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sábado, janeiro 03, 2015
quarta-feira, dezembro 31, 2014
LIVROS EM 2014
Este ano
pouco ou nada mudou no que ao comércio dos livros e sua edição diz respeito. É
certo que quando a Porto Editora conseguiu, não se sabe por que carga de água
ou fogo, editar com a sua chancela o último livro de Herberto Helder, houve a
percepção, por parte de algumas das mais brilhantes cabeças da pátria, de que
se estava a abusar do maior poeta português vivo. Ou então que o poeta tinha
finalmente enlouquecido, como há desde quase cinquenta anos vinha ameaçando
(veja-se o início do conto “Estilo” do livro Os Passos em Volta, ou algumas
passagens de Photomaton & Vox). Verdade que o livro, A Morte sem Mestre,
esgotadíssimo, não agradou a alguns críticos, a quem certa linguagem erótica,
vinda do vate octogenário, talvez tenha escandalizado. Diferente seria quando
uma ex-jornalista, com carácter de urgência, resolveu escrever em terras
alentejanas, numa cozinha, enquanto o verão passava, um livro que utilizava uma
linguagem vernacular muito idêntica à do nosso tão celebrizado vate H H.
Entenda-se, então, uma coisa: o que uma senhora pode escrever (e dizer) não é o
mesmo que um velho de 80 anos pode. Porque a senhora, dona das suas curvas, faz
com o seu sexo o que lhe apetece; tem os amantes que quer e ninguém tem nada a
ver com isso – muito menos os amantes. Já do velho vate, só fica bem o flirt
com a morte. Mesmo porque algumas palavras, ditas ou escritas por varão, podem
configurar o crime nefasto de assédio sexual. Portanto, mesmo em questões
literárias, e numa altura em que o autor regressou, como um Lázaro da tumba
estruturalista, há que ter todo o cuidado, quando se é um macho branco e
heterossexual, mesmo que de um país que esteve sob o domínio da obscena troika.
É claro que
muitos mais livros se publicaram ao longo de 2014, com o grande destaque para o
lixo do costume, de editores idiotas e livreiros imbecis – com as honrosas
excepções, como em tudo. A situação de destruição que o país vive veio dar
fôlego a um género que em Portugal tinha pouca expressão: os livros de jornalismo,
ou para tentar ser mais exacto
grandes reportagens em livro. Diria que finalmente. Finalmente há jornalistas
que escrevem sobre o que sabem fazer, o que fazem no dia-a-dia, mas de uma
forma mais prolongada, com mais caracteres. Mas desengane-se que isto acabou
com a lógica do jornalista-vedeta que escreve o seu romance anualmente. Não. E
para o confirmar tivemos mais livros de José Rodrigues dos Santos e de Miguel
Sousa Tavares. Mas os livros que tentam desmascarar o jogo de cadeiras por
detrás do poder político, ou quem são os Donos de Portugal, ou aprofundar a
história do BES, são livros de reportagem e investigação que faziam falta,
principalmente se atentarmos que o panorama mediático português é dominado por
grupos empresariais pouco interessados em que a verdade seja publicada nos seus
jornais – e muito menos nas televisões. Temos assim que na falta de um
jornalismo plural – em Portugal, ao contrário do que existe em França ou mesmo
na Espanha, não há jornais de esquerda, tentando todos parecer um enorme bloco
central jornalístico – cabe a jornalistas independentes fazer vir ao de cima a
verdade que se esconde nas pequenas notícias. Jornalistas como Paulo Pena (a
colaborar agora com o Público), autor de Jogos
de Poder – Toda a verdade sobre os bancos portugueses e a forma como criaram a
dívida que todos temos de pagar (esfera dos livros) ou mesmo investigadores
como Gustavo Cardoso, entre outros, têm feito esse trabalho. Trata-se, por
vezes, de escrever aspectos da história recente de Portugal que só no formato
livro podem ganhar inteligibilidade. Outras vezes é tão só uma forma de ter
ainda mais projecção mediática e ganhar algum dinheiro fazendo favores à
ideologia que nos governa ou apresentando propostas dúbias (veja-se o caso do
jornalista da SIC José Gomes Ferreira).
