terça-feira, novembro 30, 2021

António Guerreiro - Zonas de baixa pressão

 


Sabemos muito bem como o jornal, que foi em tempos «a oração matinal do homem moderno» (Hegel), tem dificuldade em sobreviver nesta nova economia, com outras solicitações «atencionais». E a indústria do livro só sobrevive à custa de espécies editoriais que não solicitam, em grau elevado, a energia mental da atenção. Em 2004, Patrick Le Lay, director de um canal de televisão francês, a TF1, fez afirmações numa entrevista que chocaram pela sua crueza, mas definem bem o que é a economia da atenção: «Numa perspectiva business, sejamos realistas: no fundamental, a profissão da TF1 consiste em ajudar a Coca-Cola, por exemplo, a vender o seu produto. Ora, para que uma mensagem seja recebida é necessário que o cérebro do espectador esteja disponível. As nossas emissões têm por vocação torná-lo disponível, isto é, diverti-lo e relaxá-lo para o preparar entre duas mensagens. O que vendemos à Coca-Cola é tempo de cérebro disponível.» Estas palavras escandalizaram não por dizerem algo de novo (a não ser aos ingénuos), mas porque literalizam demasiado aquilo que nos tem sido transmitido por eufemismos ou por mediações teóricas com um certo grau de elaboração.

António Guerreiro, Zonas de Baixa Pressão - Crónicas Escolhidas, Edições 70, 2021, p. 32

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