terça-feira, novembro 18, 2008
domingo, novembro 02, 2008
O GOVERNO DO CAMARADA SÓCRATES NACIONALIZOU O BPN
segunda-feira, outubro 20, 2008
O EFEITO HERBERTO HELDER
Sabe-se o quanto Herberto Helder é um poeta secreto, recusando entrevistas ou prémios literários. O autor de A Colher na Boca foge da fama e numa conhecida invocação escreve: “meu Deus, faz com que eu seja sempre um poeta obscuro”. Ora, paradoxalmente, e suponho, contra o desejo do poeta, o lançamento do seu livro A Faca Não Corta o Fogo tomou aspectos pouco usuais num livro de poesia. Primeiro foi o anúncio da saída do livro, principalmente em alguns blogues que avançaram com poemas inéditos que não eram inéditos; depois, a atenção dada pelos poucos jornais que ainda escrevem sobre poesia (JL, Público e Expresso). Com a distribuição dos três mil exemplares do livro, constatou-se que estes eram insuficientes para a procura e o livro rapidamente esgotou. Este facto originou notícias nos jornais e televisões. Ou seja: a poesia que só tem lugar nos telejornais aquando da morte de algum poeta significativo (Cesariny, Fiama, Eugénio de Andrade) era agora, paradoxalmente, tema pelo facto do mais “obscuro” dos poetas portugueses vivos ter publicado um livro. Curiosamente, o último livro de António Lobo Antunes, O Arquipélago da Insónia, lançado ao mesmo tempo, e esse sim com pretenções a best-seller, era relegado para um lugar secundário.
Talvez Herberto Helder não consiga ser um poeta assim tão obscuro. Ou o desejo de se manter nessa obscuridade e silêncio o torne uma presa fácil da lógica mediática que procura tudo o que foge à norma. E nessa lógica mediática a norma é querer aparecer a todo o custo.
sexta-feira, outubro 17, 2008
HERBERTO HELDER - A FACA NÃO CORTA O FOGO (DOIS POEMAS)
torso, ilhargas, membros e nos membros,
rótulas, unhas,
irrompem da água escarpada,
o vídeo funciona,
água para trás, crua, das minas,
tu próprio crias pêso e leveza,
luz própria,
levanta-os com o corpo,
cria com o corpo a tua própria gramática,
o mundo nasce do vídeo, o caos do mundo, beltà, jubilação, abalo,
que Deus funciona na sua glória electrónica
*
a acerba, funda língua portuguesa,
língua-mãe, puta de língua, que fazer dela?
escorchá-la viva, a cabra!
transá-la?
nenhum autor, nunca mais, nada,
se a mão termica, se a técnica dessa mão,
que violência, que mansuetude!
que é que se apura da língua múltipla:
paixão verbal do mundo, ritmo, sentido?
que se foda a língua, esta ou outra,
porque o errado é sempre o certo disso
Herberto Helder, A faca não corta o fogo, Assírio & Alvim, 2008, págs. 159 e 170
sábado, outubro 11, 2008
J.-M. G. LE CLÉZIO: O NOBEL PARA UM "ÍNDIO BRANCO"
J.M.G. Le Clézio, Índio Branco, trad. de Júlio Henriques, Fenda, 1989, p.7
domingo, outubro 05, 2008
DANIEL MAIA-PINTO RODRIGUES
abro a porta da cozinha
a das traseiras da casa de campo.
Encaro a manhã.
O caseiro diz bom-dia
um cão aproxima-se de mim
e do pão com manteiga.
Desço de pé as escadas.
As escadas são de pedra.
Considero a manhã quente.
Não há nuvens
e o sol está lá em cima
no céu.
É domingo.
e uns tantos gatos amarelos
brincam com as ervas altas.
Considero a manhã quente
tiro a camisola
olhando de relance para um bando de pombos
sento-me
quase me deito num banco de madeira
distante já da casa.
Não vou ler agora este livro de poemas.
Uma voz suada pelo calor
chamou o meu nome
mas agora eu não vou responder.
