sábado, março 31, 2018

O PÓS PASSISMO E OS COMENTADORES

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Qualquer analista sensato, numa democracia saudável, diria bem da estratégia de Rui Rio de viragem à esquerda. Porque depois de oito anos de passismo, onde o país passou pelo seu período mais negro economicamente depois do 25 de Abril, quem sucedesse a Passos Coelho não teria, na actual conjuntura e tendo em conta o que foram os anos do governo PSD/CDS, outra alternativa para evitar um possível desaparecimento ou redução extrema do PSD, senão virar à esquerda abjurando do que foi o PSD de Passos Coelho.
Ora, acontece que não temos analistas ou comentadores sensatos, mas comentadores que fazem o favor a quem lhes paga. Temos uma comunicação social dominada por poderes que tudo fizeram, e ainda fazem, para varrer a crise e as suas consequências para debaixo do tapete. Mesmo ao governo de António Costa não interessa falar das consequências da crise, de como a crise continua a contribuir para escravizar (o termo parece forte mas não é realista) trabalhadores. E os partidos que seguram a geringonça – BE, PCP, PEV – vão criticando o governo, mas na realidade apoiando-o. É uma situação “esquizofrénica”, mas é melhor que não ter nenhuma oposição à esquerda.
Nisto torna-se evidente a falta que fazem novos partidos na sociedade portuguesa. Veja-se o que aconteceu em Espanha com o fim do bipartidarismo dominante desde o fim da ditadura franquista, ou na França onde o Partido Socialista desapareceu. Em Portugal vivemos na inércia, mesmo depois de uma crise como a que tivemos e ainda temos (é bom sublinhar) apenas um novo partido entrou na Assembleia da República, o PAN, com um deputado. O Livre e o partido a que estava ligado Marinho Pinto foram um flop eleitoral. Há nas elites portuguesas um medo da mudança, geralmente apontado como um medo do populismo, que na realidade é apenas o medo dessas elites – os comentadores televisivos, radiofónicos ou da imprensa – perderem o lugar que ocupam e o modo de vida que lhes garante o salário – muitos destes comentadores são profissionais do comentário, exercendo-o em mais que um média. Estão, noutra escala, reféns da precariedade que faz com que os trabalhadores trabalhem precariamente em turnos a desoras, com horas extraordinárias e com salários miseráveis. Mas, se se portarem bem, se cumprirem com os seus papéis de encherem 50 minutos a falar de lugares comuns, numa pseudo pluraridade onde cada um encarna um não muito exagerado lugar de direita, de centro ou de esquerda, falando para nada dizer,  serão certamente premiados. Ora isto não é nada bom para a democracia portuguesa onde habitam velhos fantasmas, incrustados, que ficaram do Estado Novo e moldaram uma certa mentalidade portuguesa.

