sexta-feira, agosto 01, 2008

FERNANDO GUERREIRO


AS CINZAS DE LENINE

Será desculpável a facilitação do discurso? A ligeireza
com que as águias passam, deixando cair as suas penas
sobre as acabrunhadas raízes (e ruínas) do absoluto?!
A partir de que ponto se altera (perde) o pensamento?
Quantas vezes é preciso repeti-lo até ele se constituir
como um símbolo capaz de assolar o futuro? Marx refere-se
ao «espectro do comunismo» (no Manifesto, em 1847) e tanto
para Burke (Reflections) como para Michelet (Le Peuple)
o fantasma da História reveste a forma de uma sanguinária
Medusa. Mas era verdadeiro o seu Terror face ao que ante
os seus olhos acontecia: o abismo que tornava o raciocínio
sempre inconcluso. Da mesma forma, as cinzas da Revolução
o nosso imaginário ainda perturbam. Putrefacta, seria mais
acessível à repulsa? É neve, neve, que o cérebro nos atulha,
enquanto lá fora os pássaros voam baixo, à procura
das sementes que nos resguardem do futuro.

Fernando Guerreiro, Toeria da Revolução, Angelus Novus Editora, 2000, p.31

segunda-feira, julho 28, 2008

O GRANDE SILÊNCIO PELAS VÍTIMAS DO COMUNISMO


Leio a introdução de José Pacheco Pereira à obra de Marx, editada na colecção "os grandes filósofos", e reparo que JPP se esqueceu de uma das mais importantes consequências do pensamento de Marx: as inúmeras, incontáveis (?) vitimas dos regimes comunistas por todo o mundo. Na União Soviética, com o Gulag que provocou milhões de mortos, certamente mais que o número de mortos vitimados pelo Holocausto, mas também nos restantes países da Europa de leste comunista; nas inumeráveis guerras em África onde após as independências se confrontavam guerrilhas pró soviéticas contra guerrilhas pró americanas (veja-se o caso de Angola ou Moçambique); na china de Mao Tsé-Tung (ou Mao Zedong) com a sua Revolução Cultural; no Cambodja do sanguinário Pol Pot …. O rol de pulhas que encarceraram, torturaram e mataram em nome do fim da exploração do homem pelo homem, de uma sociedade mais justa, sem classes, e de outros ideais tão nobres é extenso. Tão extenso como secreto. Como se o facto de serem sanguinários marxistas os tornasse menos sanguinários, menos criminosos, porque bem vistas as coisas esses monstros como o camarada Estaline ou Ceausescu apenas buscavam a felicidade do Homem na terra.
Espanta-me toda essa condescendência para com os carniceiros comunistas e espanta-me, também, que aqueles que de certo modo os representam assobiem para o lado como se nada se tivesse passado. Está neste caso o PCP. O Partido Comunista Português tem, pela sua base de apoio, uma importância sociológica mas também política, uma vez que não pode alcançar o poder (sendo assim um partido benévolo). No entanto, o partido vive autista perante a derrota política do comunismo no mundo, bem como perante as atrocidades cometidas pelos regimes comunistas, actuando internamente como se fosse um pequeno PCUS (o finado Partido Comunista da União Soviética), expulsando os membros que colocam em causa a orientação do comité central. Mas o que espanta é que os dirigentes do PCP não façam um mea culpa pelos horrores do comunismo. Podem dizer que não têm nada que ver com isso, mas têm, pelo menos pela ligação estreita que existiu entre o PCP e o PCUS e outros partidos e organizações comunistas (ainda hoje as FARC estão presentes na festa do Avante).
No fundo, é como se todos aqueles milhões de mortos fossem justificáveis por uma razão maior (o materialismo científico). Mas nem essa razão maior existe, nem – se acaso existisse – justificaria tantas e tantas vítimas. Quanto ao capitalismo, esse só ganhou com a barbárie marxista.

sexta-feira, julho 25, 2008

LEONORA CARRINGTON





Leonora Carrington nasceu na Inglaterra, em 1917, tendo passado parte da sua vida no México e nos Estados Unidos.Pintora surrealista e escritora, dela foi traduzido para português o relato de uma experiência de loucura, Em Baixo (Black Sun Editores, 1990).

segunda-feira, julho 21, 2008

BIG BROTHER, 7


Virtualmente, já é possível a uma qualquer polícia reconstituir tudo o que fiz ao longo do dia. Mesmo sem ter de recorrer a escutas nem colocar um agente a seguir-me. Apenas cruzando informação presente em computadores a que pode ter acesso quando desejar, bastando cumprir um mínimo de exigências legais.
(...)
A partir do próximo ano, o nosso querido Estado, se a lei passar o teste de onstitucionalidade, pode passar a saber por onde anda o meu carro, a que volecidade se deslocou entre dois "sensores", onde o deixei estacionado, quem nele viajava (basta cruzar as informações do chip da matrícula com as dos telemóveis) e uma quantidade de outras coisas que fazem parte da intimidade de cada cidadão.
Faltará passar do chip na matrícula para o chip subcutâneo, altura em que o Estado me poderá prestar, com a maior eficiência, uma enorme quantidade de serviços com enormes vantagens económicas. No chip subcutâneo pode estar tudo: os meus dados de identidade, a minha história civil, todos os registos médicos, os meus dados fiscais, porventura uma boa parte do que estiver em todas as outras bases de dados. E nem será muito difícil desenvolver a geringonça, pois já há chips para cães.

