sábado, agosto 31, 2019
Mário Henrique Leiria
GIN SEM TÓNICA
Uma garrafa de gin
estava a preocupar
o pescador
a garoupa e o rodovalho
não tinham aparecido
pró jantar
que fazer?
telefonou ao ministro
da Pesca e do Trabalho
mas o ministro
estava a trabalhar
na cama
com a mulher
foi então
que a garrafa de gin
sugeriu discretamente
porque não
telefonar ao presidente?
telefonaram
o presidente da nação
estava em acção
na cama
com a mulher
nessa altura
até que enfim
encontraram a solução
o pescador
foi para a cama
com a garrafa de gin
De Contos do Gin-tonic, Estampa, 2ª ed., 1976.
quarta-feira, julho 31, 2019
Lídia Jorge
.
CAI A CHUVA NO PORTAL
Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa cortina
Não a corras, não a rasgues, está caindo
Fina chuva no portal da nossa vida.
Gotas caem separando-nos do mundo
Para vivermos em paz a nossa vida.
.
Cai a chuva no portal, está caindo
Entre nós e o mundo, essa toalha
Ela nos cobre, não a rasgues, está caindo
Chuva fina no portal da nossa casa.
Por um dia todos longe e nós dormindo
Lídia Jorge é desde O Dia dos Prodígios (1980) autora de mais de uma dezena de romances, e alguns livros de contos, volumes, onde tem ficcionado a realidade histórica portuguesa do pós 25 de Abril. A autora, nascida em Boliqueime em 1946, estreou-se na poesia, recentemente, com Livro das Tréguas (D. Quixote).
.
domingo, junho 30, 2019
REUTILIZAÇÃO DA ESTUPIDEZ
A ideia do PS, plasmada no OE para 2019, de
reutilização dos manuais escolares é uma ideia estúpida e sintomática de uma
concepção de escola como um processo burocrático, ou um depósito de crianças e
adolescentes. Diferente da ideia do PS era o projecto apresentado pelo PCP, que
previa a dádiva pelo Estado aos alunos dos manuais sem que estes tivessem de
ser entregues no final do ano lectivo. Mas isso seria um desperdício que Mário Centeno
não poderia permitir.
Sobre os manuais escolares, deve dizer-se que
foram sempre uma forma de aproveitamento económico por parte das editoras que
os publicam – como é o caso da Porto Editora, que sendo a maior editora,
durante anos, a editar manuais escolares, se tornou, agora, no maior grupo
editorial e livreiro do país. Esse aproveitamento consiste no uso de papéis
caros, no uso abundante da cor, o que encarece o manual, e faz com que os
livros escolares pesem mais que os outros livros, tendo as crianças e
adolescentes que transportar um peso significativo nas mochilas. Ou seja, os
manuais escolares apresentam-se como livros de arte, ou enciclopédias
ilustradas. Daqui resulta que as primeiras experiências, na generalidade, com o
livro, por parte das crianças, não são boas. Não só pela questão do peso, mas
sobretudo porque os livros apresentam um saber, incipiente, muitas vezes
marcado ideologicamente, que vai ser objecto de um exame, sob cuja performance
é atribuída uma nota ao aluno. É assim que toda a possibilidade de pulsão
epistemofílica, de interesse pelo saber, é castrada pela escola.
Ora, o deficiente saber, o saber deturpado,
mas ainda uma narrativa de um saber, uma possibilidade do reaparecimento da
pulsão epistemofílica – mesmo por outros membros da família – fica amputado
quando os manuais escolares são devolvidos para reutilização. Porque em muitas
casas portuguesas os únicos livros que existem são, por obrigação, os manuais
escolares. Se tivermos em conta os dados recentemente divulgados, que dizem que
os filhos das famílias mais pobres vão para os cursos com menos prestígio (os
dos politécnicos), temos a evidência prática da política dos manuais reutilizáveis.
sexta-feira, maio 31, 2019
ABSTENÇÃO
O semanário
Expresso da passada sexta-feira, 24, trazia como manchete uma sondagem que
indicava que 69 por cento dos portugueses não eram capazes de nomear nenhum
candidato às eleições Europeias do passado Domingo. Ora, foi sensivelmente este
o número da abstenção destas eleições, um número que se tomarmos por correcto
constitui o recorde da abstenção em eleições desde o 25 de Abril (Luís
Aguiar-Conraria, no Público de dia 29, serve-se de um outro argumento, os
portugueses que residem no estrangeiro, e cuja taxa de abstenção “perfeitamente
normal” foi de 99 por cento, para fazer umas estranhas contas que colocariam a
abstenção na ordem dos 60 por cento).