terça-feira, fevereiro 27, 2018

DE PASSOS A RIO


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Durante oito anos, quatro dos quais como primeiro-ministro Passos Coelho foi o presidente do PSD. Estes oito anos – principalmente os quatro de governo PSD/CDS – foram os piores da democracia portuguesa. O que Passos Coelho fez aos portugueses – desejar e fazer tudo para que a troika entrasse em Portugal; ir além da troika; implementar uma política de austeridade que visava o empobrecimento dos portugueses, o célebre “temos de empobrecer”; enfim, aplicar uma política económica ultraliberal que destruiu a vida de centenas de milhares de pessoas – não tem expressão por agora porque os comentadores de meios de comunicação próximos do PSD não querem perder o emprego (note-se que os média em Portugal pertencem a empresas e têm linhas editorias de direita ou centro-direita). Por isso Passos Coelho mesmo quando se viu forçado a abandonar o PSD continuou a ter boa imprensa, uma imprensa que faz a lavagem dos anos em que foi primeiro-ministro. Por isso não é de espantar as reacções – dos média – ao congresso do PSD que não quis consagrar Rui Rio como novo presidente do PSD. Embora seja discutível se o PSD numa democracia normal e saudável tinha algum futuro ou o destino que teve o PASOK grego, o Partido Socialista em França ou mesmo o bipartidarismo em Espanha, o certo é que Rio tomou a medida que se impunha perante a herança que lhe coube: virar à esquerda, renunciar ainda que implicitamente ao PSD de Passos Coelho. Tudo isto abriu uma guerra, natural, no PSD. Natural porque os deputados que estão na Assembleia da República foram escolhidos por Passos Coelho, alguns fizeram parte desse governo que fez tão mal a Portugal. A tarefa mais difícil para Rui Rio é limpar o PSD desta gente e colocá-lo como um partido com sentido de Estado – que foi o que Passos Coelho não teve quando votou contra o PEC IV. Mas esta é uma tarefa hercúlea, ainda para mais porque Rio tem contra si os média coniventes com o ultraliberalismo passista. A tudo isto há a acrescentar o facto de Rui Rio ser do Porto, e para os lisboetas aqueles que vêm da cidade invicta, seja de que sector for, seja de que quadrante político for, são alvos a abater. O pior que pode acontecer é que passado pouco ou algum tempo depois deste congresso, alguém das hostes passistas queira destronar Rio para continuar o legado do mal, o de Passos Coelho. Mas será que esse legado tem algum valor junto do eleitorado? Será que apesar do masoquismo, da mediocridade apelando para o fantasma de Salazar (Passos Coelho), um PSD passista não ficaria quase apagado da política portuguesa?
Mas resta ainda uma outra questão, mais premente, e da qual depende o cenário político  depois das próximas eleições legistlativas: de que forma a aproximação do PSD de Rio vai afectar este governo de esquerda? Como vai reagir António Costa perante a aproximação de Rio? E como vão reagir os partidos que sustentam a geringonça?

domingo, dezembro 31, 2017

LIVROS EM 2017

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No ano da morte de Mário Soares, um dos fundadores do regime democrático em que vivemos; no ano do centenário das aparições em Fátima e da Revolução Russa; no ano em que as alterações climáticas, aliadas a um desordenamento da floresta, fizeram mais de uma centena de vítimas mortais nos fogos; no ano em que, finalmente, a economia portuguesa deu mostras de crescimento e o ministro das finanças, Mário Centeno, foi eleito para presidir ao Eurogrupo; no ano agora findo de 2017, no que respeita a livros editados – e devem ter sido na totalidade para cima de uma dezena de milhar, dos quais apenas um restrito número chegou ao mercado livreiro com visibilidade – não houve grandes novidades. Por isso torna-se difícil escolher um livro do ano, coisa em que os balanços da imprensa que ainda  dedica algum espaço aos livros também não conseguiu.
Algumas coisas mantém-se: o livro, na sua materialidade, resiste; apesar do gigantismo de um grupo editorial como a Porto Editora, as editoras independentes também resistem – caso paradigmático da Relógio d’ Água, mas também da Antígona e outras. Por outro lado aparecem novas editoras, algumas de uma dimensão bastante reduzida, outras inseridas em grupos que poderíamos designar de independentes, como é o caso do grupo 20|20 onde estão duas das editoras mais interessantes aparecidas nos últimos tempos: a Elsinore e a E-Primatur.
A ainda vitalidade do livro mostra-se nos livros que se vendem nas tabacarias (o termo é já anacrónico), juntamente com jornais ou revistas. Estão neste caso os livros distribuídos dentro do saco do Expresso (gratuitos) ou as variadas colecções do Público ou da Sábado. A uma maior proximidade do leitor corresponde, no entanto, um completo desmazelo editorial. Está neste caso O Livro das Mil e Uma Noites, distribuído pelo Expresso durante o verão passado. A edição da Aletheia ocultava a origem das traduções, um pormenor que parece despiciendo, mas é  fundamental. Esta forma de tratar os leitores, quer por parte do Expresso quer por parte da editora de Zita Seabra é lamentável. No entanto, a esta edição soube a E-Primatur responder com o primeiro volume das Mil e Uma Noites traduzidas directamente da árabe por Hugo Maia.
   
