domingo, setembro 27, 2015

A GRANDE MENTIRA DE PASSOS COELHO



Nunca ninguém mentiu tanto na política portuguesa como Passos Coelho e o seu governo. Nunca ninguém, depois do 25 de Abril, prejudicou tanto os portugueses como o governo liderado por Passos Coelho. E, no entanto, as chamadas sondagens, sem valor científico que a RTP e TVI apresentam diariamente dão uma vantagem à coligação. Creio que estas sondagens se enquadram também na mentira, a grande mentira que tem sido este governo PSD/CDS. Veja-se que estas “sondagens” são feitas telefonando para casa de pessoas com telefone fixo. No entanto, outra sondagem apresentada pelo Expresso/SIC dava um empate técnico entre PaF e PS. E isso é grave. É grave que depois de quatro anos de destruição de um país ainda existam pessoas que vão na grande mentira mediática, no grande conto do vigário, de quem fez tudo para que Portugal fosse forçado a pedir um empréstimo à troika; de quem foi além das medidas da troika, de quem tem os cofres cheios num país empobrecido que vai sobrevivendo, como pode, à custa da baixa de alguns produtos. É grave, muito grave, se no próximo domingo, Passos & Portas (e Vítor Gaspar e Miguel Relvas – ainda se lembram deles?), os grandes mentirosos, os responsáveis pela saída do país de cerca de meio milhão de pessoas, os que queriam roubar aos trabalhadores para dar aos empresários (lembram-se da TSU?), os do “aumento colossal de impostos” (onde anda Vítor Gaspar?), os que governaram sempre contra a Constituição, os que privatizaram tudo o que havia para privatizar, os que cortaram pensões, 13º mês e subsídio de férias, os que se vergaram perante o poder despótico da Alemanha, enfim os que tudo fizeram para que os portugueses sofressem, ganhassem agora as eleições. É certo que uma vitória da coligação a ocorrer será por minoria e é a esquerda que terá maioria na Assembleia da República. Mas será que os portugueses são masoquistas? Gostam de ser roubados nos seus salários ou outros rendimentos por impostos colossais e injustos? Ou será que as mensagens passadas nas televisões pelos comentadores (comendadores) mor Marques Mendes e Marcelo Rebelo de Sousa, e por outros em vários jornais do Correio da Manhã ao Expresso conseguiram fazer passar a grande mentira? É certo que António Costa depois de tanto entusiasmo se revelou uma decepção. O líder socialista pouco promete alterar às políticas que PSD / CDS impuseram aos portugueses. Como decepar a deusa Austeridade? Como governar contra a austeridade concordando com o tratado orçamental que nos impõe um défice que não podemos cumprir? Como governar com uma dívida de 130 por cento sem a renegociar? A isto Costa passa ao lado. Mas se o PS não se revela uma alternativa à política de austeridade que graça pela Europa do sul, a mando da Europa protestante do norte, destruindo vidas, isso não quer dizer que se vá votar nos bandidos políticos da PaF. Há pelo menos 16 outras alternativas, para além da abstenção e do voto nulo ou branco. Então, o que se passa? Como é isto possível? Nem o rotativismo político parece funcionar. Esperemos pelo bom senso, contra a grande mentira de Passos Coelho e dos que lhe obedecem.  

terça-feira, setembro 22, 2015

VÍTOR SILVA TAVARES (1937-2015)



Vítor Silva Tavares era um dos últimos editores portugueses. Talvez aquele que representasse, ainda, o que era um editor – uma espécie em sérias vias de extinção, perante a lógica mercantil que preside à edição como qualquer produto de super-mercado. VST editou, ao longo de mais de quarenta, anos autores como Herberto Herder, Gastão Cruz, Fiama, Alberto Pimenta ou os mais recentes Adília Lopes, Manuel de Freitas, José Miguel Silva, mas também autores quase desconhecidos. Numa entrevista assume ter editado um autor para evitar um suicídio, colocando muito naturalmente a vida à frente da arte. Ficou ligado, indissoluvelmente, à & etc, a editora onde os livros tinham um tratamento gráfico especial. Vítor Silva Tavares (e a & etc) era mais que um editor marginal ou maldito. É certo a sua preferência pela edição de autores ligados a uma estética surrealista ou provocadora – e tudo isso fazia parte do seu programa de vida e edição. Mas a riqueza do catálogo da & etc é enorme. Preferiu a poesia ou a prosa dos poetas, por vezes também o ensaio, a tradução – tudo num esmero único, onde não faltava a colaboração de alguns dos principais artistas gráficos. Nos últimos tempos foi-lhe dado algum reconhecimento: documentários que circulam pela net, um livro sobre a & etc. Ele próprio, depois de publicar tantos poetas, publicou os seus versos numa pequena e artesanal editora do Porto, a 50 kg, "Púsias". Deixa um exemplo que se foi renovando noutras pequenas editoras.

