Vítor Silva Tavares era um dos
últimos editores portugueses. Talvez aquele que representasse, ainda, o que era
um editor – uma espécie em sérias vias de extinção, perante a lógica mercantil
que preside à edição como qualquer produto de super-mercado. VST editou, ao
longo de mais de quarenta, anos autores como Herberto Herder, Gastão Cruz,
Fiama, Alberto Pimenta ou os mais recentes Adília Lopes, Manuel de Freitas,
José Miguel Silva, mas também autores quase desconhecidos. Numa entrevista
assume ter editado um autor para evitar um suicídio, colocando muito
naturalmente a vida à frente da arte. Ficou ligado, indissoluvelmente, à &
etc, a editora onde os livros tinham um tratamento gráfico especial. Vítor
Silva Tavares (e a & etc) era mais que um editor marginal ou maldito. É
certo a sua preferência pela edição de autores ligados a uma estética
surrealista ou provocadora – e tudo isso fazia parte do seu programa de vida e
edição. Mas a riqueza do catálogo da & etc é enorme. Preferiu a poesia ou a
prosa dos poetas, por vezes também o ensaio, a tradução – tudo num esmero único,
onde não faltava a colaboração de alguns dos principais artistas gráficos. Nos
últimos tempos foi-lhe dado algum reconhecimento: documentários que circulam
pela net, um livro sobre a & etc. Ele próprio, depois de publicar tantos
poetas, publicou os seus versos numa pequena e artesanal editora do Porto, a 50
kg, "Púsias". Deixa um exemplo que se foi renovando noutras pequenas editoras.
terça-feira, setembro 22, 2015
domingo, setembro 13, 2015
JOÃO RUI DE SOUSA
MOTU CONTINUO
a minha vida dança sobre esferas
por esferas que vão ao infinito
o infinito cai a prumo em nada
no ar que me pesa que respiro
respiro o mar o sol a sombra a casa
cada acordar diurno das raízes
as raízes seguram a terra
a terra é onde durmo e onde vivo
DÍSTICO
põe ordem no desejo
repousa cegamente como um navio em chamas
João Rui de Sousa, Meditação em Samos, Galeria Panorama, s/d, pp. 20 e 23
a minha vida dança sobre esferas
por esferas que vão ao infinito
o infinito cai a prumo em nada
no ar que me pesa que respiro
respiro o mar o sol a sombra a casa
cada acordar diurno das raízes
as raízes seguram a terra
a terra é onde durmo e onde vivo
DÍSTICO
põe ordem no desejo
repousa cegamente como um navio em chamas
João Rui de Sousa, Meditação em Samos, Galeria Panorama, s/d, pp. 20 e 23
domingo, setembro 06, 2015
OS JORNALISTAS AO SERVIÇO DO PODER BIPARTIDÁRIO
Pela
primeira vez a as três televisões em sinal aberto, SIC, TVI e RTP, chegaram a
um acordo para realizar e emitir o que chamam o debate decisivo entre António
Costa e Passos Coelho. O debate vai ser emitido na próxima quarta-feira a
partir das 20h30 com moderação de três jornalistas das estações que organizam
esse debate, nas três estações generalistas em simultâneo, podendo por isso ter
uma audiência recorde. É o modelo norte-americano, mas num só debate. Quanto ao
resto, aos outros partidos com assento parlamentar (BE e CDU) e aqueles que
emergem nas sondagens como podendo obter um ou mais lugares no futuro
parlamento, e ainda todos os outros partidos concorrentes a estas eleições,
quanto a esse resto isso não interessa nada.
Ora esta
falta de respeito pelas regras democráticas dura há quase 40 anos – por isso os
partidos do chamado “arco da governação” são só três, precisamente os que
estarão no debate dito decisivo do próximo dia 9. Isto não é de agora, mas
nestas eleições em que o eleitorado está cansado dos partidos do “arco da
governação” a situação tomou um grande despudor com este único debate para uma
audiência máxima. Há que guiar o rebanho para votar ou na coligação PSD/CDS ou
no PS. E para isso os jornalistas, os directores de informação, estão ao
serviço do poder. Há que evitar as ameaças que representam novos partidos como
o de Marinho Pinto, que nas últimas eleições europeias concorrendo pelo obscuro
MPT conseguiu dois lugares no parlamento europeu, o que caso se tratasse de
legislativas corresponderia a um razoável grupo parlamentar. Da mesma forma há
que evitar que o Livre/Tempo de Avançar obtenha uma representação parlamentar.
