segunda-feira, fevereiro 28, 2022
segunda-feira, janeiro 31, 2022
LEGISLATIVAS 2022: DA MAIORIA ABSOLUTA AOS NOVOS FASCISTAS
1, O Partido Socialista venceu, ontem, inesperadamente, por maioria absoluta as eleições legislativas. Inesperadamente porque as sondagens, que se perfilam como uma verdade absoluta, quase se substituindo às eleições, davam um "empate técnico" entre PS e PSD. A maioria absoluta do PS não é nada de bom, a não ser para o PS e para António Costa. Uma maioria absoluta significa que o próximo governo PS poderá governar sem dialogar com outras forças políticas. Mas quem criou as condições para esta maioria absoluta do PS foram dois partidos responsáveis por estas eleições ao chumbar o OE para 2022: o Bloco de Esquerda e o PCP - e por essa atitude irresponsável foram fortemente penalizados. É algo que não é novo, já em 2011, a chamada esquerda radical, abriu as portas a Passos Coelho e à troika ao chumbar o PEC 4. Portanto, o mau resultado do BE e PCP deve ser visto como uma penalização do eleitorado por criarem eleições antecipadas e porem fim à geringonça (é certo que Marcelo também teve culpa em marcar estas eleições). Com isto ganhou o PS, que terá ainda ido buscar votos ao centro direita, onde um Rui Rio andou errante.
2, A entrada do partido de extrema-direita, com um grupo parlamentar de 12 deputados, tornando-se a terceira força política no parlamento, não é uma surpresa. Foi algo muitas vezes anunciado pelo seu líder, pelas sondagens e pelo resultado que o seu líder populista obteve nas eleições presidenciais do ano passado. Como foi possível isto - um partido populista de tendência fascista tornar-se no terceiro partido português? Como é possível que um partido que defende a prisão perpétua, a castração química para os pedófilos, o fim do Estado providência, do RSI, que tem uma matriz racista e xenófoba tenha agora 12 deputados na Assembleia da República? Creio que a culpa é dos média que criaram o fenómeno A. V. Não existia uma inevitabilidade em Portugal ter um partido "populista" como a Espanha tem o Vox ou a França tem a FN da família Le Pen. É certo que o discurso populista, apelando ao fantasma de Salazar, já há muito que era ouvido em certas camadas da população, e a relação com o fantasma de Salazar e do Estado Novo nunca foi resolvida.
3, Mas houve outras novidades nestas eleições. O desaparecimento do CDS, partido chamado de fundador da democracia portuguesa, que apesar de uma boa campanha de Francisco Rodrigues dos Santos, não conseguiu eleger nenhum deputado. O partido perdeu excelentes deputados, como o PCP que perdeu João Oliveira e António Filipe. A Iniciativa Liberal foi outro partido que tendo apenas um deputado surge agora com um grupo de oito. É um partido que perfilha algumas causas da esquerda, na matéria de valores, mas que está bastante à direita, naturalmente pelo fim do Estado providência. O PAN, que queria ser um parceiro de um governo de esquerda ou direita apenas conseguiu eleger a sua líder, Inês Sousa Real. Já no Livre o historiador Rui Tavares conseguiu, finalmente, eleger-se, depois de na anterior legislatura se ver forçado a abdicar de Joacine Katar Moreira.