Daniel Maia-Pinto Rodrigues,O Valete do Sétimo Naipe, Editora Corpos, 2ª ed., 2005, p. 43.
domingo, setembro 28, 2008
MACHADO DE ASSIS
Mas o ilustre médico, com os olhos acesos da convicção científica, trancou os ouvidos à saudade da mulher, e brandamente a repeliu. Fechada a porta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e cura de si mesmo. (...). Alguns chegam ao ponto de conjecturar que nunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí.
sexta-feira, setembro 26, 2008
GEORGE ORWELL (A QUINTA DOS ANIMAIS)
George Orwell, A Quinta dos Animais, trad. Paulo Faria, Antígona, 2008, p. 132
terça-feira, setembro 09, 2008
CESARE PAVESE
O homem velho, desenganado de tudo,
da soleira da porta, sob o sol cálido,
observa o cão e a cadela a satisfazerem o instinto.
Sobre a sua boca desdentada perseguem-se as moscas.
A sua mulher há muito que morreu. Também ela,
como todas as cadelas, não queria saber disso,
mas não lhe faltava o instinto. O homem velho cheirava o ar
- ainda tinha dentes -, a noite vinha,
metiam-se na cama. Era bonito o instinto.
O que agrada no cão é a grande liberdade
De manhã à noite vagueia pela rua;
e ora come, ora dorme, ora monta cadelas:
não espera sequer pela noite. Raciocina
com o faro, e os cheiros que sente são seus.
O homem velho recorda-se de uma vez
em que o fez como os cães, de dia, no meio duma seara.
Já não sabe com que cadela, mas lembra-se do grande sol
e do suor e da vontade de nunca mais acabar.
Era como numa cama. Se os anos voltassem,
gostaria de o fazer sempre no meio duma seara.
Desde a rua uma mulher e pára a olhar;
o padre passa e volta-se. Na praça pública
pode-se fazer tudo. E até a mulher,
que tem pudor em voltar-se para o homem, pára.
Só um rapaz não tolera o jogo
e faz chover pedras. O homem velho indigna-se.
(Cesare Pavese, Trabalha Cansa, Trad. e Introdução de Carlos Leite, Cotovia, 1997, pp. 265-267)
Cesare Pavese nasceu há precisamente cem anos em Santo Stefano Belbo; estudou em Turim, tendo apresentado uma tese sobre Walt Whitman. Pertenceu ao Partido Comunista Italiano e trabalhou como tradutor para a editorial Einaudi. Poeta e ficcionista, dele estão traduzidos para português vários livros como o seu diário, Ofício de Viver, ou as narrativas A Lua e as Fogueiras, Férias de Agosto, A Praia, O Verão, A Guitarra Quebrada, O Diabo sob as Colinas, Noites de Festa (estas últimas editadas nos anos 60 e 70 estão esgotadas). A sua poesia está compilada no volume Trabalhar Cansa (Cotovia). Suicidou-se a 27 de Agosto de 1950.
sexta-feira, setembro 05, 2008
sexta-feira, agosto 29, 2008
COPY & PASTE (1) - A. Guerreiro sobre Agamben
António Guerreiro, "A potência da linguagem", excerto da recensão a Bartleby - escrita da potência de Giorgio Agamben, Expresso-Actual de 23.08.2008, p. 26
quarta-feira, agosto 13, 2008
ANNE CLARK - poem for a nuclear romance
Já me tinha esquecido dela...
sexta-feira, agosto 01, 2008
É O FIM?
Durante anos, sob a direcção de Manuel Pinto de Azevedo (director entre 1946 e 1976), o PJ foi um dos principais jornais portugueses, opositor ao salazarismo. Nos anos 80 o jornal entrou em decadência, de que resultou um despedimento em larga escala em 1991 e a iminência do encerramento do jornal. Adquirido pelo empresário Eduardo Costa, o jornal têm nos últimos anos tentado recuperar algum do seu passado glorioso. Está neste caso o suplemento “Das artes, das letras”, publicado à segunda-feira, que pode ser considerado o único suplemento literário da imprensa portuguesa. De facto, o Janeiro acolheu nas suas páginas alguns dos maiores escritores portugueses. E pelo jornal que esteve durante décadas sediado num magnífico prédio da rua de Santa Catarina, no Porto, onde hoje funciona mais um centro comercial do grupo Sonae, também passaram alguns dos melhores jornalistas de Porto.
