E de
repente, na noite eleitoral americana de 8 de novembro, tudo mudou. O
impossível, que era completamente possível mas os média não queriam ver,
aconteceu: Donald Trump ganhou a corrida à casa branca como a tartaruga ganhou
à lebre. A Europa não percebeu como foi possível a derrota de Hillary Clinton –
nem ela percebeu. O escândalo ainda dura. Os próximos quatro anos podem ser
perigosos para o mundo com um palhaço de implante capilar esquisito à frente do
mais importante país do mundo. Como foi possível, continuam a interrogar-se os
americanos bem-pensantes. Donald Trump tinha tudo contra ele: desde as
sondagens que davam a vitória à senhora Clinton, até todos os disparates
xenófobos, racistas e sexistas que afirmou durante a campanha. Para além disso
Trump é um homem de negócios, sem experiência política – o que vai ele fazer na
casa branca? Como é possível que alguém tão patético como Trump seja presidente
dos Estados Unidos? Como pode um palhaço ter o código do maior arsenal nuclear
do mundo? Enfim, multiplicam-se as interrogações. Mas embora a maioria dos
americanos não tenha votado nele – Trump ganhou porque o sistema antiquado e
imperfeito, mas tão valorizado pelos europeus, da democracia americana assim o
permite –, demasiados americanos votaram nele. Porquê? Porquê tanta gente a
aderir a um discurso como o de Trump depois de há quatro anos terem reelegido Barak
Obama? A pergunta parece não ter resposta. Ainda mais se a tudo isto juntarmos
o facto dos média norte-americanos (e claro, dos europeus) estarem a favor Hillary
Clinton. Perante este último facto, parece-me estarmos frente a uma estranha
desobediência mediática colectiva. Ou seja, muitos eleitores votaram contra as
elites. O problema é que as elites não parecem perceber que são um problema – é
contra elas que aparecem os discursos populistas. E o problema real que o mundo
vai enfrentar, com ou sem elites, com ou sem populismo é o de ter Donald Trump
na Casa Branca.
terça-feira, novembro 29, 2016
domingo, outubro 30, 2016
A GERINÇONÇA OU “O QUE ELES QUEREM É TACHO”
A
solução de um governo de esquerda, inédita na democracia portuguesa de governos
constitucionais, a que Paulo Portas chamou “geringonça”, leva quase um ano à
frente do país. É certo que é um governo PS, em que o Bloco e o PCP apenas dão
o apoio parlamentar, mas mesmo assim não deixa de ser inédita esta geringonça.
Mas a questão fundamental reside em saber em quê este governo mudou o país
nestes quase doze meses. Havia muito a esperar de um governo PS, e muito mais
de um governo PS apoiado pelo BE e pelo PCP. Esperava-se que as medidas draconianas
impostas pelo governo anterior de Passos Coelho fossem invertidas,
principalmente a nível das políticas fiscais. Ora nada disso aconteceu: o colossal
aumento de impostos, anunciado pelo então ministro das finanças Vítor Gaspar,
continua em vigor, sem que os escalões de IRS sejam alterados. Na verdade, o
governo de António Costa criou mais impostos a juntar aos que tinham sido
inventados pelo governo PSD/CDS. Este
governo, com o apoio da chamada esquerda radical tem vivido de uma ou outra
reposição que em nada muda a crise criada pelos especuladores do grande capital
com a ajuda de uma direita neoliberal traidora de Portugal. Essa direita que
quis prescindir da soberania nacional para entregar o país a uma troika de
interesses capitalista. E as pessoas, que deviam ser o cerne de um governo, que
se lixem.
O
certo é que a crise continua, a dívida externa não diminuiu, o desemprego se
baixou foi à custa de medidas criadas pelos centros de emprego para riscar os
desempregados que não cumprem as ordens atentatórias da sua dignidade. As
prestações sociais, como o RSI continuam em valores indignos; há pessoas – algumas
centenas, pelo menos – cujo rendimento é zero, vivendo da ajuda e dependência de
familiares ou amigos. O país não recuperou do empobrecimento imposto pelo
governo de Passos Coelho e pela troika.
Perante
isto o Bloco de Esquerda e o PCP, cuja atitude até aqui tinha sido sempre
crítica de tudo, murcharam. Vão tecendo uma ou outra crítica, mas no essencial
apoiam o governo de António Costa, com uma disciplina militar. BE e PCP estão
por isso irreconhecíveis. E assim a geringonça funciona, perante uma oposição
impotente que é responsável pela criação da crise que vivemos.