José Manuel Fernandes, Um dia vamos estar todos "chipados". Como cães ou ovelhas, editorial do Público de 21-07-08

sábado, julho 19, 2008

MANUEL FERNANDO GONÇALVES


(foto respigada daqui)

Quantos shekel de prata
custa o campo de efron
e a protecção de javé?
Que memórias guardarei aqui
de nemrod e da minha babilónia
se já corri todo o oriente
e sobre as costas me pesou
o cutelo e o sangue me ferveu
junto ao carvalho de moré?
Morei em gerara meu amo
e fui amigo dos reis
e mais forte que os reis
lá cavei sete poços
e ver não vi mais
do que os poetas diziam:
difícil é ler os poetas
o maior deles
dentre alguns que julgo
conhecer não escreve
outro dos mais astutos
é escravo de rebeca
e mal se atreve a falar
Meus filhos partiram
e a melhor das mulheres
minha amiga inquieta
indicou-lhes a porta dos inimigos
Bem posso sentir o vento da tarde
e o calor dos desertos sei
que as mulheres se arranjam
e tremem à hora certa
que das fontes tiram àgua
Mas onde repousas
senhor ansioso e belo
dos retratos?

Manuel Fernando Gonçalves, Isaac, IN-CM/Gota de Água, col. Plural, 1985, p. 16.

terça-feira, julho 15, 2008

FÁTIMA MALDONADO DIXIT


Por motivo da saída do seu último livro, Vida Extenuada (& etc), Fátima Maldonado foi entrevistada pelo jornalista da Lusa Raul M. Marques. A entrevista foi publicada na edição de ontem d' O Primeiro de Janeiro. Pela sua acutilância e lucidez reproduzo aqui algumas das afirmações da autora de Cadeias de Transmissão. O texto da entrevista, na integra, pode ser consultado aqui.
[A poesia]pode ser também um agente do caos, testemunha da derrocada ou da incapacidade de viver de rastos. E seguindo por caminhos escusos presenciar o lixo que sobeja, o gelo que derrete, a desorientação do urso, a floresta sangrada, o mal alastrando na rota milenar.

Por que não há-de a poesia infiltrar-se na barbárie e conseguir submetê-la à regra imposta pelo poeta?
Mas acompanhar o nosso tempo não significa beber até às fezes o cálice da televisão, deixar-se embalar pelo Estado ou vestir-se de arlequim. Contrariando a tendência a que alguns, ainda incrédulos, assistem, o escritor deve incomodar não só a língua mas os poderes. Nem ao arrepio do tempo deve temer a alcunha de moralista porque o acto criador que não se confunde com o acto económico protege o sentido da vida, o equilíbrio da terra, o pouco que ainda resta de beleza.

É preciso recusar os compromissos e sermos Heréticos.

[Sobre António Nobre:]Fascina-me a paixão masoquista que concebeu por este paisinho. Nela se banha a toda a hora como se de líquido amniótico se tratasse ou de leite de burra que as nobres romanas adoravam porque lhes amaciava a pele.

Poetas, hoje, como chapéus no filme conhecido, há muitos.
Cada época tem a poesia que merece e a nossa tem bonzos que se farta e inspiração de alto coturno.

A crítica literária é, tanto quanto me apercebo, um produto em extinção.
O Joaquim Magalhães praticou-a a sério, como numa faena o diestro, com tudo o que isso implica de risco, de falhanço e desastre. Agora ainda subsiste a contra-corrente pela mão de António Guerreiro, de Manuel de Freitas, de uma ou outra pessoa da geração mais nova.
[Q]uem manda nas redacções não tolera que se diga a verdade sobre uma obra má vinda de um bonzo poderoso. Daí a confusão gerada sobre boa e má literatura, daí os equívocos, os temores e a degradação a que temos de assistir”.

sábado, julho 05, 2008

NUNO JÚDICE


DEMOCRACIA

Fui dar com a democracia embalsamada, como
o cadáver do Lenine, a cheirar a formol e aguarrás,
numa cave da Europa. Despejavam-lhe por cima
unguentos e colónias, queimavam-lhe incensoe
haxixe, rezavam-lhe as obras completas do
Rousseau, do saint-just, do Vítor Hugo, e
o corpo não se mexia. Gritavam-lhe a liberdade,
a igualdade, a fraternidade, e a pobre morta
cheirava a cemitério, como se esperasse
autópsias que não vinham, relatórios, adêenes
que lhe dessem família e descendência. Esperei
que todos saíssem de ao pé dela, espreitei-lhe
o fundo de um olho, e vi que mexia. Peguei-lhe
na mão, pedi-lhe que acordasse, e vi-a tremer
os lábios, dizendo qualquer coisa. Um testamento?
a última verdade do mundo? «Que queres?»,
perguntei-lhe. E ela, quase viva: «Um cigarro!»

Nuno Júdice, A Matéria do Poemas, Dom Quixote, 2008, p. 45

segunda-feira, junho 23, 2008

OSKAR KOKOSCHKA / ANA TERESA PEREIRA



Os quadros que Oskar Kokoschka pintou em Polperro. Um mundo em movimento, nuvens, mar, rochas, casas, barcos de pesca e uma ou duas gaivotas em primeiro plano. O meu pai tinha um álbum de Kokoschka e eu já conhecia os quadros muito antes de os descobrir nas galerias.

Os invernos eram longos e eu passava-os a folhear álbuns de pintura, a ler livros policiais, a desenhar, a ouvir os pescadores contarem histórias de piratas. E a pensar em Lizzie.