4, Todos estes resultados apontam para uma certa decepção. Há falta de partidos interessantes. Por exemplo não existe um verdadeiro partido verde em Portugal (o PEV que estava coligado com o PCP, embora fosse pouco verde, também desaparece da AR) que coloque como tarefa primeira o combate às alterações climáticas. Os partidos de esquerda - e também de direita - esquecem aqueles que por várias razões não trabalham, como se essas pessoas acossadas por um desemprego crónico que as atira muitas vezes para a miséria fossem lixo social - e na verdade assim são tratadas. António Costa pode prosseguir, agora, uma agenda que não existe. O primeiro-ministro está mais interessado no poder pelo poder do que em solucionar de forma eficaz os problemas dos portugueses. Por isso, continuará, certamente, a obedecer aos ditames de Bruxelas, ás exigências da Banca (repare-se que enquanto a comunicação social se interessa por um banqueiro já condenado e na prisão, um outro, António Ramalho do Novo Banco, assalta despudoradamente os cofres do Estado), a uma burocracia tecnológica que se pode aproximar de cenários orwellianos. É esta a democracia que temos, se por democracia entendermos apenas a sua representação institucional, em que ao votar, mal informados, os portugueses passam um cheque em branco aos seus alegados representantes. Mas, para além de uma necessária mudança na lei eleitoral, que a torne mais representativa, a democracia vive-se no dia-a-dia
segunda-feira, janeiro 03, 2022
sexta-feira, dezembro 31, 2021
LIVROS EM 2021
2, Um género talvez menor no panorama editorial português é o ensaio, e em particular o ensaio com a assinatura de autores portugueses. Este ano tivemos a reunião das crónicas escolhidas, por António Guerreiro, que há anos publica semanalmente no Público. Para o autor de Zonas de Baixa Pressão, que escolhe cerca de 200 crónicas, são micro-ensaios, agrupados por temas como a política, o jornalismo, a escola ou a literatura, entre outros. Vale a pena recordar que António Guerreiro escreve há décadas nos jornais, o que faz dele uma figura não só de crítico literário, mas na ausência de um Eduardo Prado Coelho, talvez dos últimos intelectuais a escreverem na imprensa, o seu substituto. Diga-se que a bibliografia de António Guerreiro é escassa, e que muitos textos de crítica literária que foi publicando ao longo dos anos - principalmente no Expresso - mereciam ser reunidos em livro, porque abrem horizontes de leitura da obra de alguns autores, principalmente poetas. Outros ensaios a referir, entre a filosofia e os estudos literários são os dois livros publicados por Maria Filomena Molder, 3 Conferências (sobre o Qohélet / Ecclesiastes)(esta editada pela Saguão é a primeira), e o pequeno livro A Arqutectura é um Gesto - Variações sobre um motivo wittgensteiniano (edição da pequena editora Sr. Teste). Também Silvina Rodrigues Lopes reuniu um conjunto de ensaios publicados pelas edições Saguão, O nascer do mundo nas suas passagens. Um novo pessoano, Humberto Brito, apareceu com A interrupção dos sonhos - ensaios sobre Fernando Pessoa (Relógio d' Água). Por fim, o destaque para duas figuras do pensamento libertário: Guy Debord com os seus Comentários sobre a Sociedade do Espectáculo (Antígona) e Piotr Kropotkine de quem, no seu centenário a Antígona editou O Apoio Mútuo (trad. Miguel Serras Pereira) - um livro a ser lido e pensado, contra o darwinismo social que atravessamos e ao qual o autor se opunha.
3, No que respeita à ficção, saliente-se a ausência de alguns autores consagrados, como A. Lobo Antunes. Queria, no entanto, referir-me a uma autora que já tendo começado a publicar em 1980, mantém uma discrição notável no meio literário português: Teresa Veiga. Este ano publicou na Tinta da China mais uma excelente novela - ou romance -, O Senhor d´Além. De Teresa Veiga, que já ganhou o prémio de conto Camilo Castelo Branco por 3 vezes e o prémio de ficção do Pen Clube português, pouco se sabe para além de uma "nota biográfica" que aparece no final do seu último livro. A autora não dá entrevista, não se lhe conhecem fotografias, e evidentemente não participa em festivais literários. Não será propriamente uma Elena Ferrante, mas a postura ética das duas autoras em relação à mediatização do escritor aproximam-se.
