Tenho dentro do meu peito
duas escadas de flores:
por uma descem saudades,
por outra sobem amores.
Quando eu morrer, meu amor
(há quem à noite resista?)
mesmo debaixo da terra
quero estar à tua vista.
Se o meu amor fora António
mandava-o engarrafar
em garrafinhas de vidro
para o sol o não queimar
Com um fio de retrós verde
quero, amor, que me cosais
o meu coração ao vosso,
que se não desate mais.
Meu amor, meu amorzinho,
quem te atira mil tiros
com uma pistola de prata
carregada de suspiros!
Os olhos da minha amada
são biquinhos de alfinetes;
fechados são dois botões,
abertos dois ramalhetes.
O meu coração é sala
onde passeia a açucena;
amei-te com tanto gosto,
deixei-te com tanta pena.
No meio daquele mar
está uma cadeira de vidro
onde o meu amor se assenta
quando vem falar comigo.
Eu tenho dentro do peito
um canivete dourado
para cortar o pão da lua
no dia do meu noivado.
(De O Surrealismo na Poesia Portuguesa, organização, prefácio e notas de Natália Correia, ed. Frenesi, 2002, pp.103-105)
Sem comentários:
Enviar um comentário