Da citada manchete do Expresso infere-se um provável nexo de
causalidade: os portugueses que não sabiam quem eram os candidatos não foram
votar. É justo. Porque, embora o voto seja universal para todos os cidadãos
maiores de 18 anos, não faz sentido que alguém que não tem nenhuma noção dos
programas dos partidos, ou sequer não sabe o que é o Parlamento Europeu, ou que
as eleições Europeias foram para o Parlamento Europeu, vá exercer o seu “direito”/”dever
de voto”. E aqui estamos perante um assunto que é urgente ser discutido: literacia política. Levantar a questão
de uma literacia política é levantar a questão de como as instituições se
apresentam no espaço público (e aqui, a UE tem defendido a sua opacidade e
complexidade burocratizante, enquanto os parlamentos nacionais se tornam mais
transparentes com os seus canais televisivos – veja-se a título de exemplo a
audição a Joe Berardo); é, também, questionar como os partidos fazem campanha e
se apresentam aos seus potenciais eleitores; ou ainda – e este item reveste-se
de particular importância – como os meios de comunicação social abordam nos
seus espaços informativos as questões políticas e institucionais; e, não menos
importante, como a escola explica o funcionamento das instituições.
Após o 25 de Abril, e depois com a estabilização democrática, a
democracia representativa tornou-se universal. Na primeira República apenas os
homens alfabetizados e os chefes de família podiam votar (curiosamente uma
mulher, Carolina Beatriz Ângelo, médica e viúva, invocando a sua condição de
chefe de família, conseguiu votar, tornando-se num caso absolutamente
excepcional até às eleições de 25 de Abril de 1975 para a Assembleia
Constituinte, onde as mulheres puderam votar pela primeira vez). Hoje, nas
democracias representativas ocidentais a taxa de abstenção ronda os 50 por
cento – foi também esta a taxa de abstenção média destas eleições tendo em
conta o conjunto dos (ainda) 28 estados membros da UE.
Mas, em Portugal, a abstenção para as eleições Europeias, desde a
década de 90 do século passado, apresenta números superiores aos 60 por cento,
sendo as eleições com maior taxa de abstenção. Porque razão isto ocorre? Uma
das possíveis explicações, alinhadas com outros países chamados eurocépticos,
como é o caso da Grã-Bretanha que tenta sair da União Europeia, é a que os não
votantes nas eleições Europeias em Portugal o fazem pelas mesmas razões que os
ingleses quiseram, em referendo, o Brexit. Não me parece que seja essa a razão.
A razão para o não voto dos portugueses, em particular nestas últimas
Europeias, creio que se prende com a opacidade institucional da UE. Esta falta
de transparência da UE só pode ser mudada por dentro, e o bom resultado que os
partidos de tendência ecologista obtiveram, embora ainda insuficiente, pode
servir para diminuir o peso que os partidos do centro, burocratizantes, têm no
Parlamento Europeu. Mas há razões específicas para a existência desta maioria
silenciosa: 1, a desconfiança em relação à UE terá aumentado depois da
intervenção da troika em Portugal, que era constituída pelo BCE e pela Comissão
Europeia; 2, um divórcio em relação à política portuguesa que foi caracterizada
nos últimos tempos por uma austeridade encapotada, com cortes promovidos pelo
ministro das finanças, Mário Centeno, que é ao mesmo tempo o presidente do
Eurogrupo. Esse divórcio acentuou-se com o descaramento da banca e dos grandes
devedores de que a audição a Joe Berardo no Parlamento foi paradigmática: como
se pode compreender que o Estado tenha emprestado milhares de milhões de euros
(cerca de 20 milhares de milhão) á banca para esta emprestar a estes
multimilionários sem nenhumas garantias, em operações obscuras. E como se pode
perceber que a mesma banca seja tão implacável para com aqueles que em
dificuldades, vítimas da crise, desempregados, perderam a casa sob a qual
tinham contraído empréstimo bancário? Daqui resulta, como estamos a assistir,
um braço de ferro entre a banca (cujo Banco de Portugal supremamente
representa) e o parlamento. Porque os políticos portugueses sabem que esta
situação se tornou intolerável, e terá repercussões nas legislativas de Outubro
próximo. Se, como escrevia o poeta e jornalista Eduardo Guerra Carneiro, “isto
anda tudo ligado”, não podemos descartar a influência da audição parlamentar a
Joe Berardo nos resultados das eleições Europeias.