(imagem de Oskar Kokoschka, Polperro II; texto de Ana Teresa Pereira, do seu último livro, O Fim de Lizzie, ed. Biblioteca de Editores Independentes, nº 34, 2008, p. 133)

quarta-feira, junho 18, 2008

E NÃO SE PODE DISSOLVER O POVO?



Os irlandeses, em referendo, na passada sexta-feira, votaram contra o Tratado de Lisboa. O referendo ao Tratado de Lisboa apenas se realizou na Irlanda porque a constituição irlandesa assim o obriga: nos restantes 26 países da União Europeia o Tratado tem sido – e deverá continuar a ser – rectificado pelos parlamentos de cada país. A questão que este não dos irlandeses coloca perante a “construção europeia” relaciona-se com a democraticidade dessa mesma construção. Senão vejamos: toda a construção do que é hoje a União Europeia tem sido feita à revelia dos cidadãos (o caso português é um bom exemplo: desde a adesão à então CEE, até este Tratado, aprovado pelo parlamento português, passando pela entrada no euro, nunca os portugueses foram ouvidos em referendo). Os políticos europeus e os eurocratas de Bruxelas desprezam e/ou temem o povo da Europa. No fundo desprezam a democracia, acham-se uma oligarquia de iluminados. Mas, paradoxo, a Europa não é um resultado da democracia e do fim da segunda guerra mundial? Não é, embora imperfeita, a democracia o melhor dos regimes? Para os políticos europeus, eleitos democraticamente, e perante as reacções ao resultado do referendo irlandês – como perante as atitudes anteriores do processo de construção europeia –, parece que eles desdenham da democracia. E, continuação do paradoxo, não foram eles eleitos democraticamente? Talvez por isso se achem no poder de um mandato que os faz ignorar a vontade popular – e de facto faz, durante os quatro anos de duração desse mandato.

segunda-feira, maio 26, 2008

ONDE ESTÃO OS MARCIANOS?


O horizonte de Marte, captado pela sonda Phoenix que hoje pousou no planeta chamado vermelho. E nem sombra de marcianos verdes...

terça-feira, maio 20, 2008

OLIVIER ROLIN



A opinião pública ... As próprias sonoridades da expressão transportavam evocações desagradáveis, águas mornas, odores a cebola, instalação... algo de desbotado e burguês. Quando deixara a França, há uma vintena de anos, não havia «opinião pública», tínhamos opiniões - cortantes, por vezes, mas eram, parece-me, actos que implicavam o espírito, e frequentemente o corpo também. (...). Não nadávamos na espécie de placenta maioritária que agora via alimentando uma multidão mole, uma imensa gelatina de fetos intelectuais. Tirávamos força e orgulho de ser minoritários, de caminhar atrás das bandeiras dos grandes réprobos. A solidão não era uma vergonha.(...). [O]s meus olhos, os meus ouvidos, que um exílio prolongado tinham tornado ingénuos, não viam nem ouviam agora senão banalidades de percentagens e de gestão - de negócios, de economia, de carreira, de texto, de sentimentos. Submetíamos as questões mais graves, as mais cívicas - a pena de morte, a sobrevivência ou extinção de um povo -, não à arbitragem das ideias, nem mesmo aos artíficios da eloquência, mas sim às flutuações de sinusóides projectadas por máquinas. Já não reconhecia nesse país, onde se pretendia agora julgar as causas humanas através de estatísticas que se geram umas às outras, onde a vida e a morte, o bem e o mal, a honra e a infâmia se calculavam em parcelas do mercado, a nação a que havíamos chamado, noutros tempos, grande, e onde de qualquer modo o espírito não tinha entregado todos os seus poderes às caixas registadoras dos comerciantes.


Olivier Rolin, Porto-Sudão, Edições Asa, Trad. de João Duarte Rodrigues, 1995, pp. 22, 23

domingo, maio 11, 2008

JEAN-JACQUES ROUSSEAU E OS LIVROS


Uma mulher chamada Tribu, que era famosa pelo aluguer de livros, fornecia-mos de todos os tipos. Bom e mau, tudo era admitido; eu nunca escolhia e devorava tudo com a mesma avidez. Lia no escritório, lia na rua, quando me mandavam a algum lado, lia na casa de banho, horas inteiras, esquecendo-me de tudo; não fazia mais do que ler, e tanto lia que a cabeça me andava à roda. O meu patrão vigiava-me, apanhava-me, sovava-me e apoderava-se dos livros. Quantos volumes foram destruídos, queimados ou atirados pela janela! Quantas obras ficaram incompletas na loja da Tribu! Quando não dispunha de outra coisa, pagava-os com camisas, gravatas, e roupas e todos os domingos, sem falhar um, entregava-lhe os três soldos que me davam como gorjeta.


