas já citados mas também desferindo críticas na presença, no “voltar ao real” de Joaquim Manuel Magalhães ou nos “poetas sem qualidade” de Manuel de Freitas, ou ainda no jornalismo literário. Ao longo do livro encontramos citações quase obsessivas dos mesmos poemas, livros ou ensaios. E encontramos uma poética alicerçada fundamentalmente na palavra e na imagem. Alguns dos melhores textos deste livro, mais que ensaios são crónicas de encontros, como sucede com um texto sobre Luís Miguel Nava. Não se trata de um livro de ensaios com toda a ganga académica de citações e bibliografia, pelo contrário: na linha de outros livros de poetas sobre poesia, Gastão Cruz despoja-se de qualquer teoria. Aqui só têm lugar os poetas: os seus poemas e as suas leituras. Ou como escreve o autor: “Tentei, nestes textos, dizer alguma coisa sobre poetas que, com a sua auréola, iluminaram a minha existência. Não a tinham perdido, nem creio que a venham a perder: alguns leram-me a sua poesia, ou mostraram-ma, acabada de ser escrita – e, lembro-me bem, uma forte luz irradiava deles” (p. 12). Talvez nos tempos que vivemos, por várias razões, essa luz, essa auréola, se tenha apagado. Mas é a partir dessa luz que o lugar de Gastão Cruz na poesia portuguesa contemporânea, como crítico e poeta, assume um plano ético – quer se concorde ou não com a defesa que faz da sua poética.

Título: A Vida da Poesia – textos críticos reunidos (1964-2008)
Autor: Gastão Cruz
Editor: Assírio & Alvim
Data: Dezembro de 2008 (distribuído em Janeiro de 2009)
Páginas: 400