Depois do encerramento, há três anos d’ O Comércio do Porto, jornal igualmente histórico para a cidade do Porto e para o país, e de A Capital, espera-se que o Janeiro apareça em Setembro.
FERNANDO GUERREIRO
Será desculpável a facilitação do discurso? A ligeireza
com que as águias passam, deixando cair as suas penas
sobre as acabrunhadas raízes (e ruínas) do absoluto?!
A partir de que ponto se altera (perde) o pensamento?
Quantas vezes é preciso repeti-lo até ele se constituir
como um símbolo capaz de assolar o futuro? Marx refere-se
ao «espectro do comunismo» (no Manifesto, em 1847) e tanto
para Burke (Reflections) como para Michelet (Le Peuple)
o fantasma da História reveste a forma de uma sanguinária
Medusa. Mas era verdadeiro o seu Terror face ao que ante
os seus olhos acontecia: o abismo que tornava o raciocínio
sempre inconcluso. Da mesma forma, as cinzas da Revolução
o nosso imaginário ainda perturbam. Putrefacta, seria mais
acessível à repulsa? É neve, neve, que o cérebro nos atulha,
enquanto lá fora os pássaros voam baixo, à procura
das sementes que nos resguardem do futuro.
Fernando Guerreiro, Toeria da Revolução, Angelus Novus Editora, 2000, p.31
segunda-feira, julho 28, 2008
O GRANDE SILÊNCIO PELAS VÍTIMAS DO COMUNISMO
Espanta-me toda essa condescendência para com os carniceiros comunistas e espanta-me, também, que aqueles que de certo modo os representam assobiem para o lado como se nada se tivesse passado. Está neste caso o PCP. O Partido Comunista Português tem, pela sua base de apoio, uma importância sociológica mas também política, uma vez que não pode alcançar o poder (sendo assim um partido benévolo). No entanto, o partido vive autista perante a derrota política do comunismo no mundo, bem como perante as atrocidades cometidas pelos regimes comunistas, actuando internamente como se fosse um pequeno PCUS (o finado Partido Comunista da União Soviética), expulsando os membros que colocam em causa a orientação do comité central. Mas o que espanta é que os dirigentes do PCP não façam um mea culpa pelos horrores do comunismo. Podem dizer que não têm nada que ver com isso, mas têm, pelo menos pela ligação estreita que existiu entre o PCP e o PCUS e outros partidos e organizações comunistas (ainda hoje as FARC estão presentes na festa do Avante).
No fundo, é como se todos aqueles milhões de mortos fossem justificáveis por uma razão maior (o materialismo científico). Mas nem essa razão maior existe, nem – se acaso existisse – justificaria tantas e tantas vítimas. Quanto ao capitalismo, esse só ganhou com a barbárie marxista.
sexta-feira, julho 25, 2008
LEONORA CARRINGTON
segunda-feira, julho 21, 2008
BIG BROTHER, 7
(...)
A partir do próximo ano, o nosso querido Estado, se a lei passar o teste de onstitucionalidade, pode passar a saber por onde anda o meu carro, a que volecidade se deslocou entre dois "sensores", onde o deixei estacionado, quem nele viajava (basta cruzar as informações do chip da matrícula com as dos telemóveis) e uma quantidade de outras coisas que fazem parte da intimidade de cada cidadão.
Faltará passar do chip na matrícula para o chip subcutâneo, altura em que o Estado me poderá prestar, com a maior eficiência, uma enorme quantidade de serviços com enormes vantagens económicas. No chip subcutâneo pode estar tudo: os meus dados de identidade, a minha história civil, todos os registos médicos, os meus dados fiscais, porventura uma boa parte do que estiver em todas as outras bases de dados. E nem será muito difícil desenvolver a geringonça, pois já há chips para cães.