Jean-Jacques Rousseau, Confissões, Livro Primeiro.

sexta-feira, maio 09, 2008

DIAMANDA GALÁS: A VOZ DE ORFEU


Ontem, Diamanda Galás voltou à Casa da Música, no Porto. Uma figura vestida de preto ao piano gritava, modulava o grito, como o oleiro modula o barro. A voz/grito de Diamanda Galás parece ter feito o percurso de Orfeu: ela foi ao inferno e voltou. O inferno de Diamanda Galás é a sida, ou o genocídio de um milhão de arménios pela Turquia. É a denúncia de factos como estes que torna a música de Diamanda Galás politizada. O som da sua voz, única, ampliado pelo sistema sonoro, fica a ressoar dentro do ouvido. Penetra o ouvido. É um acto físico entre Diamanda e os espectadores. Quando as palavras são importantes, elas são de Pasolini, Baudelaire ou Lorca, ou fazem uma revisitação muito própria de canções da música pop ou de cantores como Edith Piaf ou Johnny Cash, como acontece neste seu último disco, "Guilty, Guilty, Guilty", uma "compição de trágicas e homicidas canções de amor".

quinta-feira, maio 01, 2008

DIA DO TRABALHADOR


Um dos maiores triunfos dos situacionistas foi ver reaparecer nas paredes, em 1968, durante a greve geral selvagem, a palavra de ordem dada por Debord em 1952: «Ne travaillez jamais» [«Não trabalhem nunca»]. À crítica de não levarem em conta a realidade do trabalho, respondem [os situacionistas] que «quase nunca trataram de outro problema que não o do trabalho na nossa época: as suas condições, as suas contradições, os seus resultados» (IS, 10/67). Nunca produziram análises detalhadas sobre o mundo do trabalho e sobre as lutas operárias como fez Socialisme ou Barberie, mas observaram que o conjunto das actividades sociais, em particular o consumo dos lazeres, obedece a uma extensão da lógica do trabalho. O lugar de onde a sociedade extrai o seu sentido e a sua justificação, e que determina a identidade dos´indivíduos, está em vias de se transferir do trabalho para os chamados «lazeres».

Anselm Jappe, Guy Debord, Antigona, 2008, p. 120

segunda-feira, abril 28, 2008

MERIDITH MONK


Meridith Monk esteve no passado sábado em Lisboa, onde deu um concerto. Aqui fica um excerto do seu "grito" e outro excerto da crítica de João Bonifácio no Público de hoje.
O trabalho de Meredith Monk centra-se essencialmente no significado primordial da linguagem. Se antes de os homens "aprenderem" uma linguagem falada comunicavam por sons (que serviam de aviso, chamada, etc.), Monk faz numa "canção" o caminho oposto: parte de uma palavra para chegar a um som. Pega numa palavra, divide-a silabicamente, repete um fonema e torce-o e retorce-o em termos de amplitude vocal e extensão, tornando-a dúctil, como se se tratasse de uma criança a experimentar palavras, ainda antes de perceber que uma palavra é uma representação e que por baixo de uma palavra há uma emoção.

quarta-feira, abril 16, 2008

AS MULHERES E O PODER


Aristófanes, dramaturgo grego, escreveu uma comédia intitulada Lisístrata (411 a. C.) onde as mulheres fazem greve de sexo para que os maridos ponham fim à Guerra do Peloponeso. Quase dois mil e quinhentos anos depois as mulheres têm acesso à instituição militar; podem servir a pátria em combate, lado a lado com os homens. Para muitas (os) trata-se de algo de bom: o reconhecimento de uma igualdade de género. Mas a guerra é algo de mau.
Em Espanha, o novo governo de Zapatero tem como ministra da defesa uma mulher, Carme Chacón, professora de direito constitucional. Por cá, Sócrates nunca pensaria em dar a pasta da defesa a uma mulher, e no entanto o PS tem uma especialista em defesa, Maria Carrilho.
A questão pode ser colocada nestes termos: é possível que ao conquistar o poder as mulheres o transformem em algo diferente, para melhor, em relação ao que é o poder exercido pelos homens? Creio que a resposta é negativa, não só pelos exemplos – Margareth Thatcher, Condoleezza Rice – mas porque o poder (político, económico) é em si algo de negativo, algo que visa submeter o outro.

quinta-feira, abril 03, 2008

Ana Paula Inácio


Este poema tem como hipotexto
o Florbela Espanca espanca de Adília Lopes
e o Livro de Mágoas da Florbela
não me interessa quanto valem
na cotação da bolsa literária -
ainda não gozei nenhuma e
bolsa que me interesse
só mesmo a do canguru
mas tu não és minha mãe
nem meu pai, ou tia, ou
irmão, pseudo-Electra -
nem do seu mainstream.
Este poema é dedicado
à minha amiga Mónica
que faz ioga aos sábados de manhã,
cabeleireiro e depilação 2 vezes por mês
(cf. poema anterior)
luta contra uma auto-estima precária
mas sabe o que quer
quando lourifica o cabelo
como 43, 33 % das mulheres
com idade > 40 anos,
licenciadas,
em Portugal,
no ano de 2004:

«falar, falar, falar
a este àquele
a toda a gente
e não falar a ninguém»

«Bom dia, meu amor» ou
«Bonjour, tristesse»
como dizia Françoise Sagan
ao seu amante
trocado
por falsos versos.


Ana Paula Inácio nasceu no Porto em 1966. Publicou dois livros de poesia, As Vinhas do Meu Pai (Quasi, 2000) e Vago Pressentimento Azul por Cima (Ilhas, 2000), e um de contos, Os Invisíveis (Quasi, 2002). O poema aqui publicado faz parte do número 9 da revista Telhados de Vidro (Novembro de 2007).

terça-feira, abril 01, 2008

A MÁ EDUCAÇÃO (TECNOLÓGICA)


