Há 70 anos o campo de concentração nazi de Auschwitz era
libertado por tropas Soviéticas. Era o fim do Holocausto empreendido pela
Alemanha de Hitler. Auschwitz, onde morreram mais de um milhão de pessoas, terá
sido o lugar de máximo terror e horror do século XX e talvez da História da
humanidade. Por isso a sua constante referência – o filósofo T. Adorno escreveu
que depois de Auschwitz não era possível voltar a escrever poesia. Mas o tempo
passou, ocorreram os julgamentos de Nuremberga, a desnazificação, o julgamento
de Eichmann, na década de 1960, em Jerusalém, do qual Hannah Arendt extraiu a
sua tese da “banalidade do mal”. Muitos dos responsáveis pelo Holocausto
conseguiram fugir, viver incógnitos em países como a Argentina. Na Alemanha,
dividida até 1989 pelo muro de Berlim, a vida continuou, a indústria da Alemanha
ocidental prosperou, e as grandes empresas que utilizaram mão-de-obra escrava
cedida pelo nazismo voltaram a tornar-se grandes exportadoras. Houve sempre um
esquecimento do horror do regime nazi sem o qual a prosperidade da Alemanha não
seria possível. Depois da reunificação a Alemanha terá passado por momentos
difíceis, mas a águia levantou-se. E quem não quer ter um BMW, um Mercedes, ou
mesmo um Audi? A magnífica tecnologia alemã, a sua produtividade baseada muito
num sistema de ensino que aos 10 ou 12 anos selecciona o futuro dos seus
cidadãos, espanta o mundo. Mas também os seus escritores, a sua filosofia, os
seus compositores. Como pode uma terra de gente tão grandiosa como Kant, Hegel,
Nietzsche, Heidegger, na filosofia, ou Goethe, Holderlin, Novalis, na
literatura, ou ainda nas música Bach e Beethovan, entre muitos outros, ser
também a pátria do crime mais hediondo contra a humanidade?
A verdade é que a Alemanha renasceu. Não é a Alemanha nazi,
mas a actual Alemanha de Angela Merkel, a Alemanha que chama “porcos” (PIIGS)
aos países do sul, a Alemanha da austeridade é uma versão light da Alemanha
nazi. Porque a austeridade tem feito vítimas nos países em que foi implantada –
e vítimas quer dizer mortos, pessoas com depressão, desesperados sem emprego,
fome, pessoas que ficam sem a casa que não podem continuar a pagar aos agiotas
bancários. Em Portugal tudo isso tem um responsável político: Pedro Passos
Coelho e o seu governo, com destaque para Vítor Gaspar, que embora já tenha
abandonado o governo é o ideólogo dessa política de destruição. Pela Europa do
sul, a Europa dos “porcos”, a direita tem executado as ordens de frau Merkel.
Até que domingo os gregos elegeram o Syriza. É certo que as
coisas não são comparáveis porque a dimensão das atrocidades é diferente, mas é
como se 70 anos depois da libertação de Auschwitz houvesse uma nova libertação –
a da austeridade. É certo que os povos do sul da Europa não podem ter como
certa e imediata essa libertação, mas há uma forte promessa.
Ontem Alexis Tsipras tomou posse como primeiro-ministro grego
e a primeira coisa que fez foi uma homenagem a 200 membros da resistência grega
fuzilados por nazis na II Guerra Mundial. O primeiro acto ou medida de um
primeiro-ministro é sempre simbólico e sintomático e Alexis Tsipras ao
homenagear aqueles que foram fuzilados pelos nazis alemães estava também a
homenagear aqueles que foram vítimas da austeridade – pessoas que não foram
fuziladas mas morreram por falta de assistência médica ou suicídio. De
Auschwitz, 1945, a Atenas, 2015, vai uma longa distância temporal, mas também
pequenas coincidências.
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