José Manuel Fernandes, Um dia vamos estar todos "chipados". Como cães ou ovelhas, editorial do Público de 21-07-08
sábado, julho 19, 2008
MANUEL FERNANDO GONÇALVES
(foto respigada daqui)
Quantos shekel de prata
custa o campo de efron
e a protecção de javé?
Que memórias guardarei aqui
de nemrod e da minha babilónia
se já corri todo o oriente
e sobre as costas me pesou
o cutelo e o sangue me ferveu
junto ao carvalho de moré?
Morei em gerara meu amo
e fui amigo dos reis
e mais forte que os reis
lá cavei sete poços
e ver não vi mais
do que os poetas diziam:
difícil é ler os poetas
o maior deles
dentre alguns que julgo
conhecer não escreve
outro dos mais astutos
é escravo de rebeca
e mal se atreve a falar
Meus filhos partiram
e a melhor das mulheres
minha amiga inquieta
indicou-lhes a porta dos inimigos
Bem posso sentir o vento da tarde
e o calor dos desertos sei
que as mulheres se arranjam
e tremem à hora certa
que das fontes tiram àgua
Mas onde repousas
senhor ansioso e belo
dos retratos?
Manuel Fernando Gonçalves, Isaac, IN-CM/Gota de Água, col. Plural, 1985, p. 16.
terça-feira, julho 15, 2008
FÁTIMA MALDONADO DIXIT
Por que não há-de a poesia infiltrar-se na barbárie e conseguir submetê-la à regra imposta pelo poeta?
Mas acompanhar o nosso tempo não significa beber até às fezes o cálice da televisão, deixar-se embalar pelo Estado ou vestir-se de arlequim. Contrariando a tendência a que alguns, ainda incrédulos, assistem, o escritor deve incomodar não só a língua mas os poderes. Nem ao arrepio do tempo deve temer a alcunha de moralista porque o acto criador que não se confunde com o acto económico protege o sentido da vida, o equilíbrio da terra, o pouco que ainda resta de beleza.
É preciso recusar os compromissos e sermos Heréticos.
[Sobre António Nobre:]Fascina-me a paixão masoquista que concebeu por este paisinho. Nela se banha a toda a hora como se de líquido amniótico se tratasse ou de leite de burra que as nobres romanas adoravam porque lhes amaciava a pele.
Poetas, hoje, como chapéus no filme conhecido, há muitos.
Cada época tem a poesia que merece e a nossa tem bonzos que se farta e inspiração de alto coturno.
A crítica literária é, tanto quanto me apercebo, um produto em extinção.
O Joaquim Magalhães praticou-a a sério, como numa faena o diestro, com tudo o que isso implica de risco, de falhanço e desastre. Agora ainda subsiste a contra-corrente pela mão de António Guerreiro, de Manuel de Freitas, de uma ou outra pessoa da geração mais nova.
[Q]uem manda nas redacções não tolera que se diga a verdade sobre uma obra má vinda de um bonzo poderoso. Daí a confusão gerada sobre boa e má literatura, daí os equívocos, os temores e a degradação a que temos de assistir”.
sábado, julho 05, 2008
NUNO JÚDICE
DEMOCRACIA
Fui dar com a democracia embalsamada, como
o cadáver do Lenine, a cheirar a formol e aguarrás,
numa cave da Europa. Despejavam-lhe por cima
unguentos e colónias, queimavam-lhe incensoe
haxixe, rezavam-lhe as obras completas do
Rousseau, do saint-just, do Vítor Hugo, e
o corpo não se mexia. Gritavam-lhe a liberdade,
a igualdade, a fraternidade, e a pobre morta
cheirava a cemitério, como se esperasse
autópsias que não vinham, relatórios, adêenes
que lhe dessem família e descendência. Esperei
que todos saíssem de ao pé dela, espreitei-lhe
o fundo de um olho, e vi que mexia. Peguei-lhe
na mão, pedi-lhe que acordasse, e vi-a tremer
os lábios, dizendo qualquer coisa. Um testamento?
a última verdade do mundo? «Que queres?»,
perguntei-lhe. E ela, quase viva: «Um cigarro!»