O episódio do telemóvel na Escola Carolina Michaelis demonstra que para que algo exista, tenha relevância mediática, são necessárias imagens. As palavras, a palavra que acompanhava a honra de um homem (ou mulher), a palavra como narrativa, perdeu todo o seu valor. Se aquela disputa por um telemóvel ente professora e aluna não fosse filmada por outro telemóvel e depois colocada no you tube, este acto de violência seria um dos muitos calados nas escolas portuguesas. Desta situação, com a sua consequente cobertura mediática, podemos tirar uma lição sobre a importância que as novas tecnologias desempenham na sociedade actual, uma sociedade em permanente conexão, onde os meios tecnológicos acabam por ser extensões do corpo dos indivíduos. Nesse sentido, este caso parece ser um case study não tanto sobre a violência escolar mas sobre a forma como funcionam hoje os média e a sua relação com a sociedade.
Quanto à situação em si, a “agressão” da aluna à professora, ela demonstra, para além da inversão de papéis, num local extremamente violento como uma escola, uma total incapacidade por parte da docente de lidar com a situação. A aluna devia ter sido expulsa da aula.

domingo, março 30, 2008

JORGE LUIS BORGES


Os Borges

Nada ou bem pouco sei dos meus maiores
Portugueses, os borges: vaga gente
Cumprindo em minha carne, obscuramente,
Seus hábitos, rigores e temores.
Ténues como se não tivessem sido
E alheios aos trâmites da arte,
Indecifravelmente fazem parte
Do tempo e da terra e do olvido.
Melhor assim. Cumprida a sua ideia,
São Portugal, são a famosa gente
Que forçou as muralhas do Oriente
E ao mar se deu e ao outro mar de areia.
São o rei que no místico deserto
Se perdeu e o que jura estar desperto.

in O Fazedor, Obras Completas II, ed. Teorema, 1998, Trad. Fernando Pinto do Amaral, p. 206

terça-feira, março 18, 2008

DIOGO PIRES AURÉLIO


RELER DURREL




sugiro o verão para as grandes metáforas do saber
as intermináveis certezas de um só dia apavoradas
p'lo cair da tarde em meio do labirinto
à hora em que desperta o minotauro e o cio enreda
cada frase em mil projectos de minúcia

á beira ti o verso é mais precário e o tempo
das falésias se desprende em símbolos antiquíssimos
desfaz a teia de penélopes traindo enquanto esperam
outros rumos nos incautos remos do dizer

e se eu disser que os peixes se dissolvem
no azul inclino a fala para outras
mais subtis razões que o vinho ou a quimera esquecem
no bater de cada sílaba e no susto que a percorre

in A Herança de Holderlin, Assírio & Alvim, 1978, pp. 15-16


Diogo Pires Aurélio nasceu em 1946. É professor universitário de filosofia e ensaista. A Herança de Holderlin é o seu único livro de poesia. Em 1984 publicou um livro de crítica literária, O Próprio Dizer (IN-CM, col. Plural).

segunda-feira, março 03, 2008

MARIA GABRIELA LLANSOL (1931-2008)


Maria Gabriela Llansol era não só uma escritora hermetica, mas de difícil classificação. Digamos que estava nas margens da literatura, não porque tivesse uma qualquer atitude marginal (como Luiz Pacheco), mas porque o seu texto, de difícil classificação entre o romance, o ensaio, a poesia e o diário, a colocava num lugar estranho na literatura portuguesa contemporânea (apesar de ter recebido por duas vezes o prémio de romance e novela da APE). O texto llansoliano alimentava-se de figuras históricas de vário tempo e lugar como Bach, Pessoa, Eckart ou Espinosa. "A rapariga que temia a impostura da língua", na expressão de Eduardo Prado Coelho, iniciou a sua actividade literária em 1962 com a obra Os Pregos na Erva a que se seguiram cerca de três dezenas de títulos, o último dos quais Os Cantores da Leitura foi publicado no ano passado. Mais sobre Maria Gabriela Llansol no blogue Espaço Llansol

sexta-feira, fevereiro 15, 2008

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Bénédicte Houart


engoli uma gaivota anteontem
tinha um travo a mar muito suportado essa gaivota que
já lá vai
despenhando-se garganta abaixo
um acidente tão desejado
num pequeno corpo tão desastrado
embora por vezes uma gaivota desatine
ou quase
a alegria do afogado quando regressa à tona de água

Bénédicte Houart, Reconhecimento, Angelus Novus e Cotovia, col. Inimigo Rumor, 2005, p. 13.

Bénédicte Houart nasce na Bélgica em 1968. Foi docente de Estética na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Reconhecimento é o seu primeiro, e até agora único, livro de poesia.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

PHILIP LARKIN


JANELAS ALTAS

Quando vejo um casal de miúdos
E percebo que ele a anda a foder e ela
Usa um diafragma ou toma a pílula
Sei que isto é o paraíso

Com que os velhos sonharam toda a vida -
Compromissos e gestos postos de lado
Que nem debulhadora fora de moda,
E toda a gente nova a descer pelo escorrega,

Interminavelmente, para a felicidade. Será
Que alguém olhou para mim, há quarenta anos,
E pensou: Isto é que vai ser boa vida;
Nada de Deus, ou de suores nocturnos,

Ou medo do inferno, ou ter de esconder
do padre aquilo em que se pensa. Ele
E a malta dele, c'um raio, hão-de ir todos pelo escorrega
Abaixo, livres que nem pássaros?
E de imediato,

Em vez de palavras, vêm-me à ideia janelas altas:
O vidro que acolhe o sol, e mais além
O ar azul e profundo, que não revela
Nada e está em lado nenhum e não tem fim.

Philip Larkin, Janelas Altas, Trad. de Rui Carvalho Homem, Cotovia, 2004, p.45

quarta-feira, janeiro 23, 2008

ANTÓNIO MARIA LISBOA



Projecto de Sucessão

Para o Mário Henrique

Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra

Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos

Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.