terça-feira, dezembro 30, 2008

LIVROS DE 2008


Musil, Pessoa e Herberto Helder marcaram, no campo editorial, o ano que agora finda. De Musil a Dom Quixote deu à estampa, em tradução de João Barrento, esse grande romance (pelo menos no número de páginas) que é O Homem sem Qualidades. Sobre Pessoa, que em finais de 2005 passou a domínio público, e do qual se comemoraram este ano os 120 anos do nascimento, foram lançadas uma série de edições importantes e monumentais, tal como a obra do poeta. José Blanco publicou na Assírio & Alvim a ciclópica bibliografia Pessoana em dois volumes de mais de mil páginas; em finais de Novembro a editorial Caminho publicou o Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, coordenado por Fernando Cabral Martins e com a colaboração de cerca de 80 especialistas em Pessoa e no Modernismo (quer literário quer nas artes plásticas). Teresa Sobral Cunha publicou, na Relógio d’ Água, a sua versão desse livro maior da literatura portuguesa que é o Livro do Desassossego (recorde-se que esta pessoana participou na edição princeps do Livro, editada em 1982, sob a organização de Jacinto do Prado Coelho). E como a arca de Pessoa parece não ter fundo, Ana Maria Freitas organizou para a Assírio & Alvim as “novelas policiárias” do poeta sob o título Quaresma Decifrador. O ano Pessoano contou ainda com um congresso e um polémico leilão de uma parte do espólio do poeta dos heterónimos.
Se Pessoa é a figura mais importante da literatura portuguesa do século XX, há quem não tenha dúvidas em considerar Herberto Helder como a segunda figura. Ora este ano, e depois de um silêncio de 14 anos, Herberto voltou a publicar um livro com originais. A Faca não Corta o Fogo – súmula & inédita (Assírio & Alvim) terá sido o livro mais procurado do ano, esgotando a tiragem de três mil exemplares numa semana.
Em ano de crise na economia o mercado livreiro e editorial esteve agitado. Paes do Amaral, antigo patrão da TVI, mudou-se para os livros (embora do que goste realmente é de corridas de automóveis) e formou o grupo Leya que adquiriu editoras de peso no mercado livreiro como a Dom Quixote, a Caminho e a Asa. A estratégia agressiva do grupo causou polémica na Feira do Livro. Já no mercado livreiro um mega-projecto de livraria, a Byblos, acabou por falir enquanto a FNAC acabava com os descontos de 10 por cento.
Mas voltemos aos livros publicados em 2008. No que respeita ao romance Maria Velho da Costa publicou Myra (Assírio & Alvim), Mafalda Ivo Cruz apareceu com O Cozinheiro Alemão (Relógio d’ Água), Teresa Veiga, uma autora bastante discreta, publicou o livro de contos Uma Aventura Secreta do Marquês de Bradomín (Cotovia), e continuando com mulheres, Ana Teresa Pereira publicou dois livros: O Fim de Lizzie (BI) e O Verão Selvagem dos Teus Olhos (Relógio d’ Água). Dois mil e oito foi também ano de Saramago e Lobo Antunes. Do Nobel, tivemos A Viagem do Elefante (Caminho), e do pretendente ao Nobel, Arquipélago da Insónia (Dom Quixote).
Na poesia portuguesa, para além do já destacado livro de Herberto Hélder, a colheita não terá sido das piores mas também não foi das melhores. Mesmo assim tivemos Armando Silva Carvalho com O Amante Japonês (Assírio & Alvim), Nuno Júdice com A Matéria do Poema (Dom Quixote), Luís Quintais com Mais Espesso que a Água (Cotovia), Manuel Gusmão com A Terceira Mão, o regresso que se saúda de Fátima Maldonado com Vida Extenuada (& etc) ou ainda a consolidação de um novo nome para a poesia portuguesa do século XXI: Bénédicte Houart com Vida: Variações (Cotovia). E, já agora a referência a três revistas: a Telhados de Vidro, que fez cinco anos de uma cuidada e criteriosa publicação, a Relâmpago que preserva a memória de Luís Miguel Nava dedicando números bi-anuais a alguns dos maiores poetas portugueses e também a temáticas relacionadas com a poesia, e a Criatura, revista que revelou novos poetas. Na poesia traduzida assinale-se o trabalho que a Cotovia vem fazendo (a editora de André Jorge comemorou este ano 20 anos de actividade) na tradução de clássicos – desta vez Pedro Braga Falcão traduziu as Odes de Horácio.
Na ficção traduzida, e para além do já referido Homem Sem Qualidades, há uma série de autores a referir, muitos dos quais foram alvo de destaque da cada vez mais parca imprensa literária portuguesa. Julio Cortázar com Rayuela (Cavalo de Ferro), Roberto Bolaño com Os Detectives Selvagens (Teorema), ou ainda, para continuarmos no mesmo idioma, Bomarzo do argentino Manuel Mujica Lainez foram alguns dos autores mais festejados pelo jornalismo cultural que se vai fazendo por cá. Mas também houve, entre muitos outros, dois livros de Thomas BernhardCorrecção (Fim de Século) e Árvores Abatidas (Assírio) – e mais de Robert Walser, Histórias de Amor (Relógio d’ Água), livro de micro-narrativas ou micro-ficção num ano em que se publicou a Primeira Antologia de Micro-Ficção Portuguesa (Exudus) resultado, em parte, da blogosfera.
E para terminar, ou quase, o ensaio. Do que me lembro e do que constato por outros balanços, o ensaio (reunindo neste grupo livros de filosofia, ciências sociais, etc) tem vindo a perder terreno no mercado editorial. Refiro apenas dois títulos: Mil Planaltos de Gilles Deleuze e Félix Guatarri (Assírio & Alvim) e Camaradas – uma história mundial do comunismo de Robert Service (Europa-América). E lembro-me agora dois livros de George Steiner e um de Harold Bloom, Onde Está a Sabedoria (Relógio d’ Água).
Esta tentativa de fazer o balanço dos livros que se publicaram em 2008 é, como todos os balanços, imcompleta. Haveria muito mais para dizer, outros livros para acrescentar a esta já longa lista.










sexta-feira, agosto 29, 2008

COPY & PASTE (1) - A. Guerreiro sobre Agamben


Para percebermos o alcance deste ensaio de Agamben [Bartleby - escrita da potência], devemo-nos referir a um dos seus conceitos mais recentes: o de «inoperosità», inoperância, o processo que consiste em desactivar a obra, seja ela humana ou divina, Não se trata de uma inacção, mas da actividade de desactivar. Isso é, no fundo, o que faz a poesia, que desactiva a linguagem da comunicação; e esse é também o dispositivo ético que Agamben propõe para tornar inoperantes as operações da máquina despolitizada da economia do poder. A inoperância, diz algures Agamben, é a substância política do Ocidente. Só ela é capaz de restituir a linguagem de que fomos expropriados. Bartleby, com a sua fórmula, é a figura dessa restituição.

