1, No que respeita à actualidade geral, o ano
de 2024 foi marcado pela continuidade. A guerra na Ucrânia continuou, a guerra
entre Israel e o Hamas também continuou com o genocídio do povo palestiniano
por parte de Israel. A guerra é estúpida, este genocídio praticado por quem
sofreu há 80 anos um dos mais ignóbeis genocídios da história, é profundamente
estupido e desumano. No entanto, não podemos culpar o povo judeu, mas o líder
político do Estado de Israel, Benjamim Natanyahu. A vitória de Donald Trump nas
eleições norte-americanas, em Novembro, foi outro acontecimento que só a partir
de Janeiro de 2025, quando Trump entra em funções, se poderá avaliar. Mas, este
segundo mandato parece vir a ter uma diferença: a presença de Elon Musk na
administração de Trump. Musk é um dos homens mais ricos do mundo, um excêntrico
perigoso que sonha conquistar Marte, e que comprou a rede social Twitter e a
transformou no X. Mas, ainda recentemente Musk apoiou a extrema-direita alemã
da AfD, o que mostra que a extrema-direita que vai ganhando eleições um pouco
por todo o mundo, tem do seu lado o homem mais rico do mundo. E isso torna o
mundo mais perigoso do que nunca, porque desenha uma distopia (Musk está
também, como outros multimilionários de Sillicon Valey, apostado na IA, e num
estranho dispositivo para implantar na mente humana). Por cá, a nova AD ganhou,
por escassa margem sobre o PS, as eleições legislativas, formando Luís
Montenegro um governo PSD-CDS. Lucília Gago abandonou, por fim de mandato, a
PGR e, de certa forma “deu” a António Costa o lugar de Presidente do Conselho
Europeu.
2, 2024 foi um ano de tantos centenários que
o V centenário do nascimento de Luís de Camões ia sendo esquecido. Do ponto de
vista editorial, Isabel Rio Novo andava há já cinco anos a preparar uma
biografia de Camões: Fortuna, Caso, Tempo e Sorte (Contraponto, 2024),
um grosso volume de mais de 700 páginas resume a vida do autor d’ Os
Lusíadas. Frederico Lourenço (que tem vindo a publicar uma tradução “laica”
da Bíblia, traduzida a partir do grego) organizou uma antologia da poesia
camoniana, Camões – Uma Antologia (Quetzal, 2024), onde metade do volume
de cerca de 600 páginas é ocupado com comentários do professor da Universidade
de Coimbra. Registe-se ainda a publicação do teatro de Camões, num volume com “prefácio,
fixação de texto e notas” de Sérgio Guimarães de Sousa, editado pela Assírio
& Alvim. Para quem quiser ler toda a obra de Camões, ela está publicada na
E-Primatur, em três volumes, organizados por Maria Vitalina Leal de Matos. No
campo mediático, Jorge Reis-Sá (que este ano publicou a reunião da sua poesia
no volume Prado do Repouso – edição A Casa dos Ceifeiros), tem vindo a
apresentar na RTP 3, o programa 1000xCamões, onde conversa com figuras de
várias áreas sobre a poesia camoniana. A RTP 2 optou pela leitura dos 10 cantos
de Os Lusíadas feita em outros tantos episódios. As comemorações vão
estender-se até 2026 e têm um carácter político (como não podia deixar de ser,
tratando-se de Camões): a nova ministra da cultura, Dalila Rodrigues, nomeou
José António Bernardes, em substituição da anterior comissária, Isabel Marnoto.
Para já, o governo AD destina 2,2 milhões de euros, para comemorar Camões, no
OE para o ano de 2025.