António Maria Lisboa
poesia
Assírio & Alvim
1995

domingo, janeiro 13, 2008

OS LUGARES DOS VISITANTES

(Kerteminde, Fyn, Dinamarca)

United States
Redwood City, California
22
Slovenia
Ljubljana, Bohinj
23
Spain
Madrid
24
Portugal
Santo Antnio Da Charneca, Setubal
25
Brazil
Uberlndia, Minas Gerais
26
Portugal
Vila Nova De Gaia, Porto
27
Switzerland
Muri, Aargau
28
Brazil
Piracicaba, Sao Paulo
29
Denmark
Kerteminde, Fyn
30
Brazil
Tup, Sao Paulo
31
Portugal
Moura, Beja
32
United States
Mountain View, California
33
Portugal
Coronado, Porto
34
Germany
Solingen, Nordrhein-Westfalen
35
Brazil
So Paulo, Amapa
36
Brazil
Florianpolis, Santa Catarina
37
Mexico
Tlacote El Bajo, Queretaro de Arteaga
38
Portugal
Porto
39
Portugal
Lisboa
40
Brazil
Porto Alegre, Rio Grande do Sul

sexta-feira, janeiro 11, 2008

O JORNALISMO LAMBE-BOTAS


O jornalismo, pelo menos em Portugal, tornou-se de há uma década para cá numa coisa séria, institucional. Ao jornalista pede-se respeitinho pelas figuras públicas, simpatia, cordialidade, nada de questões incómodas.(A porta da rua é já ali). O cumulo deste tipo de jornalismo deu-se a ver hoje na SIC, num programa intitulado Primeira Pessoa, emitido logo a seguir ao Jornal da Noite. O programa tinha como entrevistado o patrão da SIC e Expresso, o grande magnata da imprensa portuguesa, Francisco Pinto Balsemão, apresentado por Conceição Lino como uma personagem de telenovela a entrar no prédio da Impressa. Exactamente como os "ricos" das telenovelas que a SIC ou a TVI passam. Balsemão que foi jornalista, foi também fundador do PPD/PSD e primeiro-ministro. Ou seja, experimentou os três poderes (politico, mediático e económico) é uma figura interessante para uma entrevista séria. Mas para um programa de lambe-botas, como parece ser este, escolher para a primeira emissão o patrão, é o cumulo do descaramento. E o descaramento parece ser todo de Nuno Santos, o novo director de programas da estação de Carnaxide.

terça-feira, janeiro 01, 2008

FUMAR


(Demi Moore)

TABACARIA (Fernando Pessoa / Ávaro de Campos, excerto)

(...)
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência
[de estar mal disposto.

Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.

(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.

O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,
[e o Dono da Tabacaria sorriu.

domingo, dezembro 02, 2007

Pedro Oom


CARTA AO EGITO


A poesia não necessita de "ser salva" porque o que nós entendemos por poesia não necessita de espécie alguma de salvação. Todo o acto de revolta ou de rebeldia, todo o processo de violentar "a natureza" e de desconhecer o direito e a moral é para nós poesia embora não se plasme, não se fixe, não se possa generalizar - e aqui está, implícita, a recusa terminante de amarrar o poeta a uma técnica, seja ela qual for, mesmo a mais actual, a mais opurtuna, porque, precisamente, o que o distingue do homem da técnica é um sentido de não oportunidade, de inoportunidade, que lhe advém de uma clarividência total e duma insubmissão permanente ante os conceitos, regras e princípios estabelecidos. Com isto não queremos dizer (Deus nos livre!) que o poeta seja um louco, um visionário, mas que, se ele tem de possuir uma estética e uma moral é, sem sombra de dúvida, uma estética e uma moral próprias.

A poesia é um meio de conhecimento e acção de cujos frutos, bons ou maus, só o poeta aproveita (facto, este, de que muito poucos se dão conta) e daí a inutilidade dos esforços para ligá-lo a qualquer filosofia, política ou teologia, inutilidade que se não desmente no caso de ser o próprio poeta a tentar essa aproximação. É (foi) o caso de Régio como o de Mayakovsky: a sua voz continuará estranha e o sentido das suas palavras incompreensível mesmo para aqueles que escolheu como amigos ou correligionários. É que o poeta é rebelde sem premeditação, demolidor de tudo e de si próprio, esforçadamente anti-caridade-encostada-às-esquinas-de-pistola-em-punho ou caneta-na-mão-lágrima-de-jacaré.

Daí que resultem contraditórios os termos do poeta católico, marxista, surrealista, existencialista, anarquista ou socialista, quando não se desconhece que só ao poeta é dado compreender o poeta. Daí que resultem ridículas as homenagens colarinho-alto ou selecta-de-infância com que é costume, aqui e lá fora, enfaixar o cadáver daqueles que como Fernando Pessoa, Rimbaud ou Gomes Leal foram em vida o mais esforçado testemunho contra o bom-senso-não-deites-a-língua-de-fora.