Porque
mesmo que a palavra crise tenha deixado de ser usada no discurso mediático, é
esse o sentimento que continua a vigorar entre os portugueses – o país continua
em crise. A direita fez tudo para que a crise se instalasse na cabeça das
pessoas, e por consequência na economia real. Conseguiu. Graças ao governo
Passos Coelho, instalou-se uma mentalidade austeritária em Portugal que
prolonga a anemia económica. É uma mentalidade salazarenta que mostra que o
ditador ficou entranhado no país como uma nódoa.
Volto
à geringonça. O que ela mostra são duas coisas essenciais: 1) que mesmo entre
partidos da chamada esquerda radical, Bloco de Esquerda e PCP, que tinham uma
atitude essencialmente crítica, chega uma altura em que a sede do poder é
maior. E para isso estão dispostos a engolir sapos, a abdicar das soluções que
apresentavam (como a renegociação da dívida) em favor de um lugar ao lado do
poder que talvez, se a solução geringonça funcionar, pode vir a tornar-se num
lugar no poder, uma cadeira no governo. Como a história do Bloco prova, na
política nunca se pode ser eternamente Peter Pan. 2) Não correspondendo esta
solução a uma real melhoria da vida dos portugueses, e agora que todos os
partidos com representação parlamentar passaram pelo poder, sem apresentarem
soluções para a vida das pessoas, mas sobretudo interessados no poder pelo
poder, seguindo o conselho de Maquiavel, como reagirão os votantes em próximas
eleições? Os portugueses são cordatos, conservadores mesmo quando votam no
Bloco ou no PCP – a tal nódoa ou nuvem salazarista que paira sobre o país – e não
têm comportamentos “perigosos” como os islandeses. Mas o que fica de uma
democracia parlamentar quando se perde a confiança nos partidos que estão no hemiciclo?
Fica, talvez, a expressão popular que é uma atitude e crítica anarquista a este
sistema político: “o que eles querem é tacho”.
sexta-feira, setembro 30, 2016
TEXTOS E PRETEXTOS - LITERATURA E FUTEBOL
Ao número 20 a revista Textos e Pretextos (do Centro de Estudos Comparatistas da FLUL) abordou a temática da literatura e do futebol. A revista conta com ensaios de António Sá Moura, Norberto do Vale Cardoso e Nuno Domingos; textos (depoimentos, pequenas ficções, crónicas) de Álvaro Magalhães, Eric Nepomuceno, Gonçalo M. Tavares, Inês Fonseca
Santos, João Assis Pacheco, Jorge Almeida e Nuno Amado, Rui Miguel Tovar
e Ruy Castro. A terminar uma entrevista ao escritor brasileiro Nelson Rodrigues e uma bibliografia sobre literatura e futebol.
quarta-feira, agosto 31, 2016
AUGUSTO MONTERROSO
A TARTARUGA E AQUILES
Finalmente, segundo o cabograma, na semana passada a Tartaruga chegou à meta.
Em conferência de imprensa declarou modestamente que sempre temeu perder, já que o seu rival lhe pisou os calcanhares o tempo todo.
De facto, uma décima-milésima-trilionésima de segundo depois, com uma seta e amaldiçoando Zenão de Eleia, chegou Aquiles.
Augusto Monterroso, A ovelha negra e outras fábulas, Angelus Novus, 2008, p. 31
domingo, julho 10, 2016
CAMPEÕES EUROPEUS
Durante longos anos a grande referência em termos de selecção nacional foi o 3º lugar no Mundial de Inglaterra, com uma selecção onde predominava Eusébio. Depois, há 32 anos, em França, foi uma derrota nas meias-finais com uma selecção de que faziam parte jogadores esquecidos mas grandioso no futebol português (Fernando Gomes, Chalana, Bento, Frasco, Sousa, Jordão, Néné, Oliveira... nem todos jogaram em 1984, mas todos fazem parte de uma geração grandiosa do futebol português). Depois houve Figo, Futre e outros; a final perdida frente à Grécia em casa há 12 anos. E agora, quando no início deste Euro 2016, Portugal não era apontado como favorito; quando o seleccionador Fernando Santos disse que só regressava a Portugal no dia 11 e todos se riram. Hoje o "impossível" realizou-se: Portugal tornou-se campeão da Europa, dessa Europa onde é chamado de porco, dessa Europa que políticamente nos quer impôr sanções.