terça-feira, abril 30, 2019
D. Dinis
__ Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo!
Ai Deus, e u é?
__ Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo!
Ai Deus, e u é?
Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do qui mi á jurado!
Ai Deus, e u é?
__ Vós me perguntardes polo voss'amigo,
e eu bem vos digo que é san'vivo.
Ai Deus, e u é?
Vós me perguntardes polo voss'amado,
e eu bem vos digo que é viv'e sano.
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é san'vivo
e seera vosc'ant'o prazo saído.
Ai Deus, e u é?
E eu bem vos digo que é viv' e sano
e seera vosc'ant'o prazo passado
Ai Deus, e u é?
domingo, março 31, 2019
Joan Zorro
Em Lixboa, sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar,
ai mia senhor
velida!
Em Lixboa, sobre lo ler,
barcas novas mandei fazer,
ai mia senhor
velida!
Barcas novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar,
ai mia senhor
velida!
Barcas novas mandei fazer
e no mar as mandei meter,
ai mia senhor
velida!
(in Poemas Portugueses - Antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI, Porto Editora, p. 107)
Joan Zorro foi um jogral português que terá feito parte da corte de D. Dinis. São-lhe conhecidas 11 composições. Em 1967 Fiama Hasse Pais Brandão publica o livro Barcas Novas (ed. Ulisseia) que inclui o poema com o título homónimo, referindo-se à Guerra Colonial. Mas a marca intertextual de Joan Zorro na poesia de Fiama, não se ficaria por ai, publicando em 1974 "O Texto de João Zorro"
Joan Zorro foi um jogral português que terá feito parte da corte de D. Dinis. São-lhe conhecidas 11 composições. Em 1967 Fiama Hasse Pais Brandão publica o livro Barcas Novas (ed. Ulisseia) que inclui o poema com o título homónimo, referindo-se à Guerra Colonial. Mas a marca intertextual de Joan Zorro na poesia de Fiama, não se ficaria por ai, publicando em 1974 "O Texto de João Zorro"
quinta-feira, fevereiro 28, 2019
Francisco Sá de Miranda
O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.
Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.
Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.
Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
Também mudando-m’eu fiz doutras cores:
E tudo o mais renova, isto é sem cura!
Francisco Sá de Miranda viveu entre 1481 ou 1485 e 1558. Poeta maior da história da literatura portuguesa, perto de Camões, Bernadim Ribeiro, Gil Vicente. O soneto aqui apresentado é um dos mais famosos do autor e aquele com quem alguns poetas do século XX estableceram relações de intertextualidade, como é caso de Gastão Cruz.
quinta-feira, janeiro 31, 2019
CENSURA E PEDAGOGIA
1, Estava uma turma de Português do 12º ano,
a ouvir uma medíocre versão dita por alguém no you tube do poema "Ode Triunfal" de Álvaro de Campos-Fernando Pessoa, quando alguém repara que ao texto impresso
no manual da Porto Editora faltam três versos. Fantásticos estes alunos que
mereciam um 20 por tal descoberta: a de que o manual da Porto Editora, de
autoria de Noémia Jorge, Cecília Aguiar e Miguel Magalhães censurava três
versos de um dos poemas mais importantes do modernismo português. Falavam esses
versos de putas e de pedofilia: “automóveis apinhados de pândegos e de putas”
(verso 153) e “E cujas filhas aos oito anos – e eu acho isto belo e amo-o! –
Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.” O verso 153 não se
percebe muito bem o porquê da censura – será que tem que ver com esta
predominância de movimentos feministas? Quanto aos outros dois versos,
percebe-se que hoje sejam mais censuráveis que há cerca de 100 anos quando
foram publicados em Orpheu. Se Pessoa fosse vivo, e por algum azar um
jornalista ou delegado do MP lhe caísse em cima (passe a metáfora), qual não
seria a reacção da turbamalta? Ainda bem que a poesia é coisa de duas centenas
de pessoas, como já o era no tempo de Pessoa-Campos. Mas, mesmo assim, poder-se-á
dar razão aos autores do manual em ter censurado estes 2 versos, não vá
qualquer furor adolescente lê-los em sagrada família, com um membro a exigir
digitalmente a pena de morte para o poeta, enquanto o outro defende a tortura
do membro viril cortado em fatias (um aparte para dizer que nada disto é da
minha imaginação, antes reproduzo dois comentários ouvidos num café depois da
passagem de uma reportagem da TVI sobre pedofilia).
