terça-feira, dezembro 31, 2019

LIVROS EM 2019

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1, Blade Runner, o filme culto de Ridley Scott, adaptado do romance de Philip K. Dick “Do Androids Dream of Electric Sheep?” (1968) (existe tradução para português na Relógio d’ Água), passa-se no ano, agora findo, de 2019. Naturalmente, nada em concreto do que Philip K. Dick ou Ridley Scott  imaginaram  para este ano se realizou. Mas embora não tenhamos ainda carros que voam, ou Andróides que não se distinguem dos seres humanos, esses cenários são cada vez mais equacionados. Basta ler o título da entrevista que Yuval Noah Harari dá à edição de 28-12-19 do Diário de Notícias: “Em breve, alguns governos e empresas poderão saber o que cada um de nós está a pensar e a sentir”. É certo que a realidade ainda não é essa, e se os smartphones se transformaram em mini-computadores que trazemos no bolso, onde a informação aparenta ser gratuita, esse é um engano: porque, em troca, enviamos informação sobre nós, que um dia poderá tornar a frase de Yuval N. Harari, acima citada, verosímil. Temos hoje, nos nossos bolsos, um manancial de informação cujo símile será a biblioteca sonhada por Jorge Luis Borges. Então, a questão poderia colocar-se: para que servem os livros em papel? A verdade é que, para além de pouco utilizarmos essa informação – preferindo a conectividade virtual das redes sociais – também continuamos a preferir – ainda – a materialidade do livro.

2, Vejamos então, para já de um modo genérico, o ano editorial de 2019. Em nenhum campo – ensaio, ficção ou poesia – se deu o aparecimento de uma revelação. O facto de Afonso Reis Cabral ser mais uma vez, de forma requentada, apontado como um valor futuro da ficção portuguesa é sintomático disso mesmo. Mesmo na edição, o que se assistiu, foi a uma continuidade como é o caso d’ As Passagens de Paris de W. Benjamin, mais um volume das obras do filósofo alemão que João Barrento tem vindo a traduzir para a Assírio & Alvim, ou da obra de Agustina Bessa-Luís, que parece ter encontrado bom porto na Relógio d’ Água. Os novos livros de Ana Margarida Carvalho ou Alexandra Lucas Coelho, para já não falar em António Lobo Antunes, ou numa perspectiva de literatura light, José Rodrigues dos Santos, reforçam esta ideia. Também no ensaio em português, José Gil escreveu um livro, Trajectos Filosóficos (Relógio d’ Água), que é, de certa forma, uma sequência do volumoso ensaio publicado em 2018: Caos e Ritmo. Novidade editorial – mas nem tanto, porque já tinha feito parte de uma colecção de livros em fac-símile distribuído com o jornal Público – foi o aparecimento do grande romance brasileiro de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. O facto de só agora ter sido publicado em Portugal, deve-se a constrangimentos relacionados com os direitos editorais, e não a um divórcio – que terá existido – entre a literatura portuguesa e brasileira. Se algo de novo existiu na edição portuguesa, para além do que se observa na ponto 3, foi um proliferar de biografias, já não de políticos, mas de figuras maiores da literatura portuguesa, recentemente falecidas. Foi assim com a biografia, não autorizada pela família, que Isabel Rio Novo escreveu sobre Agustina Bessa-Luís, mas também a biografia da jornalista Isabel Nery sobre Sophia, ou de António Cândido Franco sobre Mário Cesariny. O género, que estava desaparecido, apareceu em força e alguma polémica.