domingo, setembro 13, 2015

JOÃO RUI DE SOUSA

MOTU CONTINUO

a minha vida dança sobre esferas
por esferas que vão ao infinito

o infinito cai a prumo em nada
no ar que me pesa que respiro

respiro o mar o sol a sombra a casa
cada acordar diurno das raízes

as raízes seguram a terra

a terra é onde durmo e onde vivo

DÍSTICO

põe ordem no desejo
repousa cegamente como um navio em chamas

João Rui de Sousa, Meditação em Samos, Galeria Panorama, s/d, pp. 20 e 23

domingo, setembro 06, 2015

OS JORNALISTAS AO SERVIÇO DO PODER BIPARTIDÁRIO



Pela primeira vez a as três televisões em sinal aberto, SIC, TVI e RTP, chegaram a um acordo para realizar e emitir o que chamam o debate decisivo entre António Costa e Passos Coelho. O debate vai ser emitido na próxima quarta-feira a partir das 20h30 com moderação de três jornalistas das estações que organizam esse debate, nas três estações generalistas em simultâneo, podendo por isso ter uma audiência recorde. É o modelo norte-americano, mas num só debate. Quanto ao resto, aos outros partidos com assento parlamentar (BE e CDU) e aqueles que emergem nas sondagens como podendo obter um ou mais lugares no futuro parlamento, e ainda todos os outros partidos concorrentes a estas eleições, quanto a esse resto isso não interessa nada.
Ora esta falta de respeito pelas regras democráticas dura há quase 40 anos – por isso os partidos do chamado “arco da governação” são só três, precisamente os que estarão no debate dito decisivo do próximo dia 9. Isto não é de agora, mas nestas eleições em que o eleitorado está cansado dos partidos do “arco da governação” a situação tomou um grande despudor com este único debate para uma audiência máxima. Há que guiar o rebanho para votar ou na coligação PSD/CDS ou no PS. E para isso os jornalistas, os directores de informação, estão ao serviço do poder. Há que evitar as ameaças que representam novos partidos como o de Marinho Pinto, que nas últimas eleições europeias concorrendo pelo obscuro MPT conseguiu dois lugares no parlamento europeu, o que caso se tratasse de legislativas corresponderia a um razoável grupo parlamentar. Da mesma forma há que evitar que o Livre/Tempo de Avançar obtenha uma representação parlamentar. Com um jeitinho dos serviçais jornalistas e comentadores para atestar qual o vencedor, ainda um dos partidos consegue a maioria absoluta como quer o presidente Cavaco. Assim o povo seja cordato e fiel como um cão aos donos do poder.

segunda-feira, agosto 31, 2015

Gonçalo M. Tavares

A corrida de 100 metros

Vejamos o mundo.
Exércitos, lugares onde se sofre,
sacrifícios da mãe pelos quatro filhos, o erudito de óculos a
examinar
o filme pornográfico,
o velho de passo lentíssimo com um casaco exagerado,
uma criança a troçar de outra mais fraca,
o casal a discutir por causa do ruído dos pés de um
e da sensibilidade do ouvido do outro,
e no meio de tantos factos e de tão diversas possibilidades,
oito homens com calças curtas e números nas costas
correm cem metros
- nem um centímetro a mais - e ganham ou perdem.
E uma vitória, por exemplo, pode levar alguém a curvar-se
e a chorar. E o assunto são cem metros de espaço no Mundo.
Pensa, por exemplo, no espaço de um país
ou no espaço da tua casa,
ou no espaço que percorres atrás da rapariga
que te largou a mão no meio da cidade;
porém nada mais há em alguns instantes, para esses homens,
além de: cem metros. Cem metros de espaço no planeta.
           Vejamos, pois, o Mundo outra vez.
Como quem lê pela segunda vez um livro. Voltemos atrás.
Vejamos onde o homem perdeu a razão.
Em que momento.

Gonçalo M. Tavares, 1, Lisboa, Relógio d' Água, 2ª ed. 2011, p. 133
Gonçalo M. Tavares é sem dúvida o escritor, revelado já este século, cuja obra se mostra mais original. Na escrita de GMT a poesia ocupa um pequeno lugar. Por isso a sua poesia tem sido menosprezada face à de outros autores que são apenas poetas. Mas a força desta obra pouco convencional em relação aos géneros,  talvez seja uma das mais importantes entre os poetas que começaram a publicar este século.

domingo, julho 26, 2015

Vasco Gato

VI

Que não te enganem
os que compram as horas por atacado
para do teu suor extraírem
a bandeira de um país que nunca será o da atenção
que nunca será o da morada
mas sempre e sempre
o território homeopático da extinção
em que os troféus são
joelhos vergados à condição de cera
para os soalhos do progresso
cujo verdadeiro nome é
despovoamento