Nas actuais
circunstâncias, em que as livrarias parecem lojas de chinês, ou talvez em que
as livrarias podiam tornar-se lojas de chinês, já que apenas procuram o lucro
de forma acéfala, há que encontrar outros lugares e outras formas de leitura
que fazem uma ponte entre o passado e o futuro. Não é preciso ser um leitor
exigente para perceber que se ganha muito mais, em todos os aspectos,
frequentando e sendo leitor de bibliotecas – a única coisa que se perde é o
livro que uma vez lido tem de ser devolvido. As bibliotecas, mesmo as
municipais, são formas de um encontro feliz com os livros como objectos de
saber, de reflexão e de gozo. Porque as bibliotecas são lugares de encontro com
o passado, com livros marcantes da nossa literatura, filosofia, história ou
outros saberes e sabores. E ali estão esses livros já marcados pelo tempo, já
lidos, sublinhados (e ler um livro sublinhado, de uma biblioteca, é entrar em
diálogo com alguém que desconhecemos). Talvez que esta crise tenha aumentado o
número de leitores em bibliotecas, evitando a decadência das mesmas, esses
lugares que ainda restam de silêncio e murmúrio (para além das Igrejas). Mas,
infelizmente, as bibliotecas representam o passado.
O futuro
apresenta-se através das tecnologias de comunicação digital. É a internet o
grande repositório de saber, não só de um saber tosco, inexacto, que de certa
forma cria uma nova epistemologia, mas também de alguns dos mesmos livros que
se encontram nas bibliotecas. No entanto, a mudança de uma leitura analógica
(digamos assim) para uma leitura digital é um processo complexo – desde os
hábitos dos leitores até direitos de autor. E é também uma nova questão da
ética de leitura: já não se trata de ler por prazer ou por dever (por exemplo),
mas de ler contra o sistema ou a favor do sistema – e ai a questão volta ao
início, entre o lixo e o luxo – independentemente do meio.
Livros
esquecidos de 2014 – uma (pequena) lista
João César Monteiro – Obra Escrita 1,
Livraria Letra Livre
João Urbano – Revoada, ed. Nada
Dulce Maria Cardoso – Tudo são Histórias de
Amor, tinta-da-china
Paulo Varela Gomes – Hotel, tinta-da-china
Luís Filipe de Castro Mendes – A Misericórdia
dos Mercados, Assírio & Alvim
Daniela Arbex – Holocausto Brasileiro, Guerra
e Paz
Giorgio Agamben – A Potência do Pensamento,
Relógio d’ Água
Paulo da Costa Domingos - «Voici la poésie ce
matin et pour la prose il y a les jornaux », Averno
terça-feira, dezembro 23, 2014
Andreia C. Faria
Vesti-me sempre com as roupas de um primo
da irmã mais velha
ou do último amor
Assim sou-lhes leal:
os dedos através dos bolsos
aflorando o sexo, a nuca
beijada de borboto, o hálito
suspenso nas golas da camisa
Com eles tropeço
na estreiteza das coxas, como cavalos
dormimos juntos no mesmo disfarce
Nada em mim cresce de que não sejam a forma
Nada obsceno
que as suas roupas usadas não cubram
*
Rachado o tronco - ardida a lenha
desabrido o lugar de onde vinha
a melodia se assim
puder chamar os nomes
redondos que em lembrança
a boca esgota
pergunto
(a textura omissa do pomar)
a que fruto dar, agora, atenção desmedida
*
BREAKING THE WAVES
Deus existe
Quer estar sozinho, suprimiu
os sinos e os ladrilhos mais sonoros
e às mulheres, para não parecer
quem é, sacode antes de entrar
os cascos sujos
Andreia C. Faria, Flúor, Textura, 2013, pp. 8, 38 e 55.