O que possa haver de menos compreensível em tudo isto resulta do facto de que toda a explicação necessita de outra explicação para ser compreendida. Aquilo que de um modo imediato é para nós verdadeiro só será inteligível para outrem depois de uma determinada "mastigação" durante cujo processo já todo o objecto em causa adquiriu nova cor, nova forma, novo ou novos sentidos de interpretação. O poeta tem a clarividência desta transformação e daí a sua atitude, sempre de recusa a qualquer espécie de imposição, e ainda quando nos pareça que um dos seus gestos adquire uma cor mais conformista, ou um tom menos violento, ele não é mais do que uma forma diferente de recusa.
Pedro Oom, in Actuação Escrita (Lisboa, & etc, 1980), retirado de Telhados de Vidro, nº3

terça-feira, novembro 27, 2007

Manuel de Freitas


O SOM DAS VÍRGULAS


para o Jorge Gomes Miranda

Deixa estar, Jorge, é demasiado

tarde: já não nos livramos da

imerecida glória de sermos

grupo, constelação, movimento

-"nós" que, a bem dizer,

nunca acreditamos em nada disso.


Sempre de vozes tontas e ruído

alarve precisou o mundo. Mas agora

imitam os políticos, delegam poder

naquilo que nenhum poder aufere -

a poesia - esses que em jornais

e outras cátedras matariam pai e mãe

para chegar a palcos grosseiros

em que nem actores conseguem ser.


E até dizem que prestamos vassalagem

a quem simplesmente nos ensinou

por onde não devíamos seguir

-à distância dos livros, na pulsão

do irrespirável e, anos depois, do afecto.

Há várias maneiras de preferir um descampado.


Porque a poesia, Jorge, só interessa

- se é que interessa - quando nos visita

"com a urgencia de quem verte

cubos de gelo num copo de whisky".

Tão parecida com "o vírus do amor"

que faz do corpo o único lugar.


Mas para quê falar-te disto?

Disseste-o melhor, assim:

"nada é a poesia

prelúdio de outras ruínas

nunca afirmadas".


Não te inquietes, pois, com arrumadores

de versos. A morte corrigirá todas

as vírgulas, mesmo as que lá não estavam.
Manuel de Freitas, Telhados de Vidro, nº3, ed. Averno.

domingo, novembro 25, 2007

IAN CURTIS: O CONTROLO DO MITO




Ele era casado, tinha uma filha ainda bébe, um emprego num centro de emprego, uma amante; era jovem (young men), sofria de epilepsia, vivia numa cidade de subúrbio perto de Manchester - Macclesfield. Uma vida vulgar? Não. Ele chamava-se Ian Curtis e era o vocalista e autor das letras dos Joy Division, uma das mais importantes bandas da história do rock. O suicídio, aos 23 anos, a 18 de Maio de 1980, criou o mito que a intensidade espasmódica e depressiva da música dos Joy Division já fazia antever. Agora, 27 anos depois, surge o filme, uma adaptação da biografia que a viúva de Ian, Deborah Curtis, escreveu (Touching from a Distance de que existe tradução em português, Carícias Distantes, Assírio & Alvim). O filme, Control, é realizado por Anton Corbijn, fotografo que em 1988 realizou o teledisco de "Atmosfere", e tem Sam Riley (praticamente um estreante que embora tendo sido vocalista de uma banda "não fazia ideia de quem era Ian Curtis") no papel de Ian Curtis. Aclamado em Cannes, o filme de Corbijn, de que Deborah Curtis é co-produtora, foge da estética depressiva e pós-punk dos Joy Division, desmistificando pelo lado de fora Ian Curtis. Ora a vida de Curtis, que não chegou a ser uma estrela rock, é uma vida banal, cinzenta como esses finais da década de 70 em Inglaterra, como essa cidade de subúrbios. O que não é banal em Ian é a sua visão do mundo plasmada na música e letras dos Joy Division, ou ainda a sua entrega em palco que, creio, Sam Riley, se esforça por copiar, mas será sempre uma cópia. O filme acaba por dar pouco daquilo que foram os Joy Division e a banda sonora é escassa e mal aproveitada - nem sempre os melhores temas dos Joy Division aparerecem (veja-se o final do filme aonde seria de aproveitar um dos temas maiores da banda "The Eternal" ou mesmo "Decades").

quarta-feira, novembro 21, 2007

FERNANDO PESSOA / BERNARDO SOARES


Cada vez que viajo, viajo imenso. O cansaço que trago comigo de uma viagem de comboio até Cascais, é como se fosse o de ter, nesse pouco tempo, percorrido as paisagens de campo e cidade de quatro ou cinco países.

Cada casa por que passo, cada chalé, cada casita isolada caiada de branco e silêncio -- em cada uma delas num momento me concebo vivendo, primeiro feliz, depois tediento, cansado depois; e sinto que tendo-a abandonado, trago comigo uma saudade enorme do tempo em que lá vivi. De modo que todas as minhas viagens são uma colheita dolorosa e feliz de grandes alegrias, de tédios enormes, de inúmeras falsas saudades.

Depois, ao passar diante de casas, de «villas», de chalés, vou vivendo em mim todas as vidas das criaturas que ali estão. Vivo todas aquelas vidas domésticas ao mesmo tempo. Sou o pai, a mãe, os filhos, os primos, a criada e o primo da criada, ao mesmo tempo e tudo junto, pela arte especial que tenho de sentir ao mesmo tempo -- e ao mesmo tempo por fora, vendo-as, e por dentro sentindo-mas -- as vidas de várias criaturas.