3, Um dos livros do ano, não teve distribuição pelas livrarias. Refiro-me a “Portugal, Uma Perspectiva”, (que é uma história de Portugal ao contrário, como uma personagem de Saramago em "O Homem Duplicado" imaginava que devia ser a História) dirigida por Rui Tavares, e distribuída em 25 volumes, pelas bancas de jornais com o jornal Público (a certa altura tornou-se impossível encontrar o livro nas bancas, tendo os leitores que fazer o pedido directo à editora, a Tinta da China). Reunindo 50 historiadores, na sua maior parte jovens investigadores quer portugueses, quer brasileiros, quer oriundos dos PALOP, Rui Tavares criou uma História de Portugal descentrada, crítica – e aqui talvez se note uma resposta à História de Portugal organizada por Rui Ramos –, mas lacunar (os volumes organizavam-se por anos: 2019, 1998, 1974, 1961, até terminar em 500 a. C.). Certo é que esta retrospectiva, ou perspectiva, de Portugal, em alguns dos seus volumes, vai fazer uma crítica do esclavagismo português (não temendo cair no pecado historiográfico do anacronismo), da inquisição, e tendo uma perspectiva de um Portugal global. Há, de certa forma, uma ligação com a intencionalidade política da trilogia romanesca de Alexandra Lucas Coelho, no que diz respeito à escravatura, particularmente no Brasil. Note-se que esta perspectiva crítica sobre a História de Portugal, tinha sido já inaugurada por Ana Barradas, no início da década de 1990, com o livro “Os Ministros da Noite. Livro Negro da Expansão Portuguesa” este ano, significativamente, reeditado pela Antígona.

4, No diz respeito à poesia, 2019 foi, antes de mais o ano do centenário de dois dos grandes poetas do século XX: Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen. Há que dizer, que nas comemorações do centenário do nascimento destes dois poetas – e no caso de Jorge de Sena, mais que um poeta, o autor de um dos melhores romances portugueses do século XX, “Sinais de Fogo”, para além de ensaísta, tradutor, antologiador, professor universitário (Brasil e EUA) e pai de cerca de uma dezena de filhos – a história repetiu-se, mais uma vez. Sophia é consensual (talvez demasiado) como as coisas que as suas palavras iluminaram, com alguma sombra; Sena, continua a ser polémico, como o próprio foi em vida. E com alguma razão. Basta ver que, embora grandiosa, da obra de Jorge de Sena, quase nada se encontra nas livrarias, a começar pela sua poesia (quase) completa.

5, Quanto à lista que abaixo se apresenta, mais uma vez tentou ser exaustiva, mas mesmo assim sei que com lacunas. Um dos problemas das pequenas editoras, está em utilizar apenas o facebook como forma de comunicação. Ora, o facebook tem um grafismo monocórdico, que não serve uma estratégia de marketing como um blog serve, ou melhor, uma página concebida de raiz para determinada editora. Por outro lado, mesmo utilizando o facebook, há editores que se esquecem de promover os livros que editam, num desrespeito pelos autores. Está neste caso a editora Glaciar, que este ano publicou três poetas importantes: Yvete K. Centeno (discreta mas muito interessante poeta que se tem dedicado ao estudo e tradução de autores de língua alemã, como Paul Celan) que reuniu a sua poesia desde 1961 em “Entre Silêncios”; e um dos grandes romancistas portugueses – e também poeta – que enveredou pela mesma estratégia: Mário Cláudio com “Doze Mapas”, a sua poesia completa desde 1969, e ainda Albano Martins, de quem esta editora publicou o livro póstumo “Os Dados de Eros”. Não fosse uma nota no Expresso, de José Mário Silva, estes livros ter-me-iam passado despercebidos, como certamente passaram despercebidos, por exemplo, aos leitores da obra de Mário Cláudio. Esta situação já não configura o que António Guerreiro, no Ipsilon de 20-12-19, chamava “culto da clandestinidade auto-infligida ou do livro-fetiche que circula como um dom no espaço de cumplicidade do autor”. Aqui trata-se de pura negligência editorial.
Quanto aos mais de 130 livros de poesia que fazem parte desta lista, há uma tendência, em alguns autores, para a reunião da sua poesia completa: é assim com David Mourão-Ferreira, José Agostinho Baptista, Fernando Guimarães, Paulo da Costa Domingos, Pedro Silveira, Francisco José Viegas, Rui Caeiro, Fernando Assis Pacheco (com a sua Musa Irregular aumentada), o vocalista dos Mão Morta Adolfo Luxúria Canibal, e mesmo uma autora já deste século, com 3 livros publicados, como é o caso de Andreia C. Faria. Acrescente-se a estes autores os já referidos Yvete K. Centeno e Mário Cláudio. Outros autores optaram pelas antologias. No bom trabalho editorial destaque-se a Cotovia, que publicou dois livros de Vergilio: “Geórgicas” e “Bucólica” em tradução de Gabriel A. F. Silva. Ainda uma referência para Isabel de Sá, que depois de 20 anos sem publicar um livro inédito, regressa com “O Real Arrasa Tudo”; e também, para um autor que, merecia maior destaque: Levi Condinho. E ainda há a antologia de João Miguel Fernandes Jorge organizada por Joaquim Manuel Magalhães ou a tradução de “A Beleza do Marido” de Anne Carson, na (não) edições.