Esta vitória da selecção nacional em França, frente à França, tem um relevo desportivo de décadas, mas também um relevo político e social de décadas. É como que uma vingança pelo sofrimento de mais de um milhão de migrantes que, por vezes nas piores condições foram ganhar a vida para terras gaulesas (veja-se o exemplo da mala de cartão de Linda de Suza, as barracas onde em finais dos anos 60 os portugueses viviam nas mais precárias condições).
quinta-feira, junho 30, 2016
VASCO GONÇALVES
É verdade que, em toda a nossa história, houve sempre portugueses que, por espírito mesquinho de classe, estiveram de cócoras diante do estrangeiro, prontos a sacrificarem os interesses da Pátria a interesses não-nacionais. Todos nós conhecemos os nomes de tais homens, e execrámo-los. Durante séculos e séculos, como bicho dentro da maçã, o partido castelhano corrompeu e desfibrou o País até levar aos opróbios de 1580; mais perto de nós, foram os integralistas (ora de imitação francesa, ora de figurino germanófilo e nazi) que se entregaram à mesma tarefa. Hoje, erguem-se vozes a cantar loas à Europa - não à Europa dos trabalhadores, claro, mas à Europa dos monopólios e das sociedades multinacionais. Ontem, houve quem servisse Castela contra a arraia miúda; hoje há quem há quem deseje colocar as classes laboriosas portuguesas na situação de fogueiros da fornalha da Europa capitalista...
Vasco Gonçalves, excerto de discurso de 18 de Agosto de 1975 em Almada (era então primeiro-ministro), in Exortação aos Poetas, col. Memória Perecível, da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2015, p. 39
terça-feira, maio 31, 2016
AND THE CAMÕES GOES TO... RADUAN NASSAR
A obra de Raduan Nassar, o vencedor do Prémio Camões 2016, é mínima: apenas três pequenos livros, Lavoura Arcaica (1975), Um Copo de Cólera (1978) e Menina a Caminho (1997), todas as obras editadas em Portugal pela Relógio d´Água e Cotovia. No entanto, para uma obra em prosa sobreviver ao tempo e o seu autor ser considerado um dos maiores escritores brasileiros, ombreando com nomes como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, temos que estar perante uma prosa fortíssima.
Foi isso mesmo que entendeu o júri deste ano do Prémio Camões constituído por Miguel Honrado (secretário de estado da Cultura), Paula Morão e Pedro Mexia (por Portugal), Flora Sussekind e Sérgio Alcides do Amaral (pelo Brasil), Lourenço do Rosário (Moçambique) e Inocência Mata (São Tomé).
Raduan Nassar nasceu em 1935, em Pindorama (S. Paulo), filho de pais de origem libanesa. Após frequentar vários cursos universitários, sem concluir nenhum, começou a interessar-se pela literatura e pela agricultura - chegou a presidir à Associação Brasileira de Criadores de Coelhos. Nos anos 1970 publica os dois livros fundamentais da sua escassa obra, depois abandona a literatura para se dedicar em exclusivo à agricultura.
Recentemente Raduan Nassar apareceu em público para apoiar a destituída presidente do Brasil, Dilma Roussef.
terça-feira, abril 26, 2016
MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO
Há entre Mário de Sá-Carneiro e Fernando
Pessoa mais que uma amizade. Sá-Carneiro poderá ter sido prejudicado por essa
pequena multidão de gente que habitava a mente e o génio de Pessoa. Demasiado ofuscante
para toda a poesia que viria depois, Mário de Sá-Carneiro terá sido a primeira “vítima”
de Pessoa. Sá-Carneiro foi quase um heterónimo de Pessoa. Mas, por outro lado,
Pessoa foi o duplo de Sá-Carneiro, a alteridade em que se funda a poesia
moderna, pelo menos desde Rimbaud (o outro, “Aqueloutro”).
