sábado, março 06, 2010

PÚBLICO: 20 ANOS


O Público fez ontem 20 anos. Edição especial, grátis, com o irritante António Barreto como director convidado. Resultado: Portugal transformado em números, como o sociólogo / profeta da catástrofe portuguesa gosta. Uma maçada, como diria o Eça. Ora o Público tem vindo a transformar-se nisso, em jornalismo maçudo. A decadência daquele que foi o melhor jornal português esta patente na crónica de Bárbara Reis, a actual directora, quando lembra, com nostalgia os primeiros tempos do Público, dirigido e fundado por Vicente Jorge Silva e com grafismo de Henrique Cayate. Escreve Bárbara Reis: “Hoje, 20 anos depois, imagino que o Vicente estivesse a fazer a primeira página e quisesse dar destaque a Eastwood, mas que alguém argumentara que ninguém em Portugal conhecia o nome, muito menos os filmes, para quê ‘puxar’ por tal coisa na capa? Mas estávamos em 1990, o PÚBLICO acabara de nascer, tinha ideias novas e estava ligado à terra – das capas não se esperava menos do que serem uma ruptura permanente. O PÚBLICO não pairava numa nuvem previsível, adormecida e burocrática como os jornais à nossa volta”. Precisamente. Bárbara Reis tem toda a razão. O problema é que hoje, vinte anos depois, o Público transformou-se num jornal previsível, adormecido e burocrático (veja-se, por exemplo os editoriais não assinados).
Nada pior que viver da nostalgia desses tempos em que o jornal de Vicente Jorge Silva era um diário de referência que se podia comparar a um Liberation ou El País, com uma longa lista de redactores, colaboradores (especialistas nas mais diversas áreas) e correspondentes (espalhados por todo o mundo). Porque essa nostalgia impede que se faça algo de novo, criativo.
Hoje os jornais, em papel, estão a suicidar-se. Os grupos económicos que gerem jornais parecem a todo o custo querer acabar com eles, ansiosos por plataformas multimédia na Internet. Os recursos (económicos) baixaram. Torna-se muito mais difícil fazer, dirigir um jornal hoje. Mas os jornais são necessários, eles estão na génese das democracias modernas. As notícias estão, em forma instantâneas, a toda a hora em vários suportes tecnológicos – menos nos jornais em papel. Perante esta situação cabe aos jornais apostar na reportagem, na investigação, na opinião; e na estética – elemento fundamental para embrulhar tudo isso. Ora é isso que os jornais actuais, por razões económicas e não só (vivemos tempos de indigência) não o estão a fazer – com excepção para jornais de referência que mantém a qualidade a que nos habituaram, como o El País.
Voltando ao caso do Público, a degradação do jornal acentuou-se nos últimos anos, sob a direcção de José Manuel Fernandes, com mudanças gráficas que descaracterizaram o jornal, o fim de suplementos (como o Mil Folhas), o despedimento de uma importante fatia da redacção, a perda de colunistas. A mudança, recente, na direcção editorial não trouxe nada de novo. Eu esperava uma nova imagem gráfica, pelo menos.
No entanto, e apesar de tudo tenho que reconhecer que o Público actual continua a manter um certo espírito que presidiu à sua fundação. Jornalistas como Alexandra Lucas Coelho, Paulo Moura, Luís Miguel Queirós, Ana Gerschenfeld, Margarida Santos Lopes, Nuno Pacheco (que está na direcção editorial desde o início e assumiu várias vezes o lugar de director interino) entre outros, mantém a qualidade do jornal.
O aparecimento do i foi, como se costuma dizer, uma lufada de ar fresco na Imprensa portuguesa, mas o jornal dirigido por Martim Avillez Figueiredo dá pouca – e má – importância à cultura, ou à actualidade internacional.

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