Nuno Júdice, A Matéria do Poemas, Dom Quixote, 2008, p. 45
sexta-feira, julho 04, 2008
quarta-feira, junho 25, 2008
segunda-feira, junho 23, 2008
OSKAR KOKOSCHKA / ANA TERESA PEREIRA
(imagem de Oskar Kokoschka, Polperro II; texto de Ana Teresa Pereira, do seu último livro, O Fim de Lizzie, ed. Biblioteca de Editores Independentes, nº 34, 2008, p. 133)
quarta-feira, junho 18, 2008
E NÃO SE PODE DISSOLVER O POVO?
segunda-feira, maio 26, 2008
ONDE ESTÃO OS MARCIANOS?
terça-feira, maio 20, 2008
OLIVIER ROLIN
Olivier Rolin, Porto-Sudão, Edições Asa, Trad. de João Duarte Rodrigues, 1995, pp. 22, 23
domingo, maio 11, 2008
JEAN-JACQUES ROUSSEAU E OS LIVROS
Jean-Jacques Rousseau, Confissões, Livro Primeiro.
sexta-feira, maio 09, 2008
DIAMANDA GALÁS: A VOZ DE ORFEU
Ontem, Diamanda Galás voltou à Casa da Música, no Porto. Uma figura vestida de preto ao piano gritava, modulava o grito, como o oleiro modula o barro. A voz/grito de Diamanda Galás parece ter feito o percurso de Orfeu: ela foi ao inferno e voltou. O inferno de Diamanda Galás é a sida, ou o genocídio de um milhão de arménios pela Turquia. É a denúncia de factos como estes que torna a música de Diamanda Galás politizada. O som da sua voz, única, ampliado pelo sistema sonoro, fica a ressoar dentro do ouvido. Penetra o ouvido. É um acto físico entre Diamanda e os espectadores. Quando as palavras são importantes, elas são de Pasolini, Baudelaire ou Lorca, ou fazem uma revisitação muito própria de canções da música pop ou de cantores como Edith Piaf ou Johnny Cash, como acontece neste seu último disco, "Guilty, Guilty, Guilty", uma "compição de trágicas e homicidas canções de amor".
quinta-feira, maio 01, 2008
DIA DO TRABALHADOR
Anselm Jappe, Guy Debord, Antigona, 2008, p. 120
segunda-feira, abril 28, 2008
MERIDITH MONK
Meridith Monk esteve no passado sábado em Lisboa, onde deu um concerto. Aqui fica um excerto do seu "grito" e outro excerto da crítica de João Bonifácio no Público de hoje.
O trabalho de Meredith Monk centra-se essencialmente no significado primordial da linguagem. Se antes de os homens "aprenderem" uma linguagem falada comunicavam por sons (que serviam de aviso, chamada, etc.), Monk faz numa "canção" o caminho oposto: parte de uma palavra para chegar a um som. Pega numa palavra, divide-a silabicamente, repete um fonema e torce-o e retorce-o em termos de amplitude vocal e extensão, tornando-a dúctil, como se se tratasse de uma criança a experimentar palavras, ainda antes de perceber que uma palavra é uma representação e que por baixo de uma palavra há uma emoção.
segunda-feira, abril 21, 2008
quarta-feira, abril 16, 2008
AS MULHERES E O PODER
Aristófanes, dramaturgo grego, escreveu uma comédia intitulada Lisístrata (411 a. C.) onde as mulheres fazem greve de sexo para que os maridos ponham fim à Guerra do Peloponeso. Quase dois mil e quinhentos anos depois as mulheres têm acesso à instituição militar; podem servir a pátria em combate, lado a lado com os homens. Para muitas (os) trata-se de algo de bom: o reconhecimento de uma igualdade de género. Mas a guerra é algo de mau.