António Guerreiro, "A potência da linguagem", excerto da recensão a Bartleby - escrita da potência de Giorgio Agamben, Expresso-Actual de 23.08.2008, p. 26

domingo, maio 11, 2008

JEAN-JACQUES ROUSSEAU E OS LIVROS


Uma mulher chamada Tribu, que era famosa pelo aluguer de livros, fornecia-mos de todos os tipos. Bom e mau, tudo era admitido; eu nunca escolhia e devorava tudo com a mesma avidez. Lia no escritório, lia na rua, quando me mandavam a algum lado, lia na casa de banho, horas inteiras, esquecendo-me de tudo; não fazia mais do que ler, e tanto lia que a cabeça me andava à roda. O meu patrão vigiava-me, apanhava-me, sovava-me e apoderava-se dos livros. Quantos volumes foram destruídos, queimados ou atirados pela janela! Quantas obras ficaram incompletas na loja da Tribu! Quando não dispunha de outra coisa, pagava-os com camisas, gravatas, e roupas e todos os domingos, sem falhar um, entregava-lhe os três soldos que me davam como gorjeta.


Jean-Jacques Rousseau, Confissões, Livro Primeiro.

quarta-feira, dezembro 27, 2006

O ESTADO DOS LIVROS: A EDIÇÃO EM 2006


O que há para dizer sobre a edição de livros no ano que está a terminar não é nada de substancialmente novo em relação ao que tem vindo a acontecer de há uns anos para cá. As tendências de uma literatura light de que o nome de Margarida Rebelo Pinto é apenas uma metonímia; uma outra literatura, que se está a tornar num género, também de caracteristicas light que anda em volta do sucesso de O Código d' Vinci a par com livros sobre sexo e romances de vedetas de televisão (por exemplo Fátima Lopes apresentadora do programa da manhã da SIC) enchem os escaparates das FNAC's e Bertrand's, num processo de democratização da leitura e da escrita com todas as consequências que isso implica, sendo a mais importante delas o relegar para as prateleiras dos livros realmente importantes, aqueles que foram escritos por autores (Duras, Beckett, Bernhard, Llansol, Rui Nunes, Tolentino de Mendonça, etc, exemplos ao acaso do que são autores).
Se por um lado a abertura de lojas como a FNAC tem vindo a democratizar a leitura, permitindo que um público mais vasto tenha acesso ao livro (daí a existência de editoras como a Oficina do Livro - este ano comprada por uma sociedade de investimentos financeiros de alto risco - que se baseam na publicação de livros de figuras públicas) por outro esta democratização torna o livro em mais um produto da indústria de conteúdos, da indústria cultural, onde é dessacralizado, ficando entregue à mesma lógica das telenovelas. Ou seja, assim como as televisões generalistas já não têm espaço para passar cinema de autor, também os grandes espaços de venda de livros, os mais frequentados, e algumas editoras começam a não ter espaço para os verdadeiros autores. Que os escaparates das Bertrand's e Fnac's são ocupados por lixo não era novidade, mas talvez o seja o facto de Armando Silva Carvaho e Maria Velho da Costa, autores que normalmente eram publicados pela Dom Quixote terem publicado o seu Livro do Meio na Caminho, enquanto a editora dirigida agora por Teresa Coelho publicava a denúncia, em estílo de vingança kitsh, do mundo mafioso do futebol por Carolina Salgado. Convenhamos que Eu, Carolina é um livro que em nada prestigia os pergaminhos de uma das principais editoras portuguesas (agora em mãos espanholas), embora para quem estivesse atento aos escaparates das livrarias nos últimos tempos não constitua uma surpresa.
Ficam, no entanto, os resistentes desta lógica mercantil do livro (que nem sequer é nova na história): editoras como a Assírio & Alvim, a Relógio d' Água, Cotovia, Quasi ou as mais "marginais" Frenesi, & etc, Fenda, Vendaval, Black Sun. E também as livrarias de que se destaca a reabertura da Ler Devagar em Lisboa ou, no Porto, para além da Leitura (em decadência) e Latina, a Utopia, a Pulga e a Poetria. Quanto ao livros publicados em 2006, serão objecto de um outro post.

