
quarta-feira, dezembro 27, 2006
O ESTADO DOS LIVROS: A EDIÇÃO EM 2006

domingo, dezembro 24, 2006
sexta-feira, dezembro 15, 2006
Jorge Fallorca
A estrada para o Caramulo acendia-se de laranjas.
terça-feira, novembro 28, 2006
Os pássaros de Londres
cantam todo o inverno
como se o frio fosse
o maior aconchego
nos parques arrancados
ao trânsito automóvel
nas ruas de neve negra
sob um céu sempre duro
os pássaros de Londres
falam do esplendor
com que se ergue o estio
e a lua se derrama
por praças tão sem cor
que parecem de pano
em jardins germinando
sob mantos de gêlo
como se de gêlo fora
o linho mais bordado
ou em casas como aquela
onde Rimbaud comeu
e dormiu e estendeu
a vida desesperada
estreita faixa amarela
espécie de paralela
entre o tudo e o nada
os pássaros de Londres
quando termina o dia
e o sol consegue um pouco
abraçar a cidade
à luz razante e forte
que dura dois minutos
nas árvores que surgem
subitamente imensas
no ouro negro e verde
que é sua densidade
ou nos muros sem fim
dos bairros deserdados
onde não sabes não
se vida rogo amor
algum dia erguerão
do pavimento cínzeo
algum claro limite
os pássaros de Londres
cumprem o seu dever
de cidadãos britânicos
que nunca nunca viram
os céus mediterrânicos
Mário Cesariny, Pena Capital, Assírio & Alvim, 1982
domingo, novembro 26, 2006
MÁRIO CESARINY (1923-2006)



O QUE NÃO SE CHAMAVA ASSIM
Entre nós e as palavras há metal fundente
A revolução surrealista falhou há muito, aliás conotar Cesariny com o surrealismo bretoniano será um erro. Se de alguém Mário Cesariny (de Vasconcelos) estava próximo era de Antonin Artaud. Mas isso são outras contas. Contas do rosário da história da literatura, das minudências comparativistas. Acabam sempre por ser simples papéis ao vento perante o peso de uma obra poética onde habitam alguns dos maiores poemas da poesia portuguesa do século XX, e alguns dos principais versos dessa mesma poesia deveriam ser gravados a "metal fundente" por cima das porcas imagens dos placards publicitários.
Cesariny foi pouco amado e muito rotulado. Pelos literatos, e pela polícia por quem foi perseguido e tratado como uma puta. Surrealista e homossexual foram os rótulos de que os sistemas literários e político-políciais se serviram para arrumar a sua obra. Deixou-nos um aviso: eu vou nascer feliz numa cidade futura.
domingo, novembro 19, 2006
A AGONIA DO JORNALISMO

sexta-feira, novembro 17, 2006
sábado, novembro 11, 2006
PASOLINI #1: Sobre o 25 de Abril

quinta-feira, novembro 09, 2006
Artur Schopenhauer

O Estado não é mais do que o açaimo cujo fim é tornar inofensivo esse animal carnívoro que é o homem, e dar-lhe o aspecto de um hervívoro.
terça-feira, novembro 07, 2006
Maio de 68 na Sargadelos

sexta-feira, novembro 03, 2006
A BANCA QUE ROUBA

REVISTA DA IMPRENSA (DE ONTEM)
quarta-feira, novembro 01, 2006
LEVI CONDINHO
toda esta falta de viver
juro uma treva um nó de madeira obsessivo
uma mancha de podridão na abóbora
ou no pepino enroscado na terra aguada
juro uma unha roxa no rouxinol amado
um ponto negro nas tuas nádegas de concurso
um baque no peito uma recus no planeta mais visível
juro o estalar da pedra nas patas do sardão
juro o próprio sardão
juro os teus mamilos na raiva do silêncio
juro o bornal apodrecido de Kerouac em Bordéus
onde a viagem morreu na baiúca do vinho
juro o vinho (a) martelo no resvés das pedras calcárias
basalto cilício cortiço de zângões
juro as águas de velhas torneiras ferrugentas
e palavras e signos e símbolos sublimes
odeio Céline do meu lado esquerdo
e amo Céline do meu lado direito
ficando por cima como arcanjo astuto
juro mordendo este copo esta trégua este luxo
este ser disponível para tudo abrir
caixa de veludo calo do mindinho erva de plantar
no jardim falido de um ânus loiro profundo
terça-feira, outubro 24, 2006
TRANSE