Andreia C. Faria estreou-se com o livro de poesia De haver relento (Cosmorama, 2008). Flúor é o seu segundo livro. Venceu em 2013 o Prémio Jovens Criadores. A sua poesia, desalinhada de estéticas grupais, em Flúor atinge uma grande qualidade. Uma poeta a ter em atenção para o século XXI.
da irmã mais velha
ou do último amor
Assim sou-lhes leal:
os dedos através dos bolsos
aflorando o sexo, a nuca
beijada de borboto, o hálito
suspenso nas golas da camisa
Com eles tropeço
na estreiteza das coxas, como cavalos
dormimos juntos no mesmo disfarce
Nada em mim cresce de que não sejam a forma
Nada obsceno
que as suas roupas usadas não cubram
*
Rachado o tronco - ardida a lenha
desabrido o lugar de onde vinha
a melodia se assim
puder chamar os nomes
redondos que em lembrança
a boca esgota
pergunto
(a textura omissa do pomar)
a que fruto dar, agora, atenção desmedida
*
BREAKING THE WAVES
Deus existe
Quer estar sozinho, suprimiu
os sinos e os ladrilhos mais sonoros
e às mulheres, para não parecer
quem é, sacode antes de entrar
os cascos sujos
Andreia C. Faria, Flúor, Textura, 2013, pp. 8, 38 e 55.
Andreia C. Faria estreou-se com o livro de poesia De haver relento (Cosmorama, 2008). Flúor é o seu segundo livro. Venceu em 2013 o Prémio Jovens Criadores. A sua poesia, desalinhada de estéticas grupais, em Flúor atinge uma grande qualidade. Uma poeta a ter em atenção para o século XXI.
quinta-feira, dezembro 18, 2014
ALEXANDRE VARGAS
MA BLONDE
Ouve, vagueio num espaço de luz cercado dum silêncio...
é um silêncio e não o teu... vejo claramente olhando as mesas
o meu perfil que se volta docemente e não és tu,
em que braços te suspendes e flutuas os teus lábios
rigorosos de planície quando voas?...
Olha, fixa e furtivamente olha superiormente,
ó Cyborg que enorme já te ergues no teu luto,
a boca entreaberta como um ovo que é olhado
na doce e fresca idade que em breve nos espera
entoa já o canto dos fantasmas que dão fruto.
*
CYBORG (excerto)
Não sei por que modo ou forma entrei em Cyborg.
À entrada lembro-me dos pássaros tenebrosos e eu a hesitar
orgasmático naquele labirinto cósmico
onde os gigantes poderosíssimos nas suas terríveis bielas
nos falam da raça superior. Eu estava vestido
de negro e acordava num sítio inacessível onde
estivesse a começar a levantar-me. Uma porta lassa,
no seu crepitar de ídolo de barro, verificava as
grandes colunas ibéricas que, nos corredores das suas
engrenagens, começavam a erguer-se. [...]
Alexandre Vargas, Cyborg (1978), Lisboa, Livros Horizonte, 1979, pp. 16 e 27.
Ouve, vagueio num espaço de luz cercado dum silêncio...
é um silêncio e não o teu... vejo claramente olhando as mesas
o meu perfil que se volta docemente e não és tu,
em que braços te suspendes e flutuas os teus lábios
rigorosos de planície quando voas?...
Olha, fixa e furtivamente olha superiormente,
ó Cyborg que enorme já te ergues no teu luto,
a boca entreaberta como um ovo que é olhado
na doce e fresca idade que em breve nos espera
entoa já o canto dos fantasmas que dão fruto.
*
CYBORG (excerto)
Não sei por que modo ou forma entrei em Cyborg.