Vender-te-ão o conforto
a perseverança     o brio
como se tivéssemos por fito
a acumulação do tempo
sem o fruirmos boca a boca
desesperadamente
garantir o futuro     dir-te-ão
sem repararem na estupidez do repto
pois que poder temos nós
sobre as válvulas biológicas
do nosso prazo
para nos arrogarmos a garantir
o que quer que seja
quanto mais o sumo fruto da inexistência
esse futuro-cano-enfiado-na-boca
para ser disparado sem falta
de manhã e ao deitar

Em volta sucedem-se clarões
e abismos inóspitos
os elementos torcem-se na pesca à linha
dos lugares fundamentais
há uma convulsão de panoramas
para o brevíssimo turismo
dos olhos
mas o importante é a matemática mesquinha
do sangue que furtamos uns aos outros
a medalha de carne pútrida
com que esperamos aparecer
na fotografia da época

Que se foda a época
digo-te já
que se foda a sépia dos futuros
eu quero aparecer no dia
do teu nascimento
desarmado como uma árvore
sem outra missão que não
amparar-te o susto
e dizer-te baixinho
bem-vindo ao continente dos frágeis
podes parar de nadar

Vasco Gato, Fera Oculta, Douda Correria, 2014
Vasco Gato nasceu em 1978. Publicou mais de uma dezena de livros de poesia  entre  Um Mover de Mão (Assírio & Alvim, 2000) e Fera Oculta, plaquete manifestamente politizada que testemunha a situação que Portugal vive e tem vivido.

domingo, julho 19, 2015

EU NÃO CONFIO NA JUSTIÇA PORTUGUESA



Uma das afirmações que mais se têm ouvido aos políticos sobre a justiça, decorrente dos inúmeros casos de envolvimento de políticos em processos judiciais e da prisão de José Sócrates em particular, é o “eu confio na justiça” ou “à justiça o que é da justiça e à política o que é da política” – esta frase tem sido muito utilizada por António Costa em relação a Sócrates. Ora este respeito pela separação de poderes está muito bem do ponto de vista teórico no funcionamento de um Estado, embora se pensarmos bem ele não exista – porque são os políticos que fazem as leis que os magistrados aplicam, são eles, no fundo, os responsáveis pelo Código Penal, Código Civil ou Código do Processo Penal, instrumentos essenciais para a aplicação da justiça. Resta, nestas afirmações de confiança na justiça, uma confiança nos homens e mulheres que aplicam a justiça – os magistrados. Ora o que os vários casos mediáticos que têm envolvido políticos nas malhas da justiça mostram é mais que incompetência ou inépcia por parte de magistrados. É má-fé, abuso de poder, desrespeito pelos mais básicos direitos humanos, procura de protagonismo e poder, sistemática e intencional violação do segredo de justiça. A prisão de José Sócrates e o modus operandi do juiz que ordenou essa prisão, Carlos Alexandre, é exemplar sobre o despótico funcionamento da justiça portuguesa. Como se pode perceber que exista um juiz a quem vão parar todos os processos mediáticos, principalmente os relacionados com políticos? Que explicação tem a procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, para isto?
Para a justiça portuguesa qualquer pessoa uma vez suspeita, e não falta imaginação aos magistrados e “investigadores” portugueses para inventar teorias da conspiração que corroborem que determinada pessoa é responsável por um crime, corre o risco de ir parar à prisão (preventivamente) durante meses e ficar com a vida desfeita. Prende-se para investigar, prendem-se preventivamente cidadãos inocentes, nega-se o princípio de inocência. Diria que hoje qualquer cidadão, porque qualquer cidadão pode ser alvo de uma denúncia anónima que é levada a sério pelos “investigadores”, deve ter mais medo da Polícia Judiciária, dos magistrados do Ministério Público e dos juízes que dos reais criminosos. Não há que ter receio: em certo sentido a justiça portuguesa voltou a tornar-se pidesca e plenária.
Prende-se ao início da noite ou de madrugada, às vezes à sexta-feira, para que a pessoa presa passe o maior tempo possível na prisão antes de ser apresentada ao juiz; prende-se sem reserva de imagem, pelo contrário, chamam-se as televisões, os fotógrafos, todas as redacções de televisão e imprensa ficam a saber antes da prisão ser efectuada; prende-se com meios ostentatórios como os GOE gente que é simplesmente acusada de corrupção. Prendem-se pessoas simplesmente para ser ouvidas em processos. Prende-se, como bem disse José Sócrates numa entrevista, para humilhar e para quebrar. A polícia e a magistratura portuguesa cansaram-se de prenderem carteiristas, pilha galinhas, drogados ou homicidas passionais, gente que só passava pelas páginas d’ O Crime. A justiça portuguesa, e não só a portuguesa, quer protagonismo, quer que as suas prisões abram os telejornais e sejam capas de todos os jornais, a justiça quer o poder que pertenceu aos reis absolutistas, a justiça quer influenciar a política. Não vale a pena tentar negar: a justiça tem uma agenda política, o juiz Carlos Alexandre tem uma agenda política.