3, Mas no que diz respeito a centenários,
2024 não foi só o de Camões. Dois importantes poetas portugueses nasceram há
100 anos: António Ramos Rosa e Alexandre O’ Neill. De O’ Neill a Assírio &
Alvim republicou dois livros, Tempo de Fantasmas (primeira edição de
1951) e No Reino da Dinamarca (primeira edição 1958). Sobre Alexandre O’
Neill há ainda uma exposição, “No Reino de O’ Neill”, comissariada por Joana
Meirim (que publicou o ensaio Uma Carta à Posteridade, Jorge de Sena e
Alexandre O’ Neill – Imprensa Nacional, 2024) e que conta com um texto
inédito de Adília Lopes intitulado “O’ Neill e a tia da aletria”. Quanto a
António Ramos Rosa, poeta essencial da poesia portuguesa, mas também um teórico
da própria poesia, alguém que publicou cerca de cem livros, caiu um absoluto
silêncio e esquecimento sobre o seu centenário. A Assírio & Alvim tem vindo
a publicar a sua obra, de que já foram publicados dois volumes (em 2018 e
2020), e existe uma antologia, Poesia Presente (Assírio &
Alvim, org. de Maria Filipe Ramos Rosa, com prefácio de J. Tolentino Mendonça).
Já sobre Franz Kafka, nome monstruoso da literatura mundial, não houve por cá
esquecimentos editoriais. Destaque-se, entre as várias obras publicadas os Contos,
Parábolas, Fragmentos (Relógio d’ Água, com tradução de António Sousa
Ribeiro, ver lista) e o primeiro volume (O Artista da Fome, tradução de
Bruno C. Duarte) de 3 com que a E-Primatur pretende publicar toda a prosa breve
do autor de O Processo. E ainda o centenário do nascimento de Bernardo
Santareno, talvez o melhor dramaturgo português do século XX.
4, O Porto é hoje uma cidade
descaracterizada. A culpa, como em muitas outras cidades europeias, é do
turismo. Isso levou a uma especulação imobiliária que está a transformar a
cidade, o que fez com que a Livraria Latina, fundada em 1942, e pertencente
desde há vários anos ao grupo Leya, fechasse. A Livraria Latina situava-se no
número 1 da Rua de Santa Catarina, uma artéria pedonal, de comércio de rua, das
mais movimentadas do Porto. Foi uma das principais livrarias do Porto,
juntamente com a saudosa Livraria Leitura e a Livraria Lello – que das três, e
graças à arquitectura do edifício onde está, se tornou num lugar de
peregrinação turística. Mais à frente, na mesma Rua de Santa Catarina,
funcionava, desde há cerca de 25 anos, uma loja da FNAC que este ano fechou.
Uma das características desta loja (replicada noutras), era funcionar como uma
biblioteca: as pessoas iam à FNAC, escolhiam um livro e sentavam-se num dos
sofás que por lá existia (se houvesse lugar). Algo replicado por algumas
livrarias. A FNAC, quando apareceu em Portugal foi algo de novo: podiam-se
comprar discos, filmes e livros no mesmo espaço. Nessa altura, a Internet dava
os primeiros passos, e os computadores – mesmo portáteis – tinham uma gaveta
para colocar o cd com disco ou filme. Hoje, curiosamente, é o livro que
sobrevive aos cd’s de discos e filmes, substituídos por plataformas on-line.
Portanto, o livro resiste, um objecto com séculos. Com séculos talvez se
encontrem alguns exemplares de livros que fazem parte da Biblioteca Municipal
do Porto. Este ano fechou para obras de alargamento, com um projecto de
arquitectura de Eduardo Souto Moura. Prevê-se que reabra daqui a quatro ou
cinco anos. Ora, tendo em conta que é a segunda maior biblioteca portuguesa,
com depósito legal, que só lá se encontram livros e jornais essenciais para
investigações académicas ou pessoais, é de lamentar que não se arranjasse uma
solução em que a biblioteca continuasse a funcionar. Afinal Souto Moura não é
um dos principais arquitectos mundiais?