Livro do Desassossego, edição de António Quadros, in Obras de Fernando Pessoa, vol. II, Lello e Irmão, pp. 872-3.

domingo, novembro 18, 2007

THOMAS BERNHARD NO CCB


A partir de hoje e até 16 de Dezembro Thomas Bernhard, o escritor austriaco que passava frequentemente por Portugal, estará em foco num ciclo que é dedicado à sua obra no CCB. Para hoje está prevista a inauguração de uma exposição, na galeria Mário Cesariny, sobre "Thomas Bernhard e as pessoas da sua vida". Um dos principais tradutores da obra de Bernhard para português, José A. Palma Caetano apresenta a conferência "Thomas Bernhard e Portugal", pelas 18 horas; às 21h00 a Companhia de Teatro de Almada lê a peça O Presidente. No dia 22 será apresentado o romance Correcção, editado pela Fim de Século; no dia 26 João Barrento apresentará outro livro de Thomas Bernhard, que será editado pela Assírio & Alvim: Derrubar Árvores. Nesse mesmo dia, pelas 21h00, Tiago Rodrigues lê O Náufrago e a seguir é exibido o filme Glenn Gould: Variações de Goldberg. Outras iniciativas acontecerão até 16 de Dezembro, mas será que Thomas Bernhard, iconoclasta e provocador, aceitaria este tipo de homenagens?

quinta-feira, novembro 08, 2007

ROBERT WALSER


O URSO


Quão diferente é o urso. Em rigor, bonito não é. É antes um pouco estranho nos seus movimentos bamboleantes, ágil e encorpado, e não se sabe ao certo como o interpertar. Se ele pretende estender a pata, dás, involuntáriamente, um passo atrás. Não te apercebes de que, com a tua demonstração de medo, poderias tê-lo ofendido. Um urso tem o seu amor-próprio. Esta noite sonhei com um urso. Essa visão patusca fez que me sentisse também todo peludo. Senti compaixão, quando ele estendeu o braço para uma rapariga, ela a personificação da delicadeza e ele assim tosco, nem sequer penteado - bem podia ter esse cuidado... «Deixa-me em paz!», disse ela, e ele foi-se embora empertigado e, como se fosse uma pessoa que tivesse percebido bem o recado, enfiou-se na cama e puxou o cobertor para se tapar.


Robert Walser, A Rosa, Relógio d' Água, Trad. Leopoldina Almeida, 2004, p.29.

domingo, novembro 04, 2007

OS MÉDIA E «MADDIE»


O jornalismo procura, entre outras coisas, contar histórias - boas histórias - que, fazendo parte do real, muitas vezes são adaptadas à ficção (literária ou cinematográfica). Por outro lado´a imprensa escrita albergou ficções através de géneros como o folhetim ou o conto, hoje arredados das páginas dos jornais. O desaparecimento de Madelaine McCan no passado dia 3 de Maio de um complexo hoteleiro na Aldeia da Luz, no Algarve, e as consequências que este caso teve a nível mediático enquadram-se numa lógica folhetinesca. Este caso teve, e continua a ter, todos os ingredientes de um bom romance ou série policial. É claro que todos os dias desaparecem crianças, mas nunca um caso como o de Maddie teve esta repercussão mediática. Quer se acredite na inocência ou culpabilidade (ainda que relativa) dos pais, estes, através da sua posição social e amizades junto do governo inglês, tiveram um papel activo no desencadear de uma cobertura mediática inédita na busca de uma criança. As acções que o casal McCan tomou, que incluiram um encontro com Bento XVI, ajudaram a manter a campanha a nível dos meios de comunicação social. Mas, como numa boa história policial, dá-se uma reviravolta e as vitimas passam a culpados. Mais apetecível ficou a história. Agora, passados 6 meses e com o casal McCan em Inglaterra, embora com o estatuto de arguidos, o caso vai-se esfumando. Há indícios forenses, mas não há corpo, e a polícia judiciária sabe que este não é um outro caso Joana (onde a confissão da mãe terá sido obtida sob tortura). Nem mais um episódio de CSI (Praia da Luz).

quinta-feira, outubro 25, 2007

YOU ARE NOT WELCOME MR. PUTIN


O povo russo tem sido ao longo de séculos oprimido: pelos czares, pelo comunismo, com o seu maior expoente no camarada Estaline, e agora, por este homem que assassina jornalistas e e ex expiões do KGB. E isto deve ser a ponta do iceberg do terrorrismo de estado de Putin.

terça-feira, outubro 23, 2007

MUDANÇA TRANQUILA


Os grandes jornais mundiais estão a mudar o seu aspecto gráfico. O último que o fez foi o espanhol El País, diário que assistiu ao crescimento da democracia espanhola e se tornou num dos mais importantes jornais mundiais. Esta mudança foi uma mudança tranquila (ao contrário do que aconteceu este ano com o Público): desde logo porque foram feitas pequenas mudanças ao longo dos últimos anos, como a introdução da cor em algumas páginas do jornal. Aspectos como o tipo de letra podem passar despercebidos ao leitor menos atento, embora a utilização da cor em todas as fotografias do jornal, tras uma tendência para o desaparecimento da fotografia a preto e branco na imprensa.

O grafismo é o embrulho das matérias que um jornal publica (notícias, reportagens, opinião, etc). No caso do El País, o que o torna um jornal de referência, embora demasiadamente colado ao PSOE, é a forma como aborda o mundo, dando grande espaço à actualidade internacional, mas também os meios de que se serve para o fazer, ou seja, correspondentes e enviados especiais que dão a sua visão própria dos assuntos tratados. No entanto, nota-se, por parte de toda a imprensa um certo alarmismo face à internet que resulta numa fuga para a frente, mudando o aspecto gráfico e por vezes também os conteúdos. O Público foi um mau exemplo desta mudança, o que parece não ocorrer com o El País.