Com um jeitinho dos serviçais jornalistas e comentadores para atestar qual o
vencedor, ainda um dos partidos consegue a maioria absoluta como quer o
presidente Cavaco. Assim o povo seja cordato e fiel como um cão aos donos do
poder.
segunda-feira, agosto 31, 2015
Gonçalo M. Tavares
A corrida de 100 metros
Vejamos o mundo.
Exércitos, lugares onde se sofre,
sacrifícios da mãe pelos quatro filhos, o erudito de óculos a
examinar
o filme pornográfico,
o velho de passo lentíssimo com um casaco exagerado,
uma criança a troçar de outra mais fraca,
o casal a discutir por causa do ruído dos pés de um
e da sensibilidade do ouvido do outro,
e no meio de tantos factos e de tão diversas possibilidades,
oito homens com calças curtas e números nas costas
correm cem metros
- nem um centímetro a mais - e ganham ou perdem.
E uma vitória, por exemplo, pode levar alguém a curvar-se
e a chorar. E o assunto são cem metros de espaço no Mundo.
Pensa, por exemplo, no espaço de um país
ou no espaço da tua casa,
ou no espaço que percorres atrás da rapariga
que te largou a mão no meio da cidade;
porém nada mais há em alguns instantes, para esses homens,
além de: cem metros. Cem metros de espaço no planeta.
Vejamos, pois, o Mundo outra vez.
Como quem lê pela segunda vez um livro. Voltemos atrás.
Vejamos onde o homem perdeu a razão.
Em que momento.
Gonçalo M. Tavares, 1, Lisboa, Relógio d' Água, 2ª ed. 2011, p. 133
Vejamos o mundo.
Exércitos, lugares onde se sofre,
sacrifícios da mãe pelos quatro filhos, o erudito de óculos a
examinar
o filme pornográfico,
o velho de passo lentíssimo com um casaco exagerado,
uma criança a troçar de outra mais fraca,
o casal a discutir por causa do ruído dos pés de um
e da sensibilidade do ouvido do outro,
e no meio de tantos factos e de tão diversas possibilidades,
oito homens com calças curtas e números nas costas
correm cem metros
- nem um centímetro a mais - e ganham ou perdem.
E uma vitória, por exemplo, pode levar alguém a curvar-se
e a chorar. E o assunto são cem metros de espaço no Mundo.
Pensa, por exemplo, no espaço de um país
ou no espaço da tua casa,
ou no espaço que percorres atrás da rapariga
que te largou a mão no meio da cidade;
porém nada mais há em alguns instantes, para esses homens,
além de: cem metros. Cem metros de espaço no planeta.
Vejamos, pois, o Mundo outra vez.
Como quem lê pela segunda vez um livro. Voltemos atrás.
Vejamos onde o homem perdeu a razão.
Em que momento.
Gonçalo M. Tavares, 1, Lisboa, Relógio d' Água, 2ª ed. 2011, p. 133
Gonçalo M. Tavares é sem dúvida o escritor, revelado já este século, cuja obra se mostra mais original. Na escrita de GMT a poesia ocupa um pequeno lugar. Por isso a sua poesia tem sido menosprezada face à de outros autores que são apenas poetas. Mas a força desta obra pouco convencional em relação aos géneros, talvez seja uma das mais importantes entre os poetas que começaram a publicar este século.
domingo, julho 26, 2015
Vasco Gato
VI
Que não te enganem
os que compram as horas por atacado
para do teu suor extraírem
a bandeira de um país que nunca será o da atenção
que nunca será o da morada
mas sempre e sempre
o território homeopático da extinção
em que os troféus são
joelhos vergados à condição de cera
para os soalhos do progresso
cujo verdadeiro nome é
despovoamento
Vender-te-ão o conforto
a perseverança o brio
como se tivéssemos por fito
a acumulação do tempo
sem o fruirmos boca a boca
desesperadamente
garantir o futuro dir-te-ão
sem repararem na estupidez do repto
pois que poder temos nós
sobre as válvulas biológicas
do nosso prazo
para nos arrogarmos a garantir
o que quer que seja
quanto mais o sumo fruto da inexistência
esse futuro-cano-enfiado-na-boca
para ser disparado sem falta
de manhã e ao deitar
Em volta sucedem-se clarões
e abismos inóspitos
os elementos torcem-se na pesca à linha
dos lugares fundamentais
há uma convulsão de panoramas
para o brevíssimo turismo
dos olhos
mas o importante é a matemática mesquinha
do sangue que furtamos uns aos outros
a medalha de carne pútrida
com que esperamos aparecer
na fotografia da época
Que se foda a época
digo-te já
que se foda a sépia dos futuros
eu quero aparecer no dia
do teu nascimento
desarmado como uma árvore
sem outra missão que não
amparar-te o susto
e dizer-te baixinho
bem-vindo ao continente dos frágeis
podes parar de nadar
Vasco Gato, Fera Oculta, Douda Correria, 2014
Vasco Gato nasceu em 1978. Publicou mais de uma dezena de livros de poesia entre Um Mover de Mão (Assírio & Alvim, 2000) e Fera Oculta, plaquete manifestamente politizada que testemunha a situação que Portugal vive e tem vivido.