2, Este caricato episódio, poderia servir
para a discussão do programa de literatura portuguesa nas escolas. Ainda há
alguns meses, se discutia sobre a importância d’ Os Maias nos currículos e da
necessidade da sua leitura integral. Assim como Os Maias, o programa de
português inclui uma série de obras que sendo clássicos da literatura
portuguesa, nada dizem aos estudantes do básico e secundário. A maior parte dos
alunos limita-se a estudar os apontamentos das aulas ou a ler os resumos que –
ainda creio existirem – da Europa-América, ou então a enveredar por um caminho
mais perigoso: o da wikipédia. Quanto aos alunos que vivem na ilusão de trabalhar para ter médias que lhes permitam o
acesso a um curso que lhes vai garantir o futuro – como se isso existisse hoje
–, talvez por obrigação tentem ler as obras do programa. Mas sejamos claros:
nada disto serve a literatura. A Escola não tem uma poção mágica que faça os
alunos ter prazer por ler. Pelo contrário, a escola é a primeira instituição
repressora do sujeito. E nessa repressão está o gosto pela leitura – não só
pela literatura, mas por toda a espécie de texto, da filosofia à divulgação de
biologia ou física. Quando existe algum gosto pela leitura do texto literário
em adolescentes, ele não se compadece com um cânone que vai do Cancioneiro,
passando por Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo,
e a obrigatoriedade de ler Eça (Os Maias substituídos por A Ilustre Casa de
Ramirez) e Saramago (Memorial do Convento substituído por O Ano da Morte de
Ricardo Reis). Todo este cânone é em si discutível, feito de textos mortos, no
sentido que apresentam uma mentalidade que nada tem a ver com os nossos dias,
ignorando os autores contemporâneos, e mesmo em alguns casos depreciando
autores como Camilo Castelo Branco em favor de Eça de Queirós, algo a que não é
indiferente o pobre centralismo lexical lisboeta. Mas ainda sobre este
programa, deve-se dizer que ele é tão só História da Literatura, que ignora os
grandes escritores e poetas que o século XX – e alguns já de inícios deste
século – nos deu e dá. Se querem que adolescentes se interessem pela
literatura, porque não começar por apresentar textos de Adília Lopes, Alberto
Pimenta, ou mesmo Rui Manuel Amaral ou A. Dasilva O. de quem o “clássico”
Peidinhos circulava há anos em fotocópias entre alunos? E aqui voltamos à
censura, à hierárquica posição pedagógica, que mesmo entre os clássicos censura
Bocage. Esta escola é demasiado estúpida, anquilosada, feita na generalidade de
professores medíocres, ensinando que a alegria é um engano do corpo (o que até
condiz com certa poesia que se faz, essa que tal como a escola, fecha as
janelas a obras demasiado solares como as de Sophia ou Eugénio de Andrade). Resumindo
a questão: ao impor um cânone que nada diz aos alunos do básico e secundário, a
escola opta por liquidar qualquer interesse que os alunos pudessem ter pelo
texto literário (com algumas e minoritárias excepções); em contrapartida, pode
(a escola) imaginar que obriga os alunos a ter conhecimento de um cânone
literário. Ou seja, opta-se por liquidar potenciais leitores, por liquidar o
prazer da leitura (não estivesse ele já a ser liquidado por uma sociedade
digital e iconográfica), em nome de uma memória do passado soterrada depois do
último exame. Ou, como escreveu Joaquim Manuel Magalhães, “Que sentido houve
para o que aprendeste? / Peidos com cheiro a rosa, foi o que foi.” (Os Dias,
Pequenos Charcos; Presença, 1981).