À entrada lembro-me dos pássaros tenebrosos e eu a hesitar
orgasmático naquele labirinto cósmico
onde os gigantes poderosíssimos nas suas terríveis bielas
nos falam da raça superior. Eu estava vestido
de negro e acordava num sítio inacessível onde
estivesse a começar a levantar-me. Uma porta lassa,
no seu crepitar de ídolo de barro, verificava as
grandes colunas ibéricas que, nos corredores das suas
engrenagens, começavam a erguer-se. [...]
Alexandre Vargas, Cyborg (1978), Lisboa, Livros Horizonte, 1979, pp. 16 e 27.
Alexandre Vargas nasceu em Lisboa em 1952. Publicou os seguintes livros de poesia: Morta a sua fala (1977), Cyborg (1979), Vento de pedra (1981), Organum (1984) e Múltiplo de Três (1997).
Cyborg é dos poucos livros da poesia portuguesa que se enquadra dentro da ficção-científica. Um outro exemplo é uma das secções de Quatro Caprichos de António Franco Alexandre.
quarta-feira, dezembro 10, 2014
ANTÓNIO OSÓRIO
Amo-te
com pressa
de não acabar o amor
*
BOSCH, O INÍCIO
I Tríptico das Delícias
Enquanto Adão, Eva e o mais
eram criados, um gato abocava
o primeiro rato.
Iníludivel a prepotência
do felino. Adão soerguido
Eva desejava, nudez sua. E Deus
abençoava os seus viventes
consagrando o bem e o mal que lhes fizera.
António Osório, Emigrante do Paraíso, s/l [edição brasileira, antologia dos primeiros livros, com prefácio de Carlos Nejar] Massao Ohno-Roswitha Kempf / editores, 1981
terça-feira, novembro 25, 2014
O CASO SÓCRATES OU NÃO HÁ COINCIDÊNCIAS
Há uns anos a escritora de
literatura light Margarida Rebelo Pinto deu como título a um dos seus romances “Não
há coincidências”. Na detenção e consequente prisão preventiva de José Sócrates
podemos nos interrogar se há ou não coincidências. Porquê prender o
ex-primeiro-ministro e líder do PS durante cerca de seis anos, quando o PS
estava a eleger um novo líder? E quando a nova liderança do PS estava a
reabilitar José Sócrates? E porquê prender Sócrates quando, a menos de um ano
das eleições, ninguém pode esconder que já começou a campanha eleitoral para as
mesmas?
Todas estas questões parecem ter
uma resposta incerta, mas entram dentro de uma teoria da conspiração que nos
atira para o pior cenário político que a democracia portuguesa viveu. Porque
embora qualquer cidadão possa ser alvo do juiz justiceiro Carlos Alexandre, e José
Sócrates por ter sido primeiro-ministro não possa estar acima ou abaixo de
qualquer outro cidadão, o timing e a forma como esta prisão foi feita aponta
para uma preocupante judicialização da política. De repente, desde o processo Casa
Pia, a chamada justiça portuguesa tornou-se mediática – lembram-se daquele
primeiro juiz do processo Casa Pia? Ora a justiça portuguesa vive numa promiscuidade:
no mesmo edifício trabalham juízes e magistrados do Ministério Público. Essa
promiscuidade, aliada a uma má formação desses elementos – notoriamente em
questões de direitos humanos – leva a um desrespeito total pela presunção de
inocência dos arguidos. Por isso se aplica tantas vezes a prisão preventiva.