Transe (2006) de Teresa Villaverde com Ana Moreira
quarta-feira, outubro 11, 2006
António Franco Alexandre

poderemos, um dia, amar estas vitrinas
como quem ama uma ideia imperdoável, ou uma
breve hesitação dos condutores
a meio do percurso? quero dizer,
estaremos vivos para o desbotar destas
folhas de plástico que brilham
uma vez cada noite; e para
o assobio das nuvens
ao passar sobre a roupa?
ou, fechando a gaveta, engoliremos o receio
destes bolos roubados
na prateleira de água?
ou será este o dilema que nos propõem
as minuciosas escavações telefónicas?
são questões ignorantes, delas depende o rumo
dos grandes navios japoneses à entrada da doca.
in Os Objectos Principais (1979)
terça-feira, outubro 03, 2006
VOLVER: A IMANÊNCIA DAS MULHERES

Sylvia Plath

BONDADE
A bondade plana perto da minha casa.
A dona Bondade, ela é tão simpática!
As jóias azuis e vermelhas dos seus anéis de fumo
Nas janelas, os espelhos
Enchem-se de sorrisos.
Que há mais real do que o gemido de uma criança?
O gemido de um coelho pode ser mais selvagem
Mas não tem alma.
O açuçar tudo cura, é o que diz a Bondade.
O açucar é um fluido necessário,
De cristais que são como um pequeno penso.
Ó bondade, bondade
A apanhar delicadamente os grânulos!
As minhas sedas japonesas, borboletas desesperadas,
Para fixar a qualquer momento, anestesiadas.
E lá vens tu, com uma chávena de chá
Numa auréola a vapor.
O jacto de sangue é poesia,
Nada o pode estancar.
Tu trazes-me dois filhos, duas rosas.
in Ariel, tradução de Maria Fernanda Borges, Relógio d' Água, 1996
domingo, outubro 01, 2006
José Tolentino Mendonça
quarta-feira, setembro 13, 2006
A INFÂNCIA CONFISCADA

domingo, setembro 10, 2006

9/11:O DIA EM QUE O MUNDO MUDOU?
quarta-feira, setembro 06, 2006
sábado, agosto 19, 2006
Federico Garcia Lorca
quinta-feira, agosto 17, 2006
R. LINO
hoje, as cidades
ficaram um pouco mais longe
e eu não sei porquê
só sei que ficaram mais longe
sábado, agosto 05, 2006
terça-feira, julho 18, 2006
quinta-feira, julho 13, 2006
LAURIE ANDERSON: UMA CERTA DISPERSÃO

domingo, julho 09, 2006
Thomas Bernhard, 2

terça-feira, julho 04, 2006
GI PLAYSTATION

quinta-feira, junho 22, 2006
Thomas Bernhard

domingo, junho 11, 2006
ANGOLA-0 PORTUGAL-1
sábado, junho 10, 2006
O FIM DO FUTEBOL

terça-feira, junho 06, 2006
LIVROS A VIR

sábado, junho 03, 2006
sábado, maio 27, 2006
Carlos de Oliveira

SONETO FIEL
Vocábulos de sílica, aspereza,
Chuva nas dunas, tojos, animais
Caçados entre névoas matinais,
A beleza que se têm se é beleza.
O trabalho da plaina portuguesa,
As ondas de madeira artesanais
Deixando o seu fulgor nos areais,
A solidão coalhada sobre a mesa.
As sílabas de cedro, de papel,
A espuma vegetal, o selo de água,
Caindo-me nas mãos desde o início.
O abat-jour, o seu luar fiel,
Insinuando sem amor nem mágoa
A noite que cercou o meu ofício.
quarta-feira, maio 17, 2006
IAN CURTIS