quinta-feira, janeiro 03, 2019
segunda-feira, dezembro 31, 2018
LIVROS EM 2018
1, Em meados da década de 1990, num livro intitulado
Ser Digital, Nicolas Negroponte anunciava um mundo imaterial, composto por
bytes. A verdade, mais de duas décadas depois, é que ainda, e felizmente, não
atingimos esse mundo. Apesar das impressoras 3D, o digital ainda só serve para
a transmissão de dados. É neste quadro que o livro como objecto material feito
de papel, “cartolina”, cola, tinta, foi, juntamente com os jornais e revistas,
ameaçado na sua materialidade pelos E-Books. Embora essa ameaça continue a
pairar, o certo é que os livros electrónicos têm sido um flop. O mesmo não se
pode dizer das livrarias, principalmente das que não estão ligadas aos grandes
grupos que dominam o mercado editorial. Da Amazon à Wook, passando pela Fnac, a
compra de livros on-line generalizou-se – mesmo a compra entre particulares
através de sites como o Olx. O problema não está só na facilidade que a compra
on-line oferece, mas também na incapacidade dos livreiros.
2, É neste último sentido que o ano de 2018
foi marcado pelo fecho de algumas livrarias de rua, em Lisboa e no Porto. Uma
delas terá sido nos seus tempos áureos, década de 1980, 1990, uma, ou a,
livraria mais importante em solo português. Era a Livraria Leitura, do Porto,
enquanto teve à sua frente o livreiro Fernando Fernandes, também desaparecido este
ano. No final da década de oitenta, quando pela primeira vez entrei na Leitura,
que ficava então ao cimo da Rua de Ceuta, onde hoje está um moderno salão de
cabeleireiro (ironicamente como se aquele espaço no trespasse trocasse o
interior do cérebro pelo seu exterior capilar), encontrei o espaço mais repleto
de livros que jamais tinha visto. Livros até ao tecto, onde só se chegava com
um escadote, livros em estantes nas escadas que subiam para o primeiro andar,
milhares de livros de todo o mundo num espaço exíguo. Nessa altura a Leitura
era a mais bela livraria do mundo, se tomarmos em conta que o que faz a beleza
de uma livraria são os livros, a potencialidade que eles oferecem, e não o
espaço arquitectónico onde se situam, como acontece com a Livraria Lello – esta
última colonizada actualmente pelos turistas deixou de ser uma livraria para se
tornar num monumento. A Leitura fornecia livros para bibliotecas, fazia um
catálogo, e todos os dias ia uma empregada aos correios que ficavam do outro
lado da rua, com imensos livros para enviar para leitores – imagino que não só
nacionais. Pela Leitura passavam frequentemente as cabeças mais iluminadas do
Porto, e também quem de Lisboa vinha ao Porto. Creio que o sucesso da Leitura
estava numa atenção única que Fernando Fernandes dedicava aos leitores. Numa época
em que não existia internet, em que o conhecimento do que se publicava vinha de
jornais como o El País ou o Magazine Literaire – mas também de outras revistas
mais especializadas – Fernando Fernandes trazia até ao leitor o livro, quer
este se encontrasse nos antípodas, quer estivesse ao lado na Livros do Brasil.
Mas, a maior parte das vezes estava ali, na imensa secção de filosofia ou
poesia, ou no original quer fosse um romance de Thomas Berhnard ou os diários
de Sylvia Plath. Depois Fernando Fernandes reformou-se, vendeu a sua parte,
durante alguns anos a Leitura, que passaria a chamar-se Leitura-Bulhosa, foi
como um pulsar: ampliou o espaço, passando a ter entrada pela rua José Falcão,
abriu livrarias no centro comercial do Bom Sucesso (Boavista) e em Serralves.
Mas sem Fernando Fernandes já não era a mesma Leitura; e com a internet e a
crise financeira viu-se restringida ao espaço da rua José Falcão. A colonização
turística que faz do Porto (e Lisboa) uma cidade completamente descaracterizada,
como se fosse uma Cinne Cità para turista, ajudou a dar a ultima machadada
naquela que foi a maior livraria portuguesa.