Que não te enganem
os que compram as horas por atacado
para do teu suor extraírem
a bandeira de um país que nunca será o da atenção
que nunca será o da morada
mas sempre e sempre
o território homeopático da extinção
em que os troféus são
joelhos vergados à condição de cera
para os soalhos do progresso
cujo verdadeiro nome é
despovoamento
Vender-te-ão o conforto
a perseverança o brio
como se tivéssemos por fito
a acumulação do tempo
sem o fruirmos boca a boca
desesperadamente
garantir o futuro dir-te-ão
sem repararem na estupidez do repto
pois que poder temos nós
sobre as válvulas biológicas
do nosso prazo
para nos arrogarmos a garantir
o que quer que seja
quanto mais o sumo fruto da inexistência
esse futuro-cano-enfiado-na-boca
para ser disparado sem falta
de manhã e ao deitar
Em volta sucedem-se clarões
e abismos inóspitos
os elementos torcem-se na pesca à linha
dos lugares fundamentais
há uma convulsão de panoramas
para o brevíssimo turismo
dos olhos
mas o importante é a matemática mesquinha
do sangue que furtamos uns aos outros
a medalha de carne pútrida
com que esperamos aparecer
na fotografia da época
Que se foda a época
digo-te já
que se foda a sépia dos futuros
eu quero aparecer no dia
do teu nascimento
desarmado como uma árvore
sem outra missão que não
amparar-te o susto
e dizer-te baixinho
bem-vindo ao continente dos frágeis
podes parar de nadar
Vasco Gato, Fera Oculta, Douda Correria, 2014
Vasco Gato nasceu em 1978. Publicou mais de uma dezena de livros de poesia entre Um Mover de Mão (Assírio & Alvim, 2000) e Fera Oculta, plaquete manifestamente politizada que testemunha a situação que Portugal vive e tem vivido.
domingo, julho 19, 2015
EU NÃO CONFIO NA JUSTIÇA PORTUGUESA
Uma das afirmações que mais se têm ouvido aos
políticos sobre a justiça, decorrente dos inúmeros casos de envolvimento de
políticos em processos judiciais e da prisão de José Sócrates em particular, é
o “eu confio na justiça” ou “à justiça o que é da justiça e à política o que é
da política” – esta frase tem sido muito utilizada por António Costa em relação
a Sócrates. Ora este respeito pela separação de poderes está muito bem do ponto
de vista teórico no funcionamento de um Estado, embora se pensarmos bem ele não
exista – porque são os políticos que fazem as leis que os magistrados aplicam,
são eles, no fundo, os responsáveis pelo Código Penal, Código Civil ou Código
do Processo Penal, instrumentos essenciais para a aplicação da justiça. Resta,
nestas afirmações de confiança na justiça, uma confiança nos homens e mulheres
que aplicam a justiça – os magistrados. Ora o que os vários casos mediáticos
que têm envolvido políticos nas malhas da justiça mostram é mais que
incompetência ou inépcia por parte de magistrados. É má-fé, abuso de poder,
desrespeito pelos mais básicos direitos humanos, procura de protagonismo e
poder, sistemática e intencional violação do segredo de justiça. A prisão de
José Sócrates e o modus operandi do
juiz que ordenou essa prisão, Carlos Alexandre, é exemplar sobre o despótico
funcionamento da justiça portuguesa. Como se pode perceber que exista um juiz a
quem vão parar todos os processos mediáticos, principalmente os relacionados
com políticos? Que explicação tem a procuradora-geral da República, Joana
Marques Vidal, para isto?
Para a justiça portuguesa qualquer pessoa uma
vez suspeita, e não falta imaginação aos magistrados e “investigadores”
portugueses para inventar teorias da conspiração que corroborem que determinada
pessoa é responsável por um crime, corre o risco de ir parar à prisão
(preventivamente) durante meses e ficar com a vida desfeita. Prende-se para
investigar, prendem-se preventivamente cidadãos inocentes, nega-se o princípio
de inocência. Diria que hoje qualquer cidadão, porque qualquer cidadão pode ser
alvo de uma denúncia anónima que é levada a sério pelos “investigadores”, deve
ter mais medo da Polícia Judiciária, dos magistrados do Ministério Público e
dos juízes que dos reais criminosos. Não há que ter receio: em certo sentido a
justiça portuguesa voltou a tornar-se pidesca e plenária.