POESIA
A lista que aqui se apresenta de livros de poesia publicados durante o ano de 2017 foi a mais exaustiva que consegui. Certamente muitos ficaram de fora – edições de autor, edições da editora Chiado, etc. Apresento aqui 133 livros de 29 editoras, desde a pequena editora que editou um ou dois livros à também pequena editora – Douda Correria – que editou 26 livros, que é o dobro dos livros editados pela actual Assírio & Alvim.
Gostaria de destacar o livro que recupera um poeta há muito esquecido na poesia portuguesa: António Reis. Os seus 100 “Poemas Quotidianos” editados pela Tinta da China devolvem-nos um poeta (mais conhecido como cineasta) na sua plenitude, que não pode ser arrumado numa gaveta de uma segunda vaga do neo-realismo. António Reis na sua poesia quotidiana, poesia de imanência, é um nome a ter em conta na poesia do século XX, esse século de ouro da poesia portuguesa.

LIVROS DE POESIA PUBLICADOS EM 2017

ABYSMO
Pindaro – Odes Olímpicas (Trad. de António Castro Caeiro)
Antero de Quental – Poesia I: Odes Modernas/ Primaveras Românticas
Arno Schmidt – Leviatã ou o Melhor dos Mundos seguido de Espelho Negro (Trad. de Mário Gomes)
José Anjos – Somos Contemporâneos do Impossível

AFRONTAMENTO
Ricardo Lima - Suíte Rústica - Fraldeu em espelhos
Afonso Cautela - Lama e Alvorada. Poesia reunida 1953 – 2015
Eduarda Chiote - Fiat Lux
Fernando Guimarães - A Terra se é Leve
Albano Martins - Pequeno Dicionário Privativo
Flor Campino - Elogio do Efémero - Logo de l'éphémere (ed. bilingue)

ALAMBIQUE
António Barahona - Só o Som Por Si Só (Quarto Tômo da Suma Poética)
Ricardo Marques - A Noite [Variações]
Manuel de Freitas - Game Over (2ª Ed. Revista)

ANTIGONA
António José Forte – Uma Faca nos Dentes (pref. de Herberto Helder)

ARTEFACTO
Guilherme Gontijo Flores - carvão :: capim
Luís Falcão – Uma Exigência de Infinito

ASSÍRIO & ALVIM
Alexandre O` Neill – Poesia Completa
Ana Luísa Amaral -  What’s in a Name
Golgona Anghel – Nadar na Piscina dos Pequenos
José Tolentino Mendonça – Teoria da Fronteira
Luís Quintais – A Noite Imóvel
Gastão Cruz – Existência
Eugénio de Andrade – Poesia (pref. de J. Tolentino Mendonça)
Rui Costa - Mike Tyson para Principiantes
Ruy Belo – Transporte no Tempo
Daniel Jonas – Oblívio
Mário Cesariny – Primavera Autónoma das Estradas
Mário Cesariny - Manual de Prestidigitação
Mário Cesariny – Poesia (org. e edição Perfecto E. Cuadrado)
S/A – Épico de Gilgames (Trad. de Francisco Luís Parreira)

AVERNO

Paulo da Costa Domingos - A Céu Aberto
Rosa Maria Martelo – Siringe
Emanuel Jorge Botelho - Os Ossos Dentro da Cinza
João Almeida - Hotel Zurique
Nunes da Rocha - Poemas Obsoletos de um Bicho Imóvel
José Miguel Silva - Últimos Poemas
Luca Argel - 33 Rotações
Rui Baião – Antro
António Barahona - A Voz ao Espelho
Vítor Nogueira – Cantochão

COMPANHIA DAS ILHAS
Francisco José Craveiro de Carvalho - Quatro Garrafas de Água
Madalena de Castro Campos - La Mariée Mise à Nu
Ricardo Pérez Piñero - Cântico do Estuário

COMPANHIA DAS LETRAS

José Mário Silva (org.) – Os Cem Melhores Poemas dos Últimos Cem Anos

DO LADO ESQUERDO

Miguel Martins – S. A.
Jesús Jiménez Domínguez – Ensinar o Eco a falar
Carlos Bessa – Pai
Carlos Alberto Machado – Pés no Charco
Rui Knopfli – Uso Particular
Rui Almeida – A Pedra Não Pode Ser Coração
Pedro Santo Tirso – Oxalá