Mas o caso José Sócrates é
especial. Desde que foi convidado pela anterior direcção de informação da RTP
para comentador, Sócrates assumiu a sua defesa, a sua “narrativa”, contra a
narrativa do actual governo de direita. Embora o ódio a Sócrates prevalece-se,
a sua mensagem ia passando todos os domingos. Uma mensagem incómoda para o
governo, contrastando com o comentário de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI. Uma
vez iniciada a campanha eleitoral, ou pré-campanha, com a eleição de António
Costa para a liderança do PS, a direita de Passos Coelho, Portas e Cavaco não
podia permitir que a mensagem de Sócrates continuasse a passar. Este governo
fez tudo para destruir o país, é bom que os portugueses tomem consciência que
no próximo ano fará tudo para impedir a esquerda de ganhar as eleições. Acabar
com o comentário de Sócrates na RTP era demasiado evidente nesta altura de que
se tratava de uma medida de ingerência do governo na televisão pública. Havia
que fazer algo mais eficaz. Para alguma coisa serve o SIS que depende
directamente de Passos Coelho. Arranjar forma de incriminar José Sócrates, e
entregar o caso ao juiz justiceiro Carlos Alexandre. E fazê-lo precisamente na
altura em que António Costa era eleito secretário-geral do PS e a uma semana do
congresso do PS. Não há coincidências. (É claro que esta é uma teoria da
conspiração, mas enquanto o processo permanecer indevidamente em segredo de
justiça, com fugas de informação ou mentiras propaladas pelo Correio da Manhã e
por Felícia Cabrita do Sol – lembram-se que foi ela quem despoletou o caso Casa
Pia? – esta narrativa é tão válida como a que tem vindo a ser publicada na
imprensa.)
Com Sócrates preso, numa operação
pidesca, o PS parte para as próximas eleições fragilizado. E a narrativa que
Sócrates vinha defendendo, a de que não foi ele o culpado do pedido de ajuda à troika – antes esta foi desejada pela
direita, e mesmo a esquerda ajudou na sua vinda ao chumbar o PEC 4 – vai por
água abaixo. Mais: António Costa torna-se um líder do PS fragilizado – ele que
pertenceu ao governo de Sócrates e outros elementos do PS que também estiveram
com Sócrates durante seis anos de governo. É quase todo um partido.
A prisão de Sócrates resulta de
um abuso da prisão preventiva – prender alguém preventivamente é declara-lo
culpado antes de ser julgado. Este método tem sido utilizado pela justiça
portuguesa tanto para o pilha galinhas, como para o traficante de droga, como
para o político ou empresário. Quase sempre que a moldura penal do crime
permite a utilização da prisão preventiva ela é utilizada. Ora isto não pode
continuar. É um grave atentado aos direitos humanos que se prenda alguém só
porque é suspeito.
Há na prisão de José Sócrates
algumas ironias. Foi Sócrates quem inaugurou o campus da justiça onde cinco
anos depois viria a ser interrogado; foi Sócrates que assinou alterações
legislativas que agora lhe são imputadas; Sócrates publicou um livro de
filosofia política, A Confiança no Mundo, resultante da sua tese de mestrado,
sobre a tortura. Ora tanto a forma como foi detido, como o regime de prisão
preventiva que lhe foi aplicado podem ser consideradas formas de tortura light.
Quanto ao futuro de Sócrates, como "animal político" ele não está completamente terminado. Mas perante este sistema judicial as suas hipóteses são
escassas.P. S. - Durante o dia de sábado, quando a PJ foi com grande aparato fazer buscas à casa de José Sócrates, viram-se populares e uma bandeira do PNR, o partido de extrema-direita que é um equivalente da Frente Nacional francesa.
quarta-feira, novembro 19, 2014
ÁLVARO MANUEL MACHADO
CORES - 2
Uma simples laranja.
Loucura do amarelo
sobre a toalha branca.
*
VENTO
Maneira de
beber o dia
*
ROSTO
Paisagem
ao longe
*
TEU ROSTO
Lâmpada oval
tensa
recolhida
pão
ovo
berço
rio
Álvaro Manuel Machado, Íntimo Rigor, Arcádia, Lisboa, 1981, pp.21, 29, 42 e 43
Uma simples laranja.
Loucura do amarelo
sobre a toalha branca.