Em Espanha, o novo governo de Zapatero tem como ministra da defesa uma mulher, Carme Chacón, professora de direito constitucional. Por cá, Sócrates nunca pensaria em dar a pasta da defesa a uma mulher, e no entanto o PS tem uma especialista em defesa, Maria Carrilho.
A questão pode ser colocada nestes termos: é possível que ao conquistar o poder as mulheres o transformem em algo diferente, para melhor, em relação ao que é o poder exercido pelos homens? Creio que a resposta é negativa, não só pelos exemplos – Margareth Thatcher, Condoleezza Rice – mas porque o poder (político, económico) é em si algo de negativo, algo que visa submeter o outro.
quarta-feira, abril 09, 2008
quinta-feira, abril 03, 2008
Ana Paula Inácio
o Florbela Espanca espanca de Adília Lopes
e o Livro de Mágoas da Florbela
não me interessa quanto valem
na cotação da bolsa literária -
ainda não gozei nenhuma e
bolsa que me interesse
só mesmo a do canguru
mas tu não és minha mãe
nem meu pai, ou tia, ou
irmão, pseudo-Electra -
nem do seu mainstream.
Este poema é dedicado
à minha amiga Mónica
que faz ioga aos sábados de manhã,
cabeleireiro e depilação 2 vezes por mês
(cf. poema anterior)
luta contra uma auto-estima precária
mas sabe o que quer
quando lourifica o cabelo
como 43, 33 % das mulheres
com idade > 40 anos,
licenciadas,
em Portugal,
no ano de 2004:
«falar, falar, falar
a este àquele
a toda a gente
e não falar a ninguém»
«Bom dia, meu amor» ou
«Bonjour, tristesse»
como dizia Françoise Sagan
ao seu amante
trocado
por falsos versos.
Ana Paula Inácio nasceu no Porto em 1966. Publicou dois livros de poesia, As Vinhas do Meu Pai (Quasi, 2000) e Vago Pressentimento Azul por Cima (Ilhas, 2000), e um de contos, Os Invisíveis (Quasi, 2002). O poema aqui publicado faz parte do número 9 da revista Telhados de Vidro (Novembro de 2007).
terça-feira, abril 01, 2008
A MÁ EDUCAÇÃO (TECNOLÓGICA)
Quanto à situação em si, a “agressão” da aluna à professora, ela demonstra, para além da inversão de papéis, num local extremamente violento como uma escola, uma total incapacidade por parte da docente de lidar com a situação. A aluna devia ter sido expulsa da aula.
domingo, março 30, 2008
JORGE LUIS BORGES
Os Borges
Nada ou bem pouco sei dos meus maiores
Portugueses, os borges: vaga gente
Cumprindo em minha carne, obscuramente,
Seus hábitos, rigores e temores.
Ténues como se não tivessem sido
E alheios aos trâmites da arte,
Indecifravelmente fazem parte
Do tempo e da terra e do olvido.
Melhor assim. Cumprida a sua ideia,
São Portugal, são a famosa gente
Que forçou as muralhas do Oriente
E ao mar se deu e ao outro mar de areia.
São o rei que no místico deserto
Se perdeu e o que jura estar desperto.
in O Fazedor, Obras Completas II, ed. Teorema, 1998, Trad. Fernando Pinto do Amaral, p. 206
sábado, março 22, 2008
terça-feira, março 18, 2008
DIOGO PIRES AURÉLIO
sugiro o verão para as grandes metáforas do saber
as intermináveis certezas de um só dia apavoradas
p'lo cair da tarde em meio do labirinto
à hora em que desperta o minotauro e o cio enreda
cada frase em mil projectos de minúcia
á beira ti o verso é mais precário e o tempo
das falésias se desprende em símbolos antiquíssimos
desfaz a teia de penélopes traindo enquanto esperam
outros rumos nos incautos remos do dizer
e se eu disser que os peixes se dissolvem
no azul inclino a fala para outras
mais subtis razões que o vinho ou a quimera esquecem
no bater de cada sílaba e no susto que a percorre
in A Herança de Holderlin, Assírio & Alvim, 1978, pp. 15-16
Diogo Pires Aurélio nasceu em 1946. É professor universitário de filosofia e ensaista. A Herança de Holderlin é o seu único livro de poesia. Em 1984 publicou um livro de crítica literária, O Próprio Dizer (IN-CM, col. Plural).