3, Apresenta-se a seguir uma lista, por
editoras (23), dos livros de poesia publicados em 2018. Será uma lista
naturalmente incompleta e com erros. No entanto, foi a lista que com algumas
horas de trabalho e a ajuda de sites de editoras, páginas do facebook,
livrarias on-line, e jornais, consegui obter. Desta lista, comparada com a de
outros anos, conclui-se, do ponto de vista editorial, não existirem grandes mudanças.
A poesia continua a ser editada, a maior parte por micro-editoras (algumas só
publicaram um livro), outra por editoras como a Assírio & Alvim, para quem
a edição sendo um negócio, como o das salsichas não deixa de apresentar boa
carne. Ou seja, livros importantes. Está neste caso o primeiro volume da obra
completa de António Ramos Rosa, poeta de extensa obra que corria o risco de
cair no esquecimento. Destaque-se ainda, na mesma editora a tradução de uma selecção
de poemas de William Wordsworth por Daniel Jonas. Se houve autor que enervou,
já desde 2010 os seus leitores, foi Joaquim Manuel Magalhães que este ano,
depois de longo silêncio, voltou com novo livro de reescrita de poemas já
reescritos e alguns inéditos – enfim uma confusão que pode ter a sua lógica.
4, Quanto ao ensaio, ficção e outros géneros
de difícil catalogação, apresento uma pequena lista com a escolha de alguns
livros. Noto por parte da imprensa que ainda se dedica a estes balanços, o
esquecimento de um autor, que quer se goste ou não é fundamental na literatura
e mesmo no pensamento que faz em Portugal: Gonçalo M. Tavares. Dele disse, com
alguma razão José Saramago, que seria o próximo nobel português. O prémio já
caiu em descrédito, mas as razões pelas quais a crítica teima em esquecer
Tavares, ou outras pessoas o colocam nos mesmos termos de um José Luís Peixoto,
são umas obscuras e as outras decorrentes de pura ignorância.
POESIA
ABYSMO
Luis Garcia
Montero - As Lições da Intimidade (Trad. de Nuno Júdice)
Felipe
Benítez Reyes - Privilégio de Penumbra (Pessoana) (Trad. de Vasco Gato)
Antero de
Quental – Poesia III
AA VV - Lisbon Poetry Orchestra (Livro + 2 cd)
ALAMBIQUE
Ricardo
Tiago Moura – Cruzes
AFRONTAMENTO
Fernando
Echevarría - Via Analítica
ARTEFACTO
Miguel
Filipe Mochila - Com a Língua nos Dentes
ASSÍRIO
& ALVIM
António
Ramos Rosa – Obra Poética (Vol. I)
António
Botto – Poesia
Luís
Quintais – Agon
Ron Padgtt –
Poemas Escolhidos (int., sel. e trad. de Rosalina Marshall)
Luís Filipe
Castro Mendes – Poemas Reunidos
Ana Luísa
Amaral / Marinela de Freitas (Org.) - Do corpo: outras habitações
José Alberto
Oliveira (versões) – Poemas da Antologia Grega
José Alberto
Oliveira - De Passagem
Marta Chaves
– Varanda de Inverno
Adília Lopes
– Estar em Casa
Valter Hugo
Mãe – Publicação da Mortalidade
Rosa Alice Branco
- Traçar um Nome no Coração do Branco
Eugénio de
Andrade – À Sombra da Memória (Reed. Pref. de Gonçalo M. Tavares)
Eugénio de
Andrade - Ofício de Paciência (Reed. Pref. de Gastão Cruz)
Eugénio de
Andrade – Rente ao Dizer (Reed. Pref. Federico Bertolazzi)
William
Wordsworth – Poemas Escolhidos (Sel. e Trad. de Daniel Jonas)
AVERNO
Fábio Neves
Marcelino - Canto Irregular
Tiago Araújo
- Ano Zero
José
Francisco Azevedo - Mistérios
Amalia Bautista
- Coração Desabitado (sel. e trad. de Inês Dias)
António
Barahona - Aos Pés do Mestre
Jorge Molder
e Ricardo Álvaro - Morrer
José Carlos
Soares - Camel Blue
Rui Pires
Cabral - Manual do Condutor de Máquinas Sombrias
Carlos
Nogueira/Inês Dias - Grafito
Manuel de
Freitas - Shots
COMPANHIA
DAS ILHAS
Ramiro S.
