
Anselm Jappe, Guy Debord, Antigona, 2008, p. 120
Meridith Monk esteve no passado sábado em Lisboa, onde deu um concerto. Aqui fica um excerto do seu "grito" e outro excerto da crítica de João Bonifácio no Público de hoje.
O trabalho de Meredith Monk centra-se essencialmente no significado primordial da linguagem. Se antes de os homens "aprenderem" uma linguagem falada comunicavam por sons (que serviam de aviso, chamada, etc.), Monk faz numa "canção" o caminho oposto: parte de uma palavra para chegar a um som. Pega numa palavra, divide-a silabicamente, repete um fonema e torce-o e retorce-o em termos de amplitude vocal e extensão, tornando-a dúctil, como se se tratasse de uma criança a experimentar palavras, ainda antes de perceber que uma palavra é uma representação e que por baixo de uma palavra há uma emoção.
sugiro o verão para as grandes metáforas do saber
as intermináveis certezas de um só dia apavoradas
p'lo cair da tarde em meio do labirinto
à hora em que desperta o minotauro e o cio enreda
cada frase em mil projectos de minúcia
á beira ti o verso é mais precário e o tempo
das falésias se desprende em símbolos antiquíssimos
desfaz a teia de penélopes traindo enquanto esperam
outros rumos nos incautos remos do dizer
e se eu disser que os peixes se dissolvem
no azul inclino a fala para outras
mais subtis razões que o vinho ou a quimera esquecem
no bater de cada sílaba e no susto que a percorre
in A Herança de Holderlin, Assírio & Alvim, 1978, pp. 15-16
Diogo Pires Aurélio nasceu em 1946. É professor universitário de filosofia e ensaista. A Herança de Holderlin é o seu único livro de poesia. Em 1984 publicou um livro de crítica literária, O Próprio Dizer (IN-CM, col. Plural).