POESIA
100 CABEÇAS
Fernando Guerreiro – Ventos borrascosos

ABYSMO
Rita Taborda Duarte – As Orelhas de Karenin
Luís de Camões - Ku Ki Vos | Com Que Voz (tradução de 65 sonetos para o caboverdeano por José Luiz Tavares)
José Luiz Tavares - Arder a Vida Inteira
Carlos Morais José – Anastasis
Georg Trakl – Poemas (trad. e pref. António Castro Caeiro)
Levi Condinho - Pequeno Roteiro Cego
João Rios - Reter o amor no gancho do talho
Manuel Rodrigues – Anastática para Alberto Pimenta
José Anjos - Uma Fotografia Apontada à Cabeça

AFRONTAMENTO
Fernando Guimarães – Lugar da Palavra (Poesia Reunida, 1956-2019)
Maria Albertina Mitelo – Lugar das Rosas
Margara Russotto - As Quatro Estações da Poesia - Seleção poética 1986-2016 (trad. Susana Antunes)


ASSÍRIO & ALVIM
José Agostinho Baptista – Epílogo (Poesia Reunida)
David Mourão-Ferreira – Obra Poética
Daniel Faria – O Livro do Joaquim
Ana Luísa Amaral – Ágora
Mário Rui de Oliveira – O Livro da Consolação
Gançalo Fernandes – Giz Preto
Kobayashi Issa – Os Animais (haikus)
Fernando Pessoa - Antinous e outros poemas em inglês
Peter Handke – Poema à Duração (reed.)
Juan Vicente Piqueras – Instruções para atravessar o deserto (trad. de João Duarte Rodrigues e Manuel Alberto Valente)
Sophia de Mello Breyner Andersen - Musa - O Búzio de Cós e Outros Poemas
__ - Livro Sexto

AVERNO
Emanuel Jorge Botelho - Dizeres de atalaia, 2
Emanuel Jorge Botelho - Dizeres de Atalaia 1
Antonia Pozzi - Morte de uma Estação (sel. trad. de Inês Dias, reed. revista e aumentada)
Jorge Roque - Senhor Porco / Sua Excelência
Abel Neves - Escuro Celeste dos Olhos
Luca Argel - Fui ao Inferno e Lembrei-me de Ti
António Barahona - A Fina Flora do Crepúsculo
Nunes da Rocha - As Moscas de Sileno - Zig et Zig et Zag

BESTIÁRIO
Rui Baião - Balabela

COMPANHIA DAS ILHAS
Paulo da Costa Domingos – Carmes [Reunião da Obra Poética]
Ramiro S. Osório - “aos que chegaram depois” / a vida e o seu duplo
Pedro Silveira – Fui ao mar buscar laranjas [obra reunida]
Urbano Bettencourt - Com navalhas e navios
Catarina Costa - Essas alegrias violentas
Helder Moura Pereira - O pássaro canta o seu canto simples
José Ricardo Nunes – Clássico
Madalena de Castro Campos - A Gun in the Garland
José Manuel Teixeira da Silva (org.) - A garganta inflamada (antologia)

COTOVIA
Vergilio – Geórgicas (trad. Gabriel A. F. Silva)
Vergilio – Bucólicas (trad. Gabriel A. F. Silva)

DEBOUT SUR L'OEUf
Jorge Aguiar Oliveira – Parasitas mortais
José Carlos Soares – Sottovoce
Dímiter Ánguelov – Zeitnot


DO LADO ESQUERDO
Mafalda Sofia Gomes – Espigueiro
Hugo Carvalheira Neves – Certa Parentela
Karmelo C. Iribarren – Estas coisas acontecem sempre de repente (trad. de Francisco José Craveiro de Carvalho)
Maria Sousa – Não abras a porta a estranhos
André Tecedeiro – A Arte da fuga
Adolfo Luxúria Canibal – No fim era o frio e outros textos de amor e solidão