E, no entanto, há um caso Mário de
Sá-Carneiro na literatura portuguesa que tem sido sombreado pela imensa
complexidade – em todos os sentidos – do caso Pessoa. E Sá-Carneiro, de mais
breve vida, de obra publicada em vida e com poucos inéditos, não deixa de ser
um caso único na unicidade da sua obra a que se liga um ou outro biografema,
quando não se tenta fazer uma interpretação da obra pela biografia ou
vice-versa. A orfandade materna, o dinheiro, os cafés, Paris… e o suicídio, a
26 de Abril de 1916, que parece ter sido uma encenação para um espectador –
João Araújo.
Mas para além de tudo isto, há uma obra de
extrema riqueza, quer a nível poético quer ficcional. É essa obra, escassa, que
tem vindo a ser descurada, talvez em proveito de um mito que o jovem suicida alimenta.
Ou, simplesmente a literatura de Mário de Sá-Carneiro, hoje, cem anos após o
seu suicídio, ainda não foi entendida. Como defendem vários especialistas na
obra do “esfinge gorda” na edição de hoje do Público (pp. 24-25), terá sido
Sá-Carneiro a abrir caminhos para a obra pessoana. Repare-se num poema como
Manucure (datado de Maio de 1915), “semifuturista” mas algo de único na
literatura portuguesa, na sua ligação às vanguardas de princípios de século. E
algo de único também entre o barroco e a poesia experimental. É claro que a
literatura, nem a sociedade, portuguesa estava preparada para ter um Mário de
Sá-Carneiro – e provavelmente ainda não está. Mário de Sá-Carneiro sabia que
escrevia para o futuro, o que espanta é como esse futuro tem andado alheado
desta escrita. Será porque ainda não a compreendeu?
sábado, abril 16, 2016
O JORNALISTA NÃO MORDE O DONO
Sexta-feira foi noticiado no Jornal de Notícias a discussão e aprovação de uma lei que partiu de um projecto de iniciativa cidadã com cerca de 157 mil assinaturas. O projecto de lei dizia respeito ao fim do período de fidelização de 24 meses dos serviços das operadoras de telecomunicações. Como bem escrevia o subdirector do JN, David Pontes, "sempre que vierem à baila os interesses de grandes empresas,
preparemo-nos para a sintonia entre os dois grandes blocos [PS e PSD] e a completa
nulidade da ação dos reguladores". Portanto, a referida tentativa de acabar com o abuso que é o período de fidelização de 24 meses saiu em parte gorada porque PS e PSD formam, ainda, um bloco central que serve os interesses das grandes empresas. No entanto, algo mudou. O que não mudou, antes pelo contrário, foi a forma como os média noticiam estes acontecimentos. Se o JN deu relevo a esta iniciativa, que mobilizou 157 mil pessoas, já o Público a ignorou por completo (não falo dos outros jornais e telejornais que não consultei nem vi). Torna-se fácil perceber porque razão esta notícia não saiu no Público: o jornal é propriedade da sonae, o mesmo grupo empresarial que detém uma das operadoras de telecomunicações em Portugal, a actual Nos. O que está em questão é a independência editorial de um jornal que se tem como jornal de referência perante o seu dono. Mais: sendo as operadoras de telecomunicações um dos principais clientes, a nível publicitário, de televisões e jornais, qual a independência editorial dos média perante estas grandes empresas? Ou estamos todos, desde consumidores a partidos políticos, reféns dos interesses destas empresas? Na resposta a esta pergunta, creio, está também a resposta à pergunta sobre a nossa liberdade, e em última instância sobre quem verdadeiramente nos governa.
terça-feira, abril 12, 2016
Inês Fonseca Santos
Eis a língua terrível,
incendiada, densa,
de encontro ao verso;
a língua de lamber
da mão a ferida aberta
no encontro do verso.
Nessa língua, saberás falar: a boca
aberta com o abismo dentro
como se alguém estivesse realmente
à escuta do outro lado.
Do outro lado:
um tiro na cabeça do verso,
estilhaçando a voz.
Sem colete à prova de bala
Inês Fonseca Santas, O Voo Rasante - Antologia de poesia contemporânea, Mariposa Azual, 2015, p. 62
Inês Fonseca Santos (1979) é jornalista cultural, com quase total dedicação aos livros. Publicou uma antologia do humor português e, no campo da poesia editou os livros As Coisas (abysmo, 2012) e Habitação de Jonas (abysmo, 2013). É ainda autora de um estudo sobre a obra de Manuel António Pina: Regressar a Casa com Manuel António Pina (abysmo, 2015).
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