5, Os prémios literários fazem naturalmente
parte do mundo literário (já o podia dizer o senhor de La Palisse). Há prémios
de dois tipos: os de reconhecimento de uma obra literária, e os que premeiam
inéditos, ou seja, neste caso aspirantes a escritores ou escritores que
procuram publicar uma obra e ter uma distinção. Entre os dois tipos de prémios
há um fosso, com variantes. Mas, na generalidade os prémios literários servem
para homenagear figuras da literatura (Camões, Vergílio Ferreira, Agustina
Bessa-Luís ou mesmo Ernesto Sampaio, no caso português). O Nobel da literatura
foi este ano para a escritora sul-coreana Han Kang, de 53 anos (uma das mais jovens a
receber o Nobel da literatura), o Prémio Camões foi para a poetisa brasileira
Adélia Prado, o Prémio José Saramago (inéditos) foi para Francisco Mota Saraiva
(que em 2023 tinha ganho o prémio literário revelação Agustina Bessa-Luís), o
Vergílio Ferreira (inéditos) para António Garcia Barreto. Enfim, será longa a
lista de premiados com os vários prémios que dão a possibilidade de publicar a
obra a concurso, para além do autor em alguns casos também receber uma
(pequena) importância pecuniária. No entanto, algo surpreende quanto ao prémio
de Melhor Livro de Poesia atribuído pela Sociedade Portuguesa de Escritores.
Foi para o poeta Jorge Gomes Miranda (JGM) pelo livro Emoções Artificiais
(2023, Gradiva). Em entrevista de JGM ao jornal Público ficamos a saber que se
trata de um livro sobre a tecnologia, a Inteligência Artificial, a robótica. O
autor, que iniciou a sua actividade como poeta em meados da década de 1990, diz
na referida entrevista, “Esperemos que os robôs do futuro sejam mais humanos do
que certos humanos”. Essa humanização dos robôs pode ser constatada nos poemas
que estão disponíveis on-line. Será um livro tecnofílico, mais surpreendente por ser um livro de poesia que pelo tema abordado, que na ficção científica
vem de longe, de Mary Shelley que em 1818 publicou Frankenstein. Que numa
altura em que a realidade parece ultrapassar a ficção científica, sejamos
acolhedores do que enforma o pós-humano, que não é senão o pior do humano, numa
lógica capitalista, é algo, no mínimo, estranho. Ou ingénuo.
Segue-se,
abaixo, uma lista de livros; uns lidos, outros desejos de leitura.
POESIA
Adília Lopes – Dobra (Assírio & Alvim)
José Carlos Barros – Taludes Instáveis (Dom
Quixote)
Ana Hatherly – Tisanas (Assírio & Alvim,
org. Ana Marques Gastão)
Filipa Leal – Adrenalina (Assírio &
Alvim)
Sebastião da Gama – O Inquieto Verbo do Mar –
Poesia Reunida (Assírio & Alvim)
Marcos Foz – Enublado Dizes (Bestiário)
Nuno Moura – Cantos (Douda Correria)
T. S. Eliot – A Terra Devastada (Assírio
& Alvim, trad. Jorge Vaz de Carvalho)
FICÇÃO
Ana Teresa Pereira – Como Numa História de
William Irish (Relógio d’ Água)
Teresa Veiga – Vermelho Delicado (Tinta da
China)
Stefan Zweig – Amok (Relógio d’ Água)
Knut Hamsun – Fome (Relógio d’ Água)
Thomas Bernhard – Antigos Mestres (comédia)
(Documenta)
Jon Fosse – Uma Brancura Luminosa (Cavalo de
Ferro)
Franz Kafka – Contos,
Parábolas, Fragmentos (Relógio d’ Água)
NÃO-FICÇÃO
AA VV – História Global da Literatura
Portuguesa (Temas e Debates)
AA VV – O Que Lêem os Escritores (Tinta da
China)
AA VV – Adília Lopes: do Privado ao Político
(Documenta)
Yuval Noah Harari – Nexus (Elsinore)
Maurice Nadeau – História do Surrealismo
(Assírio & Alvim)
Wenceslau de Moraes – Paisagens da China e do
Japão (Livros de Bordo)
António Marques – Paz (Edições 70)
Peter Singer – Libertação Animal, Hoje
(Edições 70)
João Barrento – Os Infinitos Modos da Palavra – Caminhos e metamorfoses da poesia portuguesa contemporânea (Companhia das Ilhas)
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