António Costa e José Sócrates

Perante isto o que devia dizer António Costa quando é interrogado sobre José Sócrates? A verdade que está no pensamento de muitos militantes, simpatizantes e não só do PS. Sócrates era alguém incómodo com a sua narrativa que vinha apresentando aos domingos na RTP desde que resolvera regressar de Paris. Ao negar Sócrates, quase como Judas traiu Cristo, António Costa está o negar o passado, onde aliás ele também participou como ministro. Tudo isto lhe fica muito mal como candidato a primeiro-ministro, como cidadão, e pode voltar-se contra ele. O que quer dizer Costa quando diz que não tenciona visitar José Sócrates à cadeia? No fundo António Costa sabe que Sócrates tem que ser condenado – não é impunemente que a justiça, em que Costa como muitos outros políticos do sistema dizem confiar prende um ex-primeiro-ministro e o mantém em prisão por mais de meio ano sem uma acusação sólida. E para mais tratando-se de alguém com a capacidade de José Sócrates, um feroz animal político. É também por essa razão que todos os colectivos de juízes que apreciaram os recursos interpostos pelos advogados de Sócrates indeferiram os mesmos. E num caso, em que um juiz relator tencionava dar razão ao recurso de Sócrates, teve que ser chamado à razão da justiça por duas colegas que votaram contra o recurso.
A cobardia de António Costa pode sair-lhe cara politicamente, porque a coligação não deixará de usar como arma de arremesso na campanha eleitoral a prisão de Sócrates. E Costa ao abandonar Sócrates retira-se da narrativa do ex-primeiro-ministro, deixando a narrativa da coligação PSD/PP virar ao de cima sem contraditório. É um erro político grave que pode explicar os fracos resultados que o PS tem tido nas sondagens.

sexta-feira, julho 10, 2015

O "OXI" GREGO E A POLÍTICA EUROPEIA



Ao dizer “Não” no referendo do passado domingo, os gregos disseram claramente não (oxi) às políticas de austeridade impostas desde há cinco anos pela troika. Foi um não corajoso, porque as suas consequências podem ser a saída da Grécia do Euro, com os inevitáveis efeitos para a Grécia mas também para a restante Europa. Possivelmente já no próximo domingo haverá quanto a isso uma decisão dos países do eurogrupo – será que eles preferem cortar um dedo, sem saber quais as consequências, para extirpar o mal fantasmático do Syriza alegadamente comunista? (na verdade o Syriza sendo uma “coligação” de várias facções de esquerda, não é o Partido Comunista ortodoxo, como o PCP em Portugal – existe na Grécia um partido comunista ortodoxo, o KKE).
O “efeito Syriza” trouxe democracia à União Europeia, o mesmo é dizer que trouxe uma dura dor de cabeça aos tecnocratas europeus habituados a lidarem com governos dóceis, como o português. Ora este “efeito Syriza” não funciona sozinho – viu-se nos últimos meses a falta que fez ao governo de Tsipras um aliado, como o Podemos espanhol. Perante a falta de democracia nas instituições europeias e perante a conivência dos partidos sociais-democratas/socialistas com essa ausência de democracia, faz falta uma nova esquerda de que o espanhol Podemos é o mais significativo – e assustador exemplo para o centro direita e centro esquerda.
Perante isto, e aconteça o que acontecer nas próximas semanas em relação à crise grega, algo já mudou com a vitória do Syriza em Janeiro passado. Falta que os cidadãos europeus ganhem confiança nos partidos de esquerda europeus. Mas essa é uma tarefa muito difícil: não só pela divisão existente entre estes partidos e movimentos, mas sobretudo porque os meios de comunicação social têm privilegiado os partidos do statuo quo em detrimento de outros actores políticos – veja-se quem são os comentadores políticos da televisão portuguesa em sinal aberto.
A Europa foi construída por uma elite – primeiro uma elite de políticos, depois uma “elite” de tecnocratas acéfalos e obedientes, comandados pelos altos interesses empresariais e financeiros. É, portanto, uma Europa feita pelo telhado, contra o povo que deveria ser a base desta construção. Ora isso só pode ser resolvido através de uma nova esquerda, e de uma nova política, que represente realmente os cidadãos europeus.