DOUDA CORRERIA

Miguel-Manso - Rosto, Clareia e Desmaio
Cláudia R. Sampaio – 1025 mg
Diego Moraes – Dentro do Meu Peito Você Pode Cultivar a Solidão o Ano Inteiro (Br)
Ricardo Domeneck - Manual para Melodrama
Iván Prego - Tédio Tropical
João Rios - Os Heróis Transformados em Floreiras
Gary Snyder - Nada Natural (Antologia Poética) - (Trad. de Nuno Marques e Margarida Vale de Gato)
Artur Almeida – Sulcos
Diniz Conefrey - No Coração de Agave (ilustrações do A.)
Sandra Andrade - Caim / Lilith (desenhos e capa de Elagabal Aurelius Keiser)
Miguel Cardoso - Mais de Mil Anos (posf. de Regina Guimarães)
Rui Almeida - Talvez a Dúvida
António Poppe - Come Coral
Mariano Alejandro Ribeiro - Carta Em Fuga Para Cravo E Drá
Rui Nuno Vaz Tomé - 21 Impromptus Para Crianças Peludas
Nuno Moura - Canto Nono (3ª edição)
Rosalina Marshall - Clorântida
Raquel Nobre Guerra - Senhor Roubado (2ª edição)
Angélica Freitas - Um Útero é do Tamanho de Um Punho (Br)
Dulce Maria Cardoso - Rosas
Nuno Moura - Cavalo Alucinado
Luís Carmelo - Extintor de Achados
Regina Guimarães (textos)/ Paulo Ansiães Monteiro (desenhos) – Casamata
Sarah Adamopoulos - A Única Palavra
Catarina Santiago Costa - Filha Febril
Catarina Costa – Analema

EDIÇÕES DO SAGUÃO
S. T. Coleridge – A Balada do Velho Marinheiro (Trad. de Alberto Pimenta)

EDITORA EXCLAMAÇÃO
António Pedro Ribeiro – Dez Pés Abaixo do Mundo (Sel. Rui Manuel Amaral)
Nuno Brito – O Desenhador de Sóis

ELSINORE
Francisco José Viegas (Sel. e Org.) – Cem Poemas e Alguns Mais: antologia da novíssima poesia brasileira

E-PRIMATUR
Camões – Épica e Cartas (Org. Mª Vitalina Leal de Matos)

FAHRENHEIT 451
Miguel Martins - O Caçador Esquimó

FLOP
Konstantínos Kaváfis – 145 Poemas (Trad. de Manuel Resende)

IGNOTA
Henri Michaux - Capturar (Trad. de Aníbal Fernandes)


IMPRENSA NACIONAL – CASA DA MOEDA
Bocage - Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas (Org. Daniel Pires)


LICORNE
Ruy Ventura – Detergente
Isabel Aguiar – As Mães da Síria
José Miranda Rodrigues – Em Busca do Silêncio Perdido
Margarida Morgado – Enquanto (Antologia)
Ricardo Cabaça – Storni - Quiroga
Ruy Ventura – A Chave de Sebastião da Gama
Fernando Eduardo Carita – Estância & Deixamento
Leonora Rosado – A Fenda no Sangue
Manuel Silva-Terra – Ser Casa
R. M. Rilke – Das Rosas (trad. de Manuel da Silva-Terra)
Leonora Rosado – O Último Sopro

LÍNGUA MORTA
José Diogo Nogueira – O Gato Epiléptico
Andreia C. Faria – Tão Bela Como Qualquer Rapaz
Vasco Gato – Lacre, correspondência afectiva
Zetho Cunha Gonçalves – Noite Vertical
Elisabete Marques – Animais de Sangue Frio
Vasco Gato – Fera Oculta (Reed.)
António Amaral Tavares – Os Nomes dos Pássaros
Narciso Pinto – Pingolim
Ivone Mendes da Silva – Dano e Virtude



MARIPOSA AZUAL
Rosalinda Marshal – Sebastião

MODO DE LER
Luís Adriano Carlos/José Cruz dos Santos (Org.) – Os Mais Belos Poemas Portugueses