Há 26 anos, Ian Curtis, o vocalista e autor das letras dos Joy Division, suicidava-se. Iniciava-se o mito.
terça-feira, maio 16, 2006
O BONO DO JORNAL

segunda-feira, maio 15, 2006
Egito Gonçalves

NOTíCIAS DO BLOQUEIO
Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.
Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos...
Tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos - contrabando - aos teus cabelos.
Tu lhes dirás o nosso ódio construido,
sustentando a defesa à nossa volta
- único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.
Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima...
Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos em silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.
Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.
Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.
Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.
Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e, enquanto a água e os viveres escasseiam,
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se.
(in Árvore, nº4, [1953])
quarta-feira, maio 03, 2006
Eugénio de Andrade

AS PALAVRAS INTERDITAS
Os navios existem, e existe o teu rosto
encostado ao rosto dos navios.
domingo, abril 30, 2006
DO SILVA E DOS POBRES

terça-feira, abril 25, 2006
sexta-feira, abril 21, 2006
Fernando Assis Pacheco

Peçam a grandiloquência a outros
acho-a pulha no estado actual da economia
(Variações em Sousa, 1987)
sexta-feira, abril 07, 2006
SILVA DESAPARECEU?

quinta-feira, abril 06, 2006
quarta-feira, abril 05, 2006
Sophia de Mello Breyner Andresen

Pranto pelo dia de hoje
Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criadorser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que nem podem sequer ser bem descritas
de Livro sexto, 1962
terça-feira, abril 04, 2006
Al Berto

dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligueira náusea da velhice
conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorrisotamanho do medo
dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nenhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos
(de Uma Existência de Papel, 1985)
sexta-feira, março 24, 2006

Solidão
Cai chuva, chora
chora, chora.
Solidão, solidão!
Já não canta o pássaro.
Calou-se a voz, a alegre, a rara.
A que se ouvia solitária.
Cai chuva.
Não sou freira e estou num convento.
A paz, o silêncio, a chuva, os claustros...
Ser freira!
O sequestro, cantar, rezar.
Cai chuva, rude e sem dor.
Tu não choras.
Sou eu que choro.
Que é do pássaro, como cantava?
Voltou, voltou. Pia!
Bendito pássaro, onde estás?
Acompanha-me, já não chove.
Solidão, melancolia.
Irene Lisboa, Outono Havias de Vir in Obras de Irene Lisboa I, Presença, 1991, org. de Paula Mourão
terça-feira, março 14, 2006

SEM OUTRO INTUITO
Atirávamos pedras
à água para o silêncio vir à tona.
O mundo, que os sentidos tonificam,
surgia-nos então todo enterrado
na nossa própria carne, envolto
por vezes em ferozes transparências
que as pedras acirravam
sem outro intuito além do de extrírem
às águas o silêncio que as unia.
Luís Miguel Nava, in Vulcão
sexta-feira, março 03, 2006

VIOLA CHINESA
Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a perlenda,
Sem que, amadornado, eu atenda
A lengalenga fastidiosa
Sem que o meu coração se prenda
Enquanto, nasal, minuciosa,
Ao longo da viola morosa,
Vai adormecendo a perlenda.
Mas que cicatriz melindrosa
Há nele, que essa viola ofenda
E faz que as asitas distenda
Numa agitação dolorosa?
Ao longo da viola, morosa...
Camilo Pessanha, "Clepsidra"
sexta-feira, fevereiro 24, 2006
AS CRIANCINHAS CRIMINOSAS
segunda-feira, fevereiro 20, 2006
segunda-feira, fevereiro 13, 2006
ÁLVARO LAPA (1939-2006)

