Uma das afirmações que mais se têm ouvido aos
políticos sobre a justiça, decorrente dos inúmeros casos de envolvimento de
políticos em processos judiciais e da prisão de José Sócrates em particular, é
o “eu confio na justiça” ou “à justiça o que é da justiça e à política o que é
da política” – esta frase tem sido muito utilizada por António Costa em relação
a Sócrates. Ora este respeito pela separação de poderes está muito bem do ponto
de vista teórico no funcionamento de um Estado, embora se pensarmos bem ele não
exista – porque são os políticos que fazem as leis que os magistrados aplicam,
são eles, no fundo, os responsáveis pelo Código Penal, Código Civil ou Código
do Processo Penal, instrumentos essenciais para a aplicação da justiça. Resta,
nestas afirmações de confiança na justiça, uma confiança nos homens e mulheres
que aplicam a justiça – os magistrados. Ora o que os vários casos mediáticos
que têm envolvido políticos nas malhas da justiça mostram é mais que
incompetência ou inépcia por parte de magistrados. É má-fé, abuso de poder,
desrespeito pelos mais básicos direitos humanos, procura de protagonismo e
poder, sistemática e intencional violação do segredo de justiça. A prisão de
José Sócrates e o modus operandi do
juiz que ordenou essa prisão, Carlos Alexandre, é exemplar sobre o despótico
funcionamento da justiça portuguesa. Como se pode perceber que exista um juiz a
quem vão parar todos os processos mediáticos, principalmente os relacionados
com políticos? Que explicação tem a procuradora-geral da República, Joana
Marques Vidal, para isto?
Para a justiça portuguesa qualquer pessoa uma
vez suspeita, e não falta imaginação aos magistrados e “investigadores”
portugueses para inventar teorias da conspiração que corroborem que determinada
pessoa é responsável por um crime, corre o risco de ir parar à prisão
(preventivamente) durante meses e ficar com a vida desfeita. Prende-se para
investigar, prendem-se preventivamente cidadãos inocentes, nega-se o princípio
de inocência. Diria que hoje qualquer cidadão, porque qualquer cidadão pode ser
alvo de uma denúncia anónima que é levada a sério pelos “investigadores”, deve
ter mais medo da Polícia Judiciária, dos magistrados do Ministério Público e
dos juízes que dos reais criminosos. Não há que ter receio: em certo sentido a
justiça portuguesa voltou a tornar-se pidesca e plenária.
Prende-se ao início da noite ou de madrugada,
às vezes à sexta-feira, para que a pessoa presa passe o maior tempo possível na
prisão antes de ser apresentada ao juiz; prende-se sem reserva de imagem, pelo
contrário, chamam-se as televisões, os fotógrafos, todas as redacções de
televisão e imprensa ficam a saber antes da prisão ser efectuada; prende-se com
meios ostentatórios como os GOE gente que é simplesmente acusada de corrupção.
Prendem-se pessoas simplesmente para ser ouvidas em processos. Prende-se, como
bem disse José Sócrates numa entrevista, para humilhar e para quebrar. A
polícia e a magistratura portuguesa cansaram-se de prenderem carteiristas,
pilha galinhas, drogados ou homicidas passionais, gente que só passava pelas
páginas d’ O Crime. A justiça
portuguesa, e não só a portuguesa, quer protagonismo, quer que as suas prisões
abram os telejornais e sejam capas de todos os jornais, a justiça quer o poder
que pertenceu aos reis absolutistas, a justiça quer influenciar a política. Não
vale a pena tentar negar: a justiça tem uma agenda política, o juiz Carlos
Alexandre tem uma agenda política.
António Costa e José Sócrates
Perante isto o que devia dizer António Costa
quando é interrogado sobre José Sócrates? A verdade que está no pensamento de
muitos militantes, simpatizantes e não só do PS. Sócrates era alguém incómodo
com a sua narrativa que vinha apresentando aos domingos na RTP desde que
resolvera regressar de Paris. Ao negar Sócrates, quase como Judas traiu Cristo,
António Costa está o negar o passado, onde aliás ele também participou como
ministro. Tudo isto lhe fica muito mal como candidato a primeiro-ministro, como
cidadão, e pode voltar-se contra ele. O que quer dizer Costa quando diz que não
tenciona visitar José Sócrates à cadeia? No fundo António Costa sabe que
Sócrates tem que ser condenado – não é impunemente que a justiça, em que Costa
como muitos outros políticos do sistema dizem confiar prende um
ex-primeiro-ministro e o mantém em prisão por mais de meio ano sem uma acusação
sólida. E para mais tratando-se de alguém com a capacidade de José Sócrates, um
feroz animal político. É também por essa razão que todos os colectivos de
juízes que apreciaram os recursos interpostos pelos advogados de Sócrates
indeferiram os mesmos. E num caso, em que um juiz relator tencionava dar razão
ao recurso de Sócrates, teve que ser chamado à razão da justiça por duas
colegas que votaram contra o recurso.
A cobardia de António Costa pode sair-lhe
cara politicamente, porque a coligação não deixará de usar como arma de
arremesso na campanha eleitoral a prisão de Sócrates. E Costa ao abandonar
Sócrates retira-se da narrativa do ex-primeiro-ministro, deixando a narrativa
da coligação PSD/PP virar ao de cima sem contraditório. É um erro político
grave que pode explicar os fracos resultados que o PS tem tido nas sondagens.
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