(não) edições
 D. H. Lawrwnce - Amores-perfeitos / Pansies (vol. II), (trad. de João Concha e Ricardo Marques)
Helder Moura Pereira - Não há nada para fazer em Elephant & Castle
Rita Natálio - Plantas Humanas (capa/ilustração de Mattia Denisse)
Álvaro Seiça - Ensinando o espaço (capa/ilustração de Sofia Morais)
Anne Carson - Autobiografia do Vermelho (um romance em verso) (trad. de João Concha e Ricardo Marques)

ORO
José-Alberto Marques – Épicodrone & Etc

PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE
Nuno Júdice – O Mito da Europa
Maria Teresa Horta – Poesis
Manuel Alegre – O Canto e as Armas (Reed.)
Manuel Alegre – Auto de António

RELÓGIO D` ÁGUA
Frederico Pedreira – A Noite Inteira
Jaime Rocha – Preparação para a Noite
W. B Yeats – Poemas Escolhidos (Trad. de Frederico Pedreira)
John Donne – Poemas (Trad. de Fernando Guimarães e Maria de Lurdes Guimarães)

TINTA DA CHINA
Rosa Oliveira – Tardio
António Reis – Poemas Quotidianos
Gregorio Duvivier – Sonetos
Mário de Sá-Carneiro – Poesia Completa (ed. Ricardo Vasconcelos)
Antero de Quental – As Fadas
AA VV – Às Vezes São Precisas Rimas Destas: Poesia Política Portuguesa e de Expressão Alemã (1914-2014)
Eliane Robert Moraes (Org.) – Antologia da Poesia Erótica Brasileira
Adam Zagajewski – Sombras de Sombras
Rui Knopfli – Nada Tem Já Encanto

VOLTA D` MAR
Henrique Manuel Bento Fialho – A Grua
Rui Tinoco - A Mão Heteronómica

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FICÇÃO, ENSAIO, POESIA (UMA SELECÇÃO)
Agustina Bessa-Luís – Ensaios e Artigos 1951-2007 (Fund. Caluste Gulbenkian)
Maria Filomena Molder – Dia Alegre, Dia Pensante, Dias Fatais (Relógio d’ Água)
Fátima Maldonado – Resgate (Averno)
G. e W. Grossmith – Diário de um Zé Ninguém (Tinta da China)
Alphonse Allais – 63 Histórias de Humor e 1 Poema Melancólico (Exclamação)
Ana Margarida de Carvalho – Pequenos Delírios Domésticos (Relógio d’ Água)
Júlio Henriques – Alucinar Estrume (Antígona)
Mário Henrique Leiria – Ficção (E-Primatur)
Ricardo Araújo Pereira – Reaccionário com Dois Cês (Tinta da China)
Carson McCullers – Relógio sem Ponteiros (Relógio d’ Água)
H. D. Thoreau – A Desobediência Civil e outros ensaios (Antigona)
Isabel Lucas – Viagem ao Sonho Americano (Companhia das Letras)
S/A – As Mil e Uma Noites (Trad. de Hugo Maia) (Elsinore)
Annemarie Schwarzenbach – O Vale Feliz (Teodolito)
J. G. Ballard – Reino do Amanhã (Elsinore)
Marie Darrieussecq – Há Que Muito Amar os Homens (Teodolito)
Elena Ferrante – Escombros (Relógio d’ Água)
Ben Larner – Ódio à Poesia (Elsinore)
Luís Adriano Carlos/José Cruz dos Santos – Os Mais Belos Poemas Portugueses (Modo de Ler)
Mário Cesariny – Poesia (Assírio & Alvim)
António Reis – Poemas Quotidianos (Tinta da China)
José Miguel Silva – Últimos Poemas (Averno)
Rosa Oliveira – Tardio (Tinta da China)
António José Forte – Uma Faca nos Dentes (Antigona)
S/A – Épico de Gilgames (Assírio & Alvim)
Golgona Anghel – Nadar na Piscina dos Pequenos (Assírio & Alvim)
Mário de Sá-Carneiro – Poesia Completa (Tinta da China)
Elias Canetti – A Consciência das Palavras (Cavalo de Ferro)
Pedro Eiras – Os Mestres (Documenta)