Álvaro Lapa iniciou o seu percurso como pintor com uma exposição individual em 1964 na Galeria 111. Em 1994 apresenta retrospectivas na Fundação de Serralves e no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian e em 2004 vence o Prémio EDP.
A escrita, o outro lado da criação de Álvaro Lapa foi, de certo modo, obscurecida pela pintura. Publicou cinco livros: Raso como o Chão (Estampa, 1977), Porque Morreu Eanes (Estampa, 1978), Barulheira (& etc, 1982), Balança (Frenesi, 1985) e Sequências Narrativas Completas (Assírio & Alvim, 1994). Influenciado por autores da tradição surrealiata e de vanguarda como Kafka, Burroughs, Joyce, Beckett, Artaud ou António Maria Lisboa afirmou ao DN, em 1993, que "só se cria aquilo que se é". Amigo do poeta António Gancho, falecido no mês passado no Telhal, cuja obra ajudou a publicar, Álvaro Lapa terá contornado a loucura pela via da criação.
O DIAGNÓSTICO
Um jovem tinha um cérebro artificial chamado diagnóstico. Um dia fez-lhe três perguntas e o cérebro não respondeu. Como era jovem teve medo e logo a seguir fez-lhe mais duas perguntas. O cérebro respondeu mas estava errado.
Álvaro Lapa, in Sião, org. de Al Berto, Paulo da Costa Domingos e Rui Baião, Frenesi, 1987
sexta-feira, fevereiro 10, 2006
sexta-feira, fevereiro 03, 2006
MOVIMENTO DE FUGA

A loucura é um movimento de fuga. Uma das imagens mais usadas para representar a loucura é O grito de Eduard Munch. É um ícone da loucura. Em Esplendor na Relva (1961)de Elia Kazan há uma cena em que o quadro de Munch é citado. É quando Natalie Wood, numa aula de Inglês é chamada a comentar os versos de Wordsworth: "E agora, apesar de perdido o esplendor na relva e o tempo de glória da flor, em vez de chorarmos buscaremos força no que para trás deixamos". É depois de comentar estes versos que Deenie Loomis/Natalie Wood pede para sair da aula num enquadramento em que o rosto de Natalie Wood se aproxima, cita, a imagem de Munch (uma das mãos da actriz junto ao rosto). E, em seguida, no movimento de fuga, em sentido inverso ao do quadro de Munch, vemos Natalie Wood de costas, fugir pelo corredor em direcção à loucura. O grito, vocalizado ou calado, expresso num esgar que suporta a angústia do mundo, a angústia de ser/estar no mundo, é uma suprema aesthesis carregada de pathos. Assim são os estados de perturbação, fora do normal, fora da normalidade estatística que rege a vidinha e os lepidópteros. A estética (aesthesis) é um movimento de fuga a essa normalidade castradora das sensações. Daí, o grito. Grito que é pavor e espanto de ser no mundo, mas também grito de angústia pela consciência do peso de um mundo onde vigora uma insustentável leveza.
Mas se O grito de Munch nos deixa perante a angústia, o silêncio, a perplexidade, um espaço de unidade ontologicamente parmenidiana perdido, Esplendor na Relva aceita a perda do "tempo da glória da flor", um trabalho de luto, de luta. Porque Esplendor na Relva não exige a imutabilidade do ser na chaga do tempo ou o impedimento (social) da unidade dos corpos. Embora sejam esses os factores que levam Natalie Wood à loucura, o filme tem o happy end de uma psicoterapia bem sucedida: nas cenas finais do filme Natalie Wood aceita a renuncia de que falam os versos de Wordsworth - e que antes lhe tinham despoletado a loucura. Ou seja, aceita/faz o trabalho de luto a partir das memórias do passado (no caso a relação amorosa com Warren Bety): "em vez de chorarmos buscaremos força no que deixamos para trás". Esta formulação de Wordsworth contém um devir impelido pela enxurrada da memória. É um movimento de fuga inverso da loucura: sem angústia, apaziguado num eu-pele poroso, fronteira entre o interior e a realidade externa, superficie. Superficialidade dos dias sem História que a narrativa já não contempla.