Osório - Ao largo de Delos
Gisela
Canãmero - Um Mosquito num Voo Baixo. Um Poeta na Revolução
Jorge Aguiar
Oliveira - Pena de Morte
Fernando
Machado Silva - Um Espelho para Reproduzir as Mutações da Vida
Manuel Tomás - Falquejando os Dias
Jaime Rocha
(coordenação
literária) - Poesia, Um Dia. Poetas em Ródão (2012-2017)
Cláudia
Lucas Chéu - Beber pela Garrafa
José Viale
Moutinho - A Pessoa Indicada
Rui Sousa - Ao
Ouvido do Diabo
Paulo da
Costa Domingos - A Vau
José Martins
Garcia - Poesia Reunida
COTOVIA
Manuel
Resende – Poesia Reunida
A M Pires
Cabral - Trade Mark
Amália
Rodrigues – Versos
DO LADO
ESQUERDO
António
Amaral Tavares - Retratos de Nova Iorque
André
Tecedeiro - O Número de Strahler
Miguel-Manso
– Mortel
Miguel
Martins - Film Noir
Eunice de
Souza – Coração de Abacate (Trad. de Francisco José Craveiro de Carvalho)
AA VV –
Mixtape II
DOUDA
CORRERIA
Hugo
Milhanas Machado - Um longo tempo nos pulos do mar
Adelaide
Ivánova - O Martelo
Yiannis
Stiggas - Exupéry Significa Perder-se
João Paulo
Esteves da Silva – Dois Bois e uma Arma na Mão
António
Cabrita - Oitenta flechas para atrair a cotovia/ Livro 1
Raquel Salas
Rivera – Desdomínios (trad. do espanhol e pref. de Mariano Alejandro Ribeiro)
Théodore
Fraenckel – Iluminuras
Maria
Daniela – Cona Cósmica
Ramiro S.
Osório e Sebastião Belfort Cerqueira - RSO&SBC
Manel Seatra
– Dias de Folga
Sandra
Andrade - Caim / Lilith (2ª ed.)
Leonor Sá –
A Poesia Está Fechada
Cristina
Bartleby – O primeiro poeta que despi
Rui de
Almeida Paiva - Canções de Embalar Belos Planetas Cansados
Nuno Marques
– Dia do Não
Cláudia R.
Sampaio – Outro nome para a solidão
Miguel
Loureiro - Confissões de um Exilado no Barreiro
EDIÇÕES 50
KG
Manuel de
Freitas – Sob o Olhar de Neptuno
EDIÇÕES
AVANTE
Manuel
Gusmão – A Foz em Delta
EDIÇÕES DO
SAGUÃO
Alberto
Pimenta – Pensar Depois no Caminho
EDITORIAL
MINERVA
Fernando
Guilherme Azevedo - Barroco Permeável
Paulo Sena -
Passam as Ruas por Mim
Cláudio
Cordeiro - Luz na Face
Maria do
Carmo Cachulo - Pó de Arroz
José Pascoal
- Excertos Incertos
José Pascoal
– Antídotos
José Pascoal
- Sob este Título
José Pascoal
– Ponto Infinito
FRENESI
Paulo da
Costa Domingos – Jocasta
GLACIAR
Carlos Frias
de Carvalho - De Silêncio é o Pólen
IMPRENSA
NACIONAL – CASA DA MOEDA
Vitorino
Nemésio – Poesia (1916-1940)
Pedro Tamen –
Retábulo de Matérias (1953-2013)
Mário Avelar
– Coreografando Melodias no Rumor das Imagens
Alice Sant'
Anna – Aula de Natação
Antonio
Carlos Secchin - Desdizer
LICORNE
Wang Wei –
Habitar o Vazio
Maria
Graciete Besse – Na Inclinação da Luz
Casimiro de
Brito – Memória do Paraíso
António
Ladeira – Somos Infelizes
LÍNGUA MORTA
Luis Alberto
de Cuenca – A Vida em Chamas (uma antologia) (sel. trad. prólogo e notas de Miguel
Filipe Mochila)
Henri