quinta-feira, novembro 30, 2017

O PRÉMIO DE ANA TERESA PEREIRA

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A obra de Ana teresa Pereira é singular na literatura portuguesa. E na literatura de língua portuguesa. Talvez por isso o júri do prémio Oceanos (que se destina a obras de literatura portuguesa e brasileira, com um júri maioritariamente brasileiro) foi este ano para Ana Teresa Pereira pelo seu livro Karen. O prémio é justo mas pode causar admiração se tivermos em conta que Ana Teresa Pereira ainda não está publicada no Brasil. Depois de já ter vencido o grande prémio de romance e novela da APE, este é mais um prémio de consagração numa obra, ou “obra-mundo” como lhe chamou o ensaísta Fernando Guerreiro, de uma extraordinária idiossincrasia.
Começando em 1989, na então colecção de bolso da Caminho, com o já aparente policial Matar a imagem, Ana Teresa Pereira vem seguindo um percurso em que os seus romances e novelas são marcados por uma escrita obsessiva, como se estivesse sempre a escrever o mesmo livro (a exemplo de uma Duras), marcado por uma profícua relação com outras artes: pintura, cinema, teatro e obviamente uma forte intertextualidade com autores clássicos do policial, mas também outros como Rilke ou Iris Murdoch. Ao já referido não é alheia uma relação com a filosofia e principalmente com a psicanálise (vejam-se os livros Num Lugar Solitário e Rosas Mortas). Há um tema central em Ana Teresa Pereira, como bem viu num ensaio sobre a sua obra Rui Magalhães: o medo. O Labirinto do Medo. É disso que se tece certa literatura, mas em Ana Teresa Pereira ganha outras dimensões ontológicas. Escrita em português, a obra da autora de Karen, quase nenhuma (ou mesmo nenhuma) relação mantém com a literatura portuguesa. O Mundo de Ana Teresa Pereira é predominantemente anglo-saxónico, com títulos, nomes de personagens e locais de acção referindo-se à Inglaterra. Mas nada disto impede que a escrita da autora madeirense seja das mais criativas da actual literatura portuguesa.
Agora os brasileiros vão poder descobrir Ana Teresa Pereira, e um dia esta obra – já longa – poderá chegar ao mundo de língua inglesa.

O terceiro prémio atribuído pelo júri (que integrava o crítico literário português António Guerreiro) foi atribuído ao livro Golpe de Teatro do poeta Helder Moura Pereira e o quarto lugar à escritora e poetisa Maria Teresa Horta pelo livro Anunciações.   