4, Chegamos à poesia, de que se apresenta mais abaixo uma longa lista de livros publicados. De salientar que esta lista tem várias lacunas, não pretendendo ser exaustiva. Talvez o livro mais estranho publicado em Portugal em 2021 tenha sido Vaca Preta de Marcos Foz (edição Snob). Trata-se de um hibrido entre poesia e prosa. O autor publicou, em edição de autor, em 2019, o seu primeiro livro de poesia, logo, estaremos na presença de um poeta? Mas Vaca Preta inicia-se por um poema que ocupa as primeiras 25 páginas do livro; mas o mais estranho neste poema, é a inserção abundante de imagens a cores e também a preto e branco sem que sejam propriamente ilustrações. Na página 27 começa a segunda parte do livro, que tem cerca de 130 páginas, com texto em prosa. Talvez se lhe possa chamar-lhe prosa poética. Para além disso o livro tem um encarte de 16 páginas. Este será um dos objectos literários mais estranhos da literatura portuguesa. Talvez se possa enquadrar numa nova vaga de poesia experimental, de que os últimos livros de Rui Pires Cabral seriam um exemplo. Mas o ano contou também com a "reabilitação" de um poeta que estava esquecido por não publicar: António Franco Alexandre que publicou na Assírio & Alvim Poemas, a reunião da sua obra poética, acrescida de um novo conjunto de poemas. Destaque-se ainda a publicação de um livro de inéditos de Joaquim Manuel Magalhães, Canoagem, que prossegue a segunda vida poética do autor de Um Toldo Vermelho. Obras reunidas a salientar: Fatima Maldonado, com Sem Rasto (Averno), Albano Martins com Por ti eu daria (ed. Glaciar), António Aragão com Obra (Re)Encontrada e Adília Lopes que voltou a reunir a sua obra, uma vez mais sob o título Dobra, um volume que já ultrapassa as mil páginas. A Assírio & Alvim, de cujo catálogo de 2021 já referimos alguns títulos, ainda editou Todos os Poemas de F. Holderlin numa nova tradução de João Barrento (já existia a de Paulo Quintela, mas cada época tem o seu germanista de serviço), a poesia completa de Sá de Miranda, a prosa completa de Sophia, a ainda poesia completa de Garcilaso de la Vega numa tradução de José Bento... ou seja, são demasiados calhamaços, demasiadas obras completas, excesso de peso poético.
terça-feira, novembro 30, 2021
António Guerreiro - Zonas de baixa pressão
António Guerreiro, Zonas de Baixa Pressão - Crónicas Escolhidas, Edições 70, 2021, p. 32
domingo, outubro 31, 2021
QUADRAS POPULARES (de O Surrealismo na Poesia Portuguesa)
quinta-feira, setembro 30, 2021
Rosa Alice Branco
terça-feira, agosto 31, 2021
Manuel de Barros
Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de
uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.
sábado, julho 31, 2021
Otelo: "do libertador da pátria" ao "terrorista", o revolucionário
Um dia alguém me disse que "Otelo foi otário". Uma aliteração perfeita como imperfeito foi o percurso militar e político de Otelo Saraiva de Carvalho. Ele foi "o libertador da pátria" - era Francisco Sousa Tavares que no dia 25 de Abril de 1974, em cima de uma guarita, com um megafone na mão, junto ao Quartel do Carmo, sitiado pelas forças comandadas por Salgueiro Maia, e cheio de povo, discursava: "é a libertação da pátria..." Por trás das operações no terreno, que derrubaram uma ditadura de 48 anos, estava Otelo Saraiva de Carvalho. Ele era o encenador dessa peça que derrubou o regime do Estado Novo. Foi o grande dia colectivo do século XX português, esse dia "inicial inteiro e limpo". É claro que para outros, uma minoria, naquele fim de Abril de 1974, ecoavam os versos de T S Eliot ("Abril, o mais cruel dos meses"). Mas sendo o 25 de Abril uma revolução quase pacífica, as semanas e meses - e mesmo anos - que se lhe seguiram, não o foram. E Otelo, o desencadeador da revolução não entregou armas nem poder. O militar que queria ser actor, tinha um sonho, uma utopia que em nada se coadunava com a época de guerra fria que vivíamos, ou mesmo com o Portugal católico e profano. Mas perseguiu essa utopia durante anos, como mantendo sempre acesa a chama do "seu" 25 de Abril.
