quarta-feira, junho 26, 2013

UM GESTO POR INVENTAR



Em entrevista publicada no jornal i da passada segunda-feira, Rui Tavares admite a criação de um novo partido de esquerda. A forma tímida e demorada dessa admissão, que o texto de capa do jornal ilustra (“Em entrevista ao i, o eurodeputado Rui Tavares quebra um tabu e assume que a esquerda ‘não deve ter vergonha’ de formar um novo partido, afirmando em voz alta ‘o que outros dizem nos corredores’”), mostra como se tem feito política em Portugal nos últimos dois anos, ou seja, durante a vigência deste governo de destruição nacional. Ou dito doutro modo, como a oposição, a esquerda, perante uma situação política anormal, de emergência, que na História portuguesa recente só encontra paralelo no PREC de 1974-75, quase nada tem feito. Que algumas das vozes contra a escandalosa política deste governo, que nos manda empobrecer, venham da direita, como é o caso de Pacheco Pereira, Manuela Ferreira Leite ou Bagão Félix é sintomático – enquanto algumas personalidades da esquerda, com responsabilidades partidárias ou governativas nas últimas décadas, se mantém em silêncio ou só há pouco tempo acordaram (por exemplo: António Guterres, Ferro Rodrigues, Jorge Sampaio, Ramalho Eanes). Pode-se dizer que os políticos, ou ex-políticos, estão em consonância com o povo que engole o barrete da dívida, em parte ajudado por uma longa série de comentadores televisivos, de Marcelo a José Gomes Ferreira, na versão soft, que nos explicam a sorte que temos em ter uma troika que nos ajuda, e como os pobres do tempo de Salazar, como devemos ser agradecidos para com a troika e a Chanceler Merkel (que se prepara para vencer as próximas eleições em Setembro, muito à custa dos países “intervencionados” do sul que renderam no último ano à Alemanha 80 mil milhões de euros).
De facto, os portugueses adormeceram ao som de um fado antigo. Estão, como nunca divorciados da política e dos políticos – e têm razão. Mas os portugueses enfiam ainda mais o barrete, tapam os olhos e assobiam para o lado. Enquanto isto, no Brasil, essa espantosa criação portuguesa, o povo saiu à rua e mostrou a sua força.
Neste momento, em Portugal – como também um pouco pela Europa do sul atingida pela agiotagem financeira da troika e da Alemanha – impera a inércia, o pasmo, a lentidão. Faz sentido criar um novo partido à esquerda, nesta situação? Faz todo o sentido se for para acordar o país, para enfrentar energicamente os tempos que vivemos, tempos difíceis e sombrios. Mas esse partido terá que ser diferente: a questão não é a ausência de um programa político – temos melhor programa político que a Constituição (que em muitos dos seus artigos nunca foi comprida)? A questão, essencial, está na atitude. E essa atitude é ainda um gesto por inventar que não se coaduna com a inércia e burocracia político-partidária existente.

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