terça-feira, outubro 31, 2017

OUTUBRO REVOLTADO

1. A 1 deste mês Portugal ia a votos para as autarquias locais. Mas a consequência política dessas eleições foi a clamorosa derrota do PSD de Passos Coelho, que se viu forçado a convocar eleições para a liderança do partido. Assim se espera que termine a carreira do político que mais mal fez aos portugueses depois do 25 de Abril. Quanto ao PSD, deveria ser um partido com o mesmo destino do PAZOK na Grécia ou do Partido Socialista francês – e pelos resultados obtidos arrisca-se a transformar-se num partido insignificante. Pelo mal que o PSD de Passos Coelho fez a Portugal merece-o; no entanto, e apesar de os candidatos à liderança serem duas figuras que nada trazem de novo (Pedro Santana Lopes e Rui Rio), o PSD conta com boa imprensa o que o torna, num país como Portugal, difícil ou impossível de abater.
2. No mesmo dia em que Portugal elegia os seus autarcas, a Catalunha organizava um referendo, à rebelia das autoridades e da constituição espanhola, pelo sim ou não a um estado catalão independente. No meio de uma votação quase clandestina, com intervenções da polícia que fizeram centenas de feridos, acabou por naturalmente ganhar o sim com 90 por cento dos votos. No entanto, só metade dos eleitores votaram o que não dá legitimidade a este referendo convocado pelo governo independentista de Carles Puigdemont. O mês de Outubro foi dos mais tumultuosos para a Espanha e para a Catalunha desde a transição democrática, com Puigdemont a declarar a independência unilateral. O governo de Rajoy accionou o artigo 155 e o líder independentista fugiu para a Bélgica. O (primeiro) problema da independência da Catalunha reside na legitimidade democrática quando existem manifestações a favor da independência e outras a favor da manutenção da Catalunha no estado espanhol. Depois, há uma série de situações iguais à da Catalunha, quer em Espanha quer noutros países da Europa que poderão seguir o exemplo da Catalunha, redefinindo a geografia da Europa.
3. Ao fim de quase 3 anos depois da prisão preventiva de José Sócrates, o Ministério Público apresentou finalmente a acusação. O caso Sócrates, que agora é engrossado pelo alegado corruptor, o banqueiro Ricardo Salgado, e conta ainda com dois ex-CEO da PT, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, sofre de duas coisas que não deviam ser permitidas num Estado de direito: 1) a prisão durante meses do ex-primeiro-ministro para investigar e sem acusação e, 2) o tempo que demorou o MP a fazer essa acusação com sucessivos dilatamentos nos prazos, permitidos pela PGR, muito para além do que determina a lei.
4. Subitamente a 15 de Outubro, Domingo quentíssimo e com vento forte por todo o país, as sirenes dos carros de bombeiros dão o alarme: Portugal (pelo menos acima do Tejo) estava a arder. O fogo atiçado por ventos ciclónicos saltava por entre as matas cheias de vegetação, eucaliptos e pinheiros como um macabro dançarino. Ainda o país não se tinha refeito da tragédia de Pedrogão e o inferno voltava – 45 mortes a juntar às mais de 60 de Pedrogão. Nunca tal tragédia tinha acontecido em Portugal, apesar dos fogos recorrentes no verão. Mas agora já não estávamos sequer no verão. A questão politizou-se com a exigência – desde comentadores a manifestantes na rua ou nas redes sociais – da demissão da Ministra da Administração Interna. Afinal, soube-se depois da comunicação ao país de Marcelo Rebelo de Sousa, que indirectamente demitia a ministra, que esta já tinha pedido a demissão em Julho aquando da tragédia de Pedrogão. A politização desta desgraça acaba por ser algo vergonhoso quer para Marcelo como para Costa. Mas principalmente para o presidente da República que, no seu estilo irrequieto, passou a percorrer o Portugal queimado e na sua magistratura de afectos andou a distribuir abraços pelas vítimas dos incêndios. É como se o chefe de Estado se tornasse num terapeuta de uma dessas terapias new-age, mas sobretudo quisesse suspender a política, torná-la numa clínica, lugar despolitizado.
Penso que o que foi escamoteado na questão dos incêndios é bastante mais simples: o mundo está a sofrer graves alterações climáticas cujas consequências podem ser dramaticamente inesperadas. Só Donald Trump ignora esse facto. É certo que pouco ou nada se fez durante os últimos anos para ordenar a floresta – e nisto tanto os governos do PS como os do PSD têm culpa. Mas o que aconteceu este ano foi demasiado anormal, como é ainda anormal no final de Outubro estar uma temperatura de Agosto. As mudanças climáticas estão aí, não são uma narrativa de ficção-científica, são reais e temos que alterar o nosso modo de vida se não queremos destruir o planeta.