DOUDA CORRERIA
Candeias Nunes - Não sou daqui: eu vim num dorso de vaga
Rui Nuno Vaz Tomé – Só a castidade é natural
Miguel Castro Caldas – Enseada
Tó Carlos – Benfica
Nuno Moura – Terceira
Maria Daniela – O saque a desordem os planetas
Nick Virgilio - A sombra de uma borboleta
Júlia Barata – 2 histórias de amor
João Paulo Esteves da Silva – O coração do Adão
Leonardo Fróes – Assim
Marília Floôr Kosby – Mugido
Raphael Sassaki – A destruição do mundo
Gabre Valle – Cinoverbo
António Ferra – Bluff
Ana Martins Marques/ Antologia - Linha de Rebentação
Marta Caldas – Assembleia
Lígia Soares – Civilização
Almas Delirantes – do Telhal a Rilhafoles
Mário Gomes – Conjunto de 3
Nuno Moura – Braçada
Gonçalo Perestrelo – Crepitam as palmeiras
João Silveira – Motores gerais
Saguenail (escreveu) e João Alves (ilustrou) – A morte lenta

EDIÇÃO DO AUTOR
Marcos Foz – Arca e Usura

EDIÇÕES DO SAGUÃO
Alberto Pimenta – Zombo
Hans Magnus Enzensberger – 66 Poemas (escolha e trad. de Alberto Pimenta)

IMPRENSA NACIONAL/ CASA DA MOEDA
José Luiz Tavares – Instruções para uso posterior ao naufrágio
Francisco José Viegas – Deixar um verso a meio
Guido Cavalcanti – Rimas (trad. de A. Ferreira da Silva)
Michelangelo Buonarroti – Rimas (trad. de João Ferrão)

GLACIAR
Yvete K. Centeno – Entre silêncios [1961-2018]
Mário Cláudio – Doze mapas [1969-2019]
Albano Martins - Os Dados de Eros
AA VV - Manu Scripta. Antologia de poemas manuscritos
Alberto Pereira – Viagem à demência dos pássaros
Raquel Chalfi – Caravela Portuguesa (trad. de Lúcia Liba Mucznik)

GUERRA E PAZ
AA VV - Antologia de poesia romena contemporânea
Victor Correia (org.) - Poemas eróticos dos cancioneiros mediavais galago-portugueses
Thimothy Hagelstein - Águas silenciosas

LICORNE
Frei Agostinho da Cruz – Antologia poética (org. e pref. de Ruy Ventura)
Miguel Esteves Pinto – Supipostolare Encyclopaedia

LÍNGUA MORTA
Claudio Rodríguez – Sem epitáfio (trad. de Miguel Filipe Mochila)
João Almeida – Canto Skin (reunião da obra poética)
Amândio Reis – Spinalonga
Catarina Nunes de Almeida – Livro redondo
Ricardo Norte – Sara
Luís Filipe Parrado – Entre a carne e o osso
Ivone Mendes da Silva – A mulher do meio
Jorge de Sena – Estão podres as palavras (uma antologia organizada por Teresa Carvalho e José Manuel de Vasconcelos)
Nicanor Parra – Acho que vou morrer de poesia (antologia, org. e trad. de Miguel Filipe Mochila
António Gregório – Documentário


(NÃO EDIÇÕES)
 Anne Carson - A beleza do marido (trad. de Tatiana Faia)
José António Almeida - A angústia da azeitona antes de se transformar em luz
Ricardo Marques – Lucidez
José Pedro Moreira - Porque canta um pequeno coração

MALDOROR
Rui Caeiro - O Sangue a Ranger nas Curvas Apertadas do Coração. Obra reunida
António Cabrita (org. e trad.) - As Causas Perdidas: antologia de poesia hispano-americana
Rubaiyat - Odes à Embriaguez Divina (versões e prefácio de Zetho Cunha Gonçalves)