Michaux – Moriturus e outros textos (Org. e Trad. Rui Caeiro)
Luís Pedroso
– Importunar o Tempo à Fisga
Eduardo
Guerra Carneiro – Mil e Outras Noites (sel. Miguel Filipe Mochila)
Vasco Gato –
Um Passo Sobre a Terra
Roberto
Juarroz – A Árvore Derrubada Pelos Frutos (sel. e trad. de Rui Caeiro, Duarte
Pereira e Diogo Vaz Pinto)
Ángel
González – Para Que Eu Me Chame Ángel González (sel., trad., prólogo e notas de
Miguel Filipe Mochila)
(NÃO)
EDIÇÕES
Laura Erber
- Mesa de Inspecção do Açúcar e Tabaco
Isabel
Nogueira – Marginal
Rui Dias
Monteiro – Reunião de Pedras
Álvaro Seiça
– Previsão para 365 Poemas
OPERA OMNIA
Carlos Poças
Falcão – Sombra Silêncio
PUBLICAÇÕES DOM
QUIXOTE
Maria Teresa
Horta – Estranhezas
Nuno Júdice
- A Pura Inscrição do Amor
Manuel
Alegre - Todos os Poemas São de Amor
RELÓGIO D’
ÁGUA
Bernardo Pinto
de Almeida – A Ciência das Sombras
Joaquim
Manuel Magalhães – Para Comigo
João Miguel
Fernandes Jorge – Fuck the Polis
Marianne
Moore - O Pangolim e Outros Poemas (Trad. Margarida Vale de Gato)
Arthur
Rimbaud – Obra Completa (Trad. João Moita e Miguel Serras Pereira)
Gonçalo M.
Tavares – Livro da Dança (reed.)
TINTA DA
CHINA
Alberto
Lacerda – Poemas Escolhidos (Sel. e Pref. de Luís Amorim de Sousa)
Pedro Mexia –
Poemas Escolhidos
Fernando
Pessoa – Fausto
Fernando
Pessoa – Poesia. Antologia Mínima
Fernando
Luís Sampaio - Aprender a Cantar na Era do Karaoke
Tatiana Faia
– Um Quarto em Atenas
·
ENSAIO,
FICÇÃO, POESIA & OUTROS – UMA SELECÇÃO
António
Guerreiro – O Demónio das Imagens (Língua Morta)
José Gil –
Caos e Ritmo (Relógio d’ Água)
Roberto
Esposito – De Fora. Uma Filosofia para a Europa (Edições 70)
Yuval Noah
Harari - 21 Lições para o Século XXI (Elsinore)
Karl Kraus –
Aforismos (VS – Vasco Santos Editor)
Clarice
Lispector – Correio para Mulheres (Relógio d’ Água)
Rui Nunes - Suíte
e Fúria (Relógio d’ Água)
Dulce Maria
Cardoso – Eliete (Tinta da China)
José
Sesinando – Obra Perfeitamente Incompleta (Tinta da China)
José Riço
Direitinho – O Escuro que Te ilumina (Quetzal)
Gonçalo M.
Tavares - O Senhor Brecht e o Sucesso (posf. Alberto Manguel) (Relógio d’ Água)
Gonçalo M.
Tavares - O Senhor Walser e a Floresta (posf. Alberto Manguel) (Relógio d’
Água)
Gonçalo M. Tavares - Cinco Meninos, Cinco
Ratos (Bertrand)
Gonçalo M.
Tavares - Breves Notas sobre Literatura-Bloom (Relógio d’ Água)
Carlos Poças
Falcão – Sombra Silêncio (Opera Omnia)
Herberto Helder - Em Minúsculas (Porto Editora)
Herberto Helder - Em Minúsculas (Porto Editora)
Manuel
Resende – Poesia Reunida (Cotovia)
António
Ramos Rosa – Obra Poética (Vol. I) (Assírio & Alvim)
Roberto
Juarroz – A Árvore Derrubada Pelos Frutos (Língua Morta)
William
Wordsworth – Poemas Escolhidos (Sel. e Trad. de Daniel Jonas)
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