Prende-se ao início da noite ou de madrugada,
às vezes à sexta-feira, para que a pessoa presa passe o maior tempo possível na
prisão antes de ser apresentada ao juiz; prende-se sem reserva de imagem, pelo
contrário, chamam-se as televisões, os fotógrafos, todas as redacções de
televisão e imprensa ficam a saber antes da prisão ser efectuada; prende-se com
meios ostentatórios como os GOE gente que é simplesmente acusada de corrupção.
Prendem-se pessoas simplesmente para ser ouvidas em processos. Prende-se, como
bem disse José Sócrates numa entrevista, para humilhar e para quebrar. A
polícia e a magistratura portuguesa cansaram-se de prenderem carteiristas,
pilha galinhas, drogados ou homicidas passionais, gente que só passava pelas
páginas d’ O Crime. A justiça
portuguesa, e não só a portuguesa, quer protagonismo, quer que as suas prisões
abram os telejornais e sejam capas de todos os jornais, a justiça quer o poder
que pertenceu aos reis absolutistas, a justiça quer influenciar a política. Não
vale a pena tentar negar: a justiça tem uma agenda política, o juiz Carlos
Alexandre tem uma agenda política.
António Costa e José Sócrates
Perante isto o que devia dizer António Costa
quando é interrogado sobre José Sócrates? A verdade que está no pensamento de
muitos militantes, simpatizantes e não só do PS. Sócrates era alguém incómodo
com a sua narrativa que vinha apresentando aos domingos na RTP desde que
resolvera regressar de Paris. Ao negar Sócrates, quase como Judas traiu Cristo,
António Costa está o negar o passado, onde aliás ele também participou como
ministro. Tudo isto lhe fica muito mal como candidato a primeiro-ministro, como
cidadão, e pode voltar-se contra ele. O que quer dizer Costa quando diz que não
tenciona visitar José Sócrates à cadeia? No fundo António Costa sabe que
Sócrates tem que ser condenado – não é impunemente que a justiça, em que Costa
como muitos outros políticos do sistema dizem confiar prende um
ex-primeiro-ministro e o mantém em prisão por mais de meio ano sem uma acusação
sólida. E para mais tratando-se de alguém com a capacidade de José Sócrates, um
feroz animal político. É também por essa razão que todos os colectivos de
juízes que apreciaram os recursos interpostos pelos advogados de Sócrates
indeferiram os mesmos. E num caso, em que um juiz relator tencionava dar razão
ao recurso de Sócrates, teve que ser chamado à razão da justiça por duas
colegas que votaram contra o recurso.
A cobardia de António Costa pode sair-lhe
cara politicamente, porque a coligação não deixará de usar como arma de
arremesso na campanha eleitoral a prisão de Sócrates. E Costa ao abandonar
Sócrates retira-se da narrativa do ex-primeiro-ministro, deixando a narrativa
da coligação PSD/PP virar ao de cima sem contraditório. É um erro político
grave que pode explicar os fracos resultados que o PS tem tido nas sondagens.
sexta-feira, julho 10, 2015
O "OXI" GREGO E A POLÍTICA EUROPEIA
Ao dizer “Não” no referendo do passado
domingo, os gregos disseram claramente não (oxi) às políticas de austeridade
impostas desde há cinco anos pela troika. Foi um não corajoso, porque as suas
consequências podem ser a saída da Grécia do Euro, com os inevitáveis efeitos
para a Grécia mas também para a restante Europa. Possivelmente já no próximo
domingo haverá quanto a isso uma decisão dos países do eurogrupo – será que
eles preferem cortar um dedo, sem saber quais as consequências, para extirpar o
mal fantasmático do Syriza alegadamente comunista? (na verdade o Syriza sendo uma
“coligação” de várias facções de esquerda, não é o Partido Comunista ortodoxo,
como o PCP em Portugal – existe na Grécia um partido comunista ortodoxo, o KKE).