*
VENTO
Maneira de
beber o dia
*
ROSTO
Paisagem
ao longe
*
TEU ROSTO
Lâmpada oval
tensa
recolhida
pão
ovo
berço
rio
Álvaro Manuel Machado, Íntimo Rigor, Arcádia, Lisboa, 1981, pp.21, 29, 42 e 43
sexta-feira, outubro 24, 2014
Rosa Oliveira
L´HOMME AUX
RATS
vai-me buscar cigarros
(de enrolar duram mais)
dizia agarrado ao roupão
que gritava hospital a
centenas de metros
os chinelos de velho
nos calcanhares de cortiça
ontem esfreguei-me no chão
não há hipótese
não tenho orgasmos há quatro anos
fugi daquela casa
os ratos não me deixavam dormir
conduzi
o carro sugado pela neblina
os ciganos
ofereceram-me o lixo deles
para comer
agradeci
os algarismos
não paravam
batiam à porta
depositaram
um cão esventrado
no tapete
na aldeia
havia menos pessoas que no prédio
em frente de tua casa
cheira bem
o teu manjericão roído
por traças verdes
foi então no outono
telefonei-te
percebi
que estava a
deixar de ser moderno
era um sabujo
que batia nos pais
e mal sabia ler
tens de escrever e falar
por mim
perco-me nas frases
e as ideias partem-se
ao quererem sair
estás a ver este gajo
foi buscar tabaco e
agora vem com conversa de padre
se calhar safava-me
da ala psiquiátrica
se fosse para padre
assim
rio e choro
tudo de seguida
e não tenho ninguém a quem
encostar o corpo
esta conversa parece um poema
do cesariny
numa noitada
abjeccionista
esquece o orgasmo
é só um espasmo
toma mas é o lítio
e põe-te firme
na realidade
qual mimese
qual caralho...
(Relâmpago - revista de poesia nº 33)
Rosa Oliveira nasceu em 1958, Viseu. Tem-se dedicado ao estudo e ensino da literatura. Em 2013 publicou o seu primeiro livro de poemas - Cinza - editado pela colecção de poesia da Tinta da China.
segunda-feira, outubro 13, 2014
O TTIP por Almuneda Grandes
Nos
sobran motivos para el miedo. Como vivimos cercados por la mentira y el
silencio, al temor por la suerte de Teresa Romero se suma el de los aún
desconocidos desastres que los recortes en sanidad provocarán mañana, y
hasta la posibilidad de que, en el colmo del cinismo, el Gobierno
aproveche la ocasión para liquidar lo poco que queda de cooperación y
ayuda al desarrollo. Todo lo malo que hayamos sido capaces de pensar
alguna vez se va cumpliendo sin remedio. Por eso quiero llamar hoy su
atención sobre el TTIP, siglas que probablemente desconocen aunque pesan
como una amenaza silenciosa sobre su futuro. EE UU y la UE negocian
desde hace año y medio el Tratado Transatlántico de Libre Comercio e
Inversión en una opacidad casi absoluta. Lo poco que han declarado sobre
sus intenciones —que pretenden eliminar las barreras reguladoras que
limitan los beneficios potenciales de las multinacionales a ambos lados
del Atlántico— es ya temible. Los acuerdos que se están negociando en
secreto pueden ser mucho más peligrosos que el ébola. Si lo que temen
las organizaciones de la sociedad civil que han dado la voz de alarma
llegara a cumplirse, las multinacionales tendrían derecho a cuestionar
las decisiones que tomen Estados soberanos y a ser indemnizadas cuando
éstas les perjudiquen. Para colmo, el tribunal que dirimiría estos
conflictos no sería público, sino privado. Tres abogados con intereses
en la disputa fijarían la sentencia y la multa correspondiente, sin
derecho a recurrir por parte del Estado sancionado. A partir de ahí, la
soberanía democrática será una cáscara hueca y el sometimiento de la
política a los poderes económicos, la norma de nuestra vida. Recuerden
estas siglas: TTIP. Porque lo peor que hayan temido al leer esta columna
se cumplirá mañana si no somos capaces de evitarlo.
Artigo publicado no El País de 13-10-14, última página, sobre o obscuro
TTIP. Sobre o TTIP ver mais informação aqui, aqui, aqui
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