quarta-feira, setembro 09, 2009

Filipa Leal


O HOMEM QUE EXISTIU

I.

Havia uma íntima surpresa na palavra
do início. Por exemplo: a primeira palavra
mar. Quem a teria escrito?

E a primeira
palavra palavra. Quem teria escrito
palavra pela primeira vez?

Eu buscava nas palavras já escritas a surpresa
do início do poema, e isso era triste
como brincar com coisas mortas.

II.

A melancolia é uma questão do tempo,
disse-me o homem. Era um homem que existia,
normal como os que existem.
Daqueles que não
costumam vir nos poemas
porque não
são centros de metáfora ou de revolução.
Porque não
gritam nunca.
Porque não
dizem não.

Hoje sei.
A melancolia é uma questão de falta
de tempo.

Filipa Leal, O Problema de Ser Norte, Deriva, 2008, pp. 18-19.

Filipa leal nasceu em 1979, no Porto. Estudou jornalismo em Londres (Universidade de Westminster)e literatura na na FLUP, onde obteve o grau de mestre com uma dissertação sobre os Aspectos do Cómico na Poesia de Alexandre O' Neill, Adília Lopes e Jorge de Sousa Braga. Foi jornalista de O Primeiro de Janeiro, onde editou o suplemento "das artes, das letras". A sua obra como poeta inícia-se em 2004 com Talvez os Lírios Compreedam (ed. Cadernos do Campo Alegre), seguido de A Cidade Líquida e Outras Texturas (Deriva, 2006; 2ª edição: 2007), O Problema de Ser Norte (Deriva, 2008) e A Inexistência de Eva (Deriva, 2009) - para além do livro de ficção Lua-Polaroid (Corpos editora, 2003). A sua poesia mereceu a atenção de uma das últimas crónicas de Eduardo Prado Coelho, mas também de António Mega Ferreira ou Francisco José Viegas. Uma das caracteristicas mais evidentes na poesia de Filipa Leal é o uso certeiro do enjambement.

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