O “efeito Syriza” trouxe democracia à União
Europeia, o mesmo é dizer que trouxe uma dura dor de cabeça aos tecnocratas
europeus habituados a lidarem com governos dóceis, como o português. Ora este “efeito
Syriza” não funciona sozinho – viu-se nos últimos meses a falta que fez ao
governo de Tsipras um aliado, como o Podemos espanhol. Perante a falta de
democracia nas instituições europeias e perante a conivência dos partidos
sociais-democratas/socialistas com essa ausência de democracia, faz falta uma nova
esquerda de que o espanhol Podemos é o mais significativo – e assustador
exemplo para o centro direita e centro esquerda.
Perante isto, e aconteça o que acontecer nas
próximas semanas em relação à crise grega, algo já mudou com a vitória do
Syriza em Janeiro passado. Falta que os cidadãos europeus ganhem confiança nos
partidos de esquerda europeus. Mas essa é uma tarefa muito difícil: não só pela
divisão existente entre estes partidos e movimentos, mas sobretudo porque os
meios de comunicação social têm privilegiado os partidos do statuo quo em detrimento de outros
actores políticos – veja-se quem são os comentadores políticos da televisão
portuguesa em sinal aberto.
A Europa foi construída por uma elite –
primeiro uma elite de políticos, depois uma “elite” de tecnocratas acéfalos e
obedientes, comandados pelos altos interesses empresariais e financeiros. É,
portanto, uma Europa feita pelo telhado, contra o povo que deveria ser a base
desta construção. Ora isso só pode ser resolvido através de uma nova esquerda,
e de uma nova política, que represente realmente os cidadãos europeus.
terça-feira, junho 16, 2015
JOSÉ EMÍLIO-NELSON
DANAÇÃO
O decorrer do tempo ofende a beleza.
Ao vê-la resplandecer miraculosamente escurece-a de luto.
(Unicamente lhe recorda o perfume.)
*
COSMIC PULSES
[Karlheiz Stockhausen, por Massimo Simonini]
Poisado cone num sopro aspergindo
Espirais que derramam
Luminosos teclados turbulentos,
Eixos suspensos num horizonte de obscuridade profunda.
Erguem em roldanas o Cosmos.
José Emílio-Nelson, Pesa um boi na minha língua, Porto, Afrontamento, 2013, pp. 13 e 21
O decorrer do tempo ofende a beleza.
Ao vê-la resplandecer miraculosamente escurece-a de luto.
(Unicamente lhe recorda o perfume.)
*
COSMIC PULSES
[Karlheiz Stockhausen, por Massimo Simonini]
Poisado cone num sopro aspergindo
Espirais que derramam
Luminosos teclados turbulentos,
Eixos suspensos num horizonte de obscuridade profunda.
Erguem em roldanas o Cosmos.
José Emílio-Nelson, Pesa um boi na minha língua, Porto, Afrontamento, 2013, pp. 13 e 21
terça-feira, maio 26, 2015
Frederico Pedreira
CIRCO
Os salpicos das ondas voam entre o nevoeiro. Passam horas em que só vemos as nossas sombras a agigantarem-se no chão. Ao longe, monta-se um espectáculo de circo e uma criança passa por nós correndo nessa direcção, visionária, urdindo uma velha canção entre monólogos abafados. Acena muito a uns cavalos brancos que estão presos a um poste e que se sacodem em toda a sua magreza pela excitação. Tento agarrar-lhe o braço, pedir-lhe desculpa por não poder ir com ela. Que não me é possível, que entre a minha e a vida dela aconteceu um número de circo que terminou abruptamente, com estatelamento no chão, sem magia ou aplausos, e um público a retirar-se em profundo constrangimento.
A criança corre através de mim como se me expulsasse do tempo, corre cada vez mais veloz contra a parede do vento, empurrando a sua primeira contrariedade. O rosto é jovem mas os olhos parecem doentes e lembram-me os meus, injectados ainda com a possibilidade de diferentes rumos.
É a única vez que paramos de andar, petrificados, os pés afundados na areia húmida. Sintonizamos a respiração da criança, tentando obter uma escuta transversal do mundo.
Frederico Pedreira, Breve Passagem pelo Fogo, Lisboa, Artefacto, 2011, p. 28
Frederico Pedreira nasceu em 1983. É autor dos livros de poesia Breve Passagem pelo Fogo, O Artista Está Sozinho, Doze Passos Atrás e Presa Comum (Relógio d' Água, 2015). Publicou também o livro de contos Um Bárbaro em Casa (Língua Morta, 2014)
terça-feira, maio 12, 2015
MESMO A TEMPO
Última página do Diário de Lisboa (digitalizado pela Fundação Mário Soares e acessível aqui) de 1 de Abril de 1975. Leia-se a notícia "Sartre informa-se da luta na TAP"
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