No início deste século, e nos anos
posteriores, o sector bancário era dos que mais investia em publicidade nos
meios de comunicação social. Existia crédito para tudo, e os clientes dos
bancos quase eram forçados a contrair crédito. A banca vivia à fartazana dos
lucros dos créditos que tinha imposto às pessoas. E a economia não ia mal. Eram
ainda tempos de vacas gordas. Mas sobretudo importa sublinhar que nesses tempos
os bancos, através da concessão de crédito para compra de casa, carro, ou
outros tipos de consumo, se foram apoderando da vida das pessoas.
Foi algo que aconteceu não só em Portugal mas
em quase todos os países capitalistas, a começar, naturalmente, pelos Estados
Unidos. Desta forma selvagem de concessão de crédito, mas também de criar
agressivos produtos bancários, nasceu a crise do sub-prime com a consequente falência
do banco de investimentos Lemham Brothers. Iniciou-se, em 2008, a crise
financeira.
Durante o período pré e pós-crise, os
banqueiros cometeram todo o tipo de atropelos legais (para não falar dos
éticos) que puseram em causa a sustentabilidade dos bancos por eles geridos. É
assim que o BPN vai falir, ao qual se vão juntar o BPP, o BES (tido como um dos
principais bancos portugueses e o mais antigo), o Banif… A lista pode não
acabar aqui. Todo o sistema bancário ficou abalado. Mas o fundamental disto
tudo é que quem pagou a factura de toda esta malvadez e incompetência foram os
contribuintes. Em Dezembro de 2015 o Diário de Notícias estimava em 13 mil
milhões de euros (7,3 por cento do PIB) o dinheiro que o Estado português (ou
seja, os portugueses) deu para salvar bancos. O período contabilizado vai de
2007 a 2015, e o valor já terá aumentado com a recapitalização da CGD.
Neste antro de crimes em que se envolveram os
banqueiros, apenas um esteve em prisão: Oliveira e Costa presidente do BPN,
onde avultavam ex-ministros de governos de Cavaco Silva. Alguns, como Dias
Loureiro, desapareceram de circulação, outros foram constituídos arguidos, como
o “Dono Disto Tudo” Ricardo Salgado, que o máximo que teve foi prisão
domiciliária. Estranha-se que os mesmos juízes que prendem políticos preventivamente
por indícios, sejam tão brandos quando se trata de banqueiros.
***
Alguém me contava que por volta de 1950 (?),
um homem rico, o que então era designado como proprietário rural, ao morrer,
tinha em casa 4 mil contos. Para a época era bastante dinheiro. É claro que já
existiam bancos, mas o dinheiro que passava por eles era em muito menor escala
(percentual) ao que acontece hoje: para quê ter o dinheiro num banco? Hoje toda
a economia, mesmo a economia paralela, passa pelos bancos. As pessoas vivem, de
certo modo sem consciência disso, reféns dos bancos. O ordenado de um
trabalhador – quer seja o salário mínimo ou o do gestor de uma empresa – passa
pela banca. E no entanto, neste momento, não há razão para as pessoas terem
dinheiro no banco (com excepção das grandes fortunas): os bancos aumentaram as
comissões que constituem 40 por cento do seu rendimento e os juros estão a
zero. Se a banca não serve para emprestar dinheiro, em condições razoáveis,
quando as pessoas precisam, nem para obter ganhos através de poupanças, para
que serve a banca? Porque não começar a pensar em extinguir a banca como
programa político? Ou, pelo menos, estabelecer um caderno de encargos que se os
bancos não os cumprissem implicariam a sua passagem para o Estado ou a sua
extinção.
Porque, o que a banca fez nos últimos anos
foi destruir a vida de milhares de pessoas. Pessoas que alinharam no canto da
sereia do marketing bancário, pessoas que de facto precisavam de uma habitação
com dignidade, tal como a nossa Constituição estabelece. Pessoas que de repente
ficaram sem emprego, na cavalgada da crise pela ideologia do capitalismo
selvagem neoliberal. Pessoas que deixaram de puder pagar a prestação da casa
(ou de outros bens) ao banco, e que de repente ficaram sem casa. Curiosamente,
ou talvez não, dessas vítimas da crise não houve notícia, nem reportagens nos meios
de comunicação social. Enfim, destas vítimas dos bancos e da finança
internacional que atacou Portugal e o sul da Europa, não há ainda uma narrativa
– jornalística ou literária ou fílmica –, como as Vinhas da Ira de Steinbeck,
entre outras narrativas, para a grande depressão de 1929.
Eis o duplo crime da escumalha banqueira:
arruinar os bancos que geriam levando a que os contribuintes, através do
Estado, dessem quantias astronómicas para salvar esses bancos; levar ao
desespero, à miséria, à depressão, ao sem-abrigo milhares de pessoas. E tudo
isto feito impunemente, com a subserviência da política perante a banca.