segunda-feira, março 03, 2008
MARIA GABRIELA LLANSOL (1931-2008)
sexta-feira, fevereiro 15, 2008
terça-feira, fevereiro 12, 2008
Bénédicte Houart
engoli uma gaivota anteontem
tinha um travo a mar muito suportado essa gaivota que
já lá vai
despenhando-se garganta abaixo
um acidente tão desejado
num pequeno corpo tão desastrado
embora por vezes uma gaivota desatine
ou quase
a alegria do afogado quando regressa à tona de água
Bénédicte Houart, Reconhecimento, Angelus Novus e Cotovia, col. Inimigo Rumor, 2005, p. 13.
Bénédicte Houart nasce na Bélgica em 1968. Foi docente de Estética na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Reconhecimento é o seu primeiro, e até agora único, livro de poesia.
segunda-feira, fevereiro 04, 2008
PHILIP LARKIN
JANELAS ALTAS
Quando vejo um casal de miúdos
E percebo que ele a anda a foder e ela
Usa um diafragma ou toma a pílula
Sei que isto é o paraíso
Com que os velhos sonharam toda a vida -
Compromissos e gestos postos de lado
Que nem debulhadora fora de moda,
E toda a gente nova a descer pelo escorrega,
Interminavelmente, para a felicidade. Será
Que alguém olhou para mim, há quarenta anos,
E pensou: Isto é que vai ser boa vida;
Nada de Deus, ou de suores nocturnos,
Ou medo do inferno, ou ter de esconder
do padre aquilo em que se pensa. Ele
E a malta dele, c'um raio, hão-de ir todos pelo escorrega
Abaixo, livres que nem pássaros? E de imediato,
Em vez de palavras, vêm-me à ideia janelas altas:
O vidro que acolhe o sol, e mais além
O ar azul e profundo, que não revela
Nada e está em lado nenhum e não tem fim.
Philip Larkin, Janelas Altas, Trad. de Rui Carvalho Homem, Cotovia, 2004, p.45
quarta-feira, janeiro 23, 2008
ANTÓNIO MARIA LISBOA
Projecto de Sucessão
Para o Mário Henrique
Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra
Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos
Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitro-glicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
Abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.
António Maria Lisboa
poesia
Assírio & Alvim
1995
domingo, janeiro 13, 2008
OS LUGARES DOS VISITANTES
United States
Redwood City, California
22
Slovenia
Ljubljana, Bohinj
23
Spain
Madrid
24
Portugal
Santo Antnio Da Charneca, Setubal
25
Brazil
Uberlndia, Minas Gerais
26
Portugal
Vila Nova De Gaia, Porto
27
Switzerland
Muri, Aargau
28
Brazil
Piracicaba, Sao Paulo
29
Denmark
Kerteminde, Fyn
30
Brazil
Tup, Sao Paulo
31
Portugal
Moura, Beja
32
United States
Mountain View, California
33
Portugal
Coronado, Porto
34
Germany
Solingen, Nordrhein-Westfalen
35
Brazil
So Paulo, Amapa
36
Brazil
Florianpolis, Santa Catarina
37
Mexico
Tlacote El Bajo, Queretaro de Arteaga
38
Portugal
Porto
39
Portugal
Lisboa
40
Brazil
Porto Alegre, Rio Grande do Sul
sexta-feira, janeiro 11, 2008
O JORNALISMO LAMBE-BOTAS
quarta-feira, janeiro 09, 2008
quinta-feira, janeiro 03, 2008
terça-feira, janeiro 01, 2008
FUMAR
(Demi Moore)
TABACARIA (Fernando Pessoa / Ávaro de Campos, excerto)
(...)
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência
[de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheco-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança,
[e o Dono da Tabacaria sorriu.