Depois do 25 de Abril, o MFA criou o COPCON, uma espécie de força militarizada para manter a ordem revolucionária no país, e Otelo foi o seu comandante. Os tempos foram conturbados, até, pelo menos, o fim do PREC, a 25 de Novembro de 1975. O país caminhava para o socialismo pela mão do MFA, ou para o comunismo pela mão de Cunhal e do PCP, denunciado por Mário Soares e pelos partidos à direita do PS. O país caminhava para uma guerra civil, aventavam outros de dentro do seu medo. Otelo Saraiva de Carvalho, já general, já brigadeiro, profere uma frase que mais tarde seria explosiva: fala em meter a "reacção" no campo pequeno e fuzilá-los; dirá mais tarde que era uma atitude defensiva. No dia 25 de Novembro Otelo vai para casa, cansado. Mas terá sido a sua destituição como Comandante da Região Militar de Lisboa, que levou as tropas do RALIS a fazer uma intentona de golpe de Estado, gorado. Com o 25 de Novembro Otelo é preso - pela primeira vez. Dá-se uma normalização no sentido de uma democracia representativa, com eleições legislativas, presidenciais e regionais em 1976. Mas Otelo não desiste e candidata-se às eleições Presidenciais de 1976, obtendo o segundo lugar, com 16,4 por cento, bastante longe dos 61,5 do seu amigo Ramalho Eanes, mas humilhando o candidato do PCP, Octávio Pato, para o quarto lugar com 7,5 por cento. A persistência de Otelo Saraiva de Carvalho fá-lo concorrer às segundas eleições presidenciais em liberdade, em Dezembro de 1980. Polarizadas pelo candidato da AD, Soares Carneiro, que concorre contra Ramalho Eanes, estes dois candidatos vão disputar entre si quase todos os votos: 56,4 para Eanes e 40,2 para Soares Carneiro, ou seja, os dois candidatos obtém 96,6 por cento dos votos. Mesmo assim, Otelo obtém o terceiro lugar com perto de 86 mil votos. Em Março de 1980, Otelo cria a FUP (Frente de Unidade Popular, uma união de partidos de extrema-esquerda), partido que nunca vai chegar a concorrer a eleições. Este partido vai estar ligado à organização terrorista FP-25, que durante os anos oitenta assassina 17 pessoas, entre as quais o director dos serviços prisionais, Gaspar Castelo Branco. Otelo é detido em 1984, acusado de pertencer às FP- 25. Depois de cinco anos na prisão, é amnistiado pelo então presidente da República, Mário Soares.
A ligação de Otelo às FP-25 sempre foi negada pelo próprio. No entanto, a sua condenação, embora não por crimes de sangue, caiu como uma mancha sobre o estratega do 25 de Abril, sendo mediaticamente substituído na condição de herói da revolução dos cravos por Salgueiro Maia, o operacional que esteve no cerco ao Quartel do Carmo. Salgueiro Maia, para além da coragem física que demonstrou, cumpriu as ordens de Otelo e abandonou a cena política. De forma diferente, Otelo Saraiva de Carvalho, engendrou o 25 de Abril, mas foi sempre, quer como comandante do COPCON, quer como candidato a duas eleições presidenciais, quer como alegado membro das FP- 25, o revolucionário que procurou concretizar o seu projecto utópico que passava por uma democracia directa. Foi sempre um revolucionário permanente; tomou para si o 25 de Abril, ao contrário de Salgueiro Maia, e foi, como na célebre frase de Beckett, de falhanço em falhanço, falhando cada vez melhor. Foi o primeiro e o último a abandonar o espírito que desenhou para o 25 de Abril.
quarta-feira, junho 30, 2021
Francisco Rodrigues Lobo
Da Écloga X
Cantiga