5. Em Outubro, pelo nosso calendário, há 100 anos, Lenine chegava à Rússia para por em prática uma nefasta utopia: o comunismo. As crianças deviam aprender na escola ou na família que as utopias, os desenhos totais (logo totalitários) de sociedades são algo de que se devem afastar; são qualquer coisa como o homem do saco. A concretização da teoria de Marx e Engels por Lenine na Rússia, em Outubro de 1917, foi o início de 100 anos de terror, torturas, mortes. Ainda hoje a Coreia do Norte da dinastia Kim é a prova disso, ameaçando não só os seus cidadãos mas todo o mundo com o seu arsenal nuclear. Como pode tanta generosidade transformar-se em algo absolutamente monstruoso? Esse homem novo, que ainda pouco depois do 25 de Abril de 1974 Carlos do Carmo cantava (lembro: “São os putos deste povo / a aprender o homem novo”) é a revelação de que antropológica e psicologicamente o homem continua a ser um monstro, um bárbaro, se para isso lhe derem possibilidades. E foram essas possibilidades que as revoluções comunistas trouxeram a alguns homens (?) durante o século XX (e ainda neste século). Algo que me espanta: que ao longo destes 100 anos algumas das cabeças mais brilhantes do pensamento tenham insistido na teoria marxista – e nenhuma teoria política foi tantas vezes experimentada e tantas vezes falhou (é certo que o capitalismo fez as suas vítimas, tem o seu lado negro, invisivelmente negro, mas isso não justifica que do outro lado da barricada ideológica o terror se tenha manifestado em tal grau de pureza).

sábado, setembro 30, 2017

A CRISE, AINDA

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A crise que a finança mundial criou há 10 anos e que atingiu Portugal e os portugueses como nunca, ainda não acabou. Lamento, mas isto tem que ser dito. Têm que ser lembradas as vítimas da crise – as que morreram por suicídio, por falta de cuidados médicos –; as vidas despedaçadas (algumas até tinham bons empregos, ganhavam bem, mas ficaram na miséria, subitamente caídas num buraco negro). Há muito por investigar, muito trabalho para os historiadores futuros sobre esta crise. Mas não é difícil apontar os seus responsáveis: as agências de rating que criminosamente levaram Portugal para o lixo – literal e metafóricamente –; Passos Coelho e o seu governo neoliberal que quiseram ir além da troika; Angela Merkel ou Durão Barroso, que criaram uma Europa não democrática, que a partir de uma Alemanha que nunca deixou de ser nazi (veja-se como agora o resultado do partido AfD – cerca de 13 por cento – faz estalar o verniz que cobria o nazismo alemão), impuseram a via única (diziam) da miséria aos países do sul – os PIIGS (PORCOS, assim éramos chamados).
Mas a crise não acabou. Ela continua na vida de centenas de milhar de pessoas que não têm nenhum rendimento; continua nas reformas de miséria; na miséria do RSI; no “colossal aumento de impostos” que não foi revertido por este governo de esquerda. A crise continua, estacionou mansamente em vidas caladas pela depressão, pela miséria de vender o recheio da casa no olx, por uma oferta de trabalho precária, escrava. A crise permanece, apesar dos bons resultados económicos, de Portugal ter saído do lixo na classificação da Standard & Poors (o que é isso de uma agência rating chamar lixo à dívida de um país? Têm eles coragem de colocar os EUA abaixo de AAA?). A crise permanece no Estado social com os cortes a continuarem. Perante isto, os partidos de esquerda que sustentam este governo calam a permanência da crise, calam objectivos que eram urgentes como impor a renegociação da divida. Os média, vivem em crise (quanto tempo aguenta o grupo Impresa na família Balsemão?), directores de informação, como Paulo Dentinho na pública RTP, despedem mais de metade da redacção, em silêncio, substituída por jovens que sabem que existe um risco vermelho que não pode ser pisado. O resultado disto é uma nova censura: há demasiados licenciados em jornalismo e afins, por isso os jornalistas que se tornam incómodos podem ser despedidos, como aconteceu no Público.

Esta semana morreu o antigo bispo de Setúbal, D. Manuel Martins, o bispo que em meados da década de 1980 denunciou a fome existente no seu distrito. Nessa altura, dez anos passados sobre o 25 de Abril, com o FMI em versão light em Portugal, era possível escutar e dar voz ao “bispo vermelho”, confirmar as suas denúncias. Estranhei a notícia da sua morte, porque há muito que não ouvia falar dele, pensei que já tivesse morrido. D. Manuel Martins tinha 90 anos, não sei em que condições de saúde estava, mas desde o início desta crise, há quase 7 anos, que a sua voz, o seu exemplo, tinha que ser censurado. Porque não se pode dizer HÁ FOME EM PORTUGAL.