domingo, novembro 19, 2006

A AGONIA DO JORNALISMO


A SIC transmitiu em 2001 algo a que chamou reportagem e que na altura foi inserido num espaço informativo. Consistia essa alegada reportagem em fechar um toxicodependente, de nome Pedro, num apartamento onde estavam colacadas câmaras que filmaram a ressaca a que o "jornalista" João Ferreira chamou Agonia. Deste vómito jornalístico fazia parte o psiquiatra Goulão, especialista em tratamento de toxicodependentes, que na boa tradição do sadismo psiquiatrico se responsabilizou (?) por este tratamento de choque. É necessário dizer que em 2001 a televisão portuguesa estava a enfrentar a tv realidade com o Big Brother, grande sucesso de audências da TVI, que liquidou a liderança da SIC. O programa, na altura foi transmitido em horário nobre, em plena concorrência com o Big Brother da TVI. Toda a gente ficou muito sensibilizada e emocionada com esta "grande reportagem", a começar pelo presidente da república de então, Sampaio, que recebeu Pedro, Goulão e Ferreira. Mais tarde, aproveitando o sucesso da "reportagem", João Ferreira escreveu um livro, Agonia: Uma Lição de Vida, editado por essa fábrica de lixo literário de tudo quanto é gente que aparece na televisão que é a Oficina do Livro. Adiante. Ontem a SIC estreou um programa de título Perdidos e Achados que, apresentado pela jornalista Sofia Pinto Coelho, pretende ir repescar reportagens e notícias transmitidas pela SIC e saber o que é feito desses casos. Sem vergonha, os responsáveis pela informação da SIC escolheram precisamente essa alegada reportagem para primeira emissão. Tratava-se agora de saber o que tinha acontecido à vida de Pedro, seis anos depois de ter sido submetido a um ultrajante tratamento médico-mediático (a TVI estreou sexta-feira um outro reality-show médico, Dr. Preciso de ajuda, para mudar o aspecto físico das concorrentes que não podem pagar cirurgias plásticas). Vários tem sido os atropelos, em cerca de 15 anos de televisão privada, à deontologia e ética do jornalismo televisivo, mas esta "reportagem", agora repescada, terá sido das maiores fraudes jornalisticas. E fraude porquê? Porque não se tratava de uma reportagem mas sim de um programa concorrente do Big Brother com o descaramento de se entítular de jornalismo. Se no canal que foi de inspiração cristã, 12 pessoas alienavam a sua privacidade em busca de fama e dinheiro, na SIC o dr. Goulão e o sr. Ferreira inauguravam um novo tipo de tratamento da toxicodependência: um jovem, só, num apartamento ressacava, sem ajuda médica, mas com o olho do Big Brother, ou seja, neste caso os televoyeuristas que assistiam a uma cerimonia de exorcismo dessa coisa que nem psiquiatras nem jornalistas querem explicar que é a dependência de qualquer substância (seja o vinho, o tabaco, a heroína ou um psicofármaco) e que no caso das drogas ilegais é diabolizada. Não duvido que Pedro tenha deixado as drogas, mas questiono: se este "tratamento" foi tão eficaz porque não o repetir? E, afinal, como estão a ser tratadas as outras dezenas ou centenas de toxicodependentes em Portugal? O que pensam os médicos, os toxicodependentes, a população em geral? E a troca de seringas nas prisões? E o tráfico de droga? São estas, pelo menos algumas das questões que um jornalista deve tentar responder numa reportagem sobre a droga.