MEDULA
Henrique Manuel Bento Fialho – Estalagem

NOVA MYMOSA
António Cabrita - A Gazeta de Madagáscar e Mais Doze Despedidas

PORTO EDITORA
Isabel de Sá – O real arrasa tudo
Andreia C. Faria – Alegria para o fim do mundo [poesia reunida]
Adolfo Luxúria Canibal – No rasto dos duendes eléctricos [poesia reunida]
João Habitualmente – Um dia tudo isto será meu [Antologia]
Fernando Lemos – Poesia
Emanuel Madalena – Sob a forma do silêncio
Luís Costa – Amar o tempo das grandes maldições

PUBLICAÇÕES DOM QUIXOTE
Fernando Pinto do Amaral – O Terceiro Vértice
Maria Teresa Horta – Eu sou a minha poesia
António Carlos Cortez – Jaguar
Nuno Júdice – O coro da desordem
Manuel Alegre – Os sonetos
Amanda Lovelace – Aqui a princesa salva-se sozinha
Pablo Neruda – Poemas de Amor (trad. de Nuno Júdice)
Lídia Jorge - O livro das tréguas

RELÓGIO D’ ÁGUA
João Miguel Fernandes Jorge - À beira do mar de Junho
João Miguel Fernandes Jorge – Antologia dos poemas [org. Joaquim Manuel Magalhães]
Leonard Cohen – Poemas e canções (2 vol., trad. de Inês Dias)
William Shakespeare – Os Sonetos (trad. de António Simões e M. Gomes da Torre)

TINTA DA CHINA
Fernando Assis Pacheco – A musa irregular (edição aumentada)
A M Pires Cabral – Frentes de fogo
Eucanaá Ferraz – Retratos com erro
Marília Garcia – Câmera lenta

VOLTA D’ MAR
Jaime Rocha – Mulher e um cão que dança
Rui Almeida – Higiene


ENSAIO, FICÇÃO, POESIA & OUTROS – UMA SELECÇÃO
Francisco Duarte Mangas – Pavese no Café Ceuta (Teodolito)
Joana Matos Frias - O Murmúrio das Imagens (2 vol., Afrontamento)
Federico Bertolazzi – Armadilha. Ensaios sobre Sophia de Mello Breyner Andersen (Documenta)
Gonçalo M. Tavares - Breves Notas sobre o Medo (Relógio d’ Água)
Gonçalo M. Tavares - Bucareste-Budapeste: Budapeste-Bucareste (Relógio d’ Água)
Manuel de Lima – Obra Reunida (Ponto de Fuga)
Harry Crews - O Cantor de Gospel (Maldoror; trad. de José Miguel Silva)
Hannah Arendt – Pensar sem Corrimão (Relógio d’ Água)
Eduardo Galeano - Futebol ao Sol e à Sombra (Antígona)
Nick Bostrom - Superinteligência — Caminhos, Perigos, Estratégias (Relógio d’ Água)
Carlos Amaral Dias e Maria Moreira dos Santos – Vida e psicodrama (Clemepsi)
Rui Tavares (direcção de)/ AA VV – Portugal, uma perspectiva (Público / tinta da china, 25 vol.)
Fréderic Gros – Desobedecer (Antígona)
José Gil – Trajectos filosóficos (Relógio d’ Água)
Eduardo Prado Coelho - Crónicas - Política e Cultura (IN-CM, org. Margarida Lages)
Walter Benjamin – As Passagens de Paris (Assírio & Alvim)
João Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas (Companhia das Letras)
Rui Manuel Amaral – Cadernos de Bernfried Jarvi (Snob)
Mário Rui de Oliveira - O Livro da Consolação (Assírio & Alvim)
José Agostinho Baptista – Epílogo (Poesia Reunida) (Assírio & Alvim)
David Mourão-Ferreira – Obra Poética (Assírio & Alvim)
João Miguel Fernandes Jorge – Antologia dos poemas [org. Joaquim Manuel Magalhães] (Relógio d’ Água)
Paulo da Costa Domingos – Carmes [Reunião da Obra Poética] (Companhia das Ilhas)
Levi Condinho - Pequeno Roteiro Cego (Abysmo)
Yvete K. Centeno – Entre silêncios [1961-2018] (Glaciar)
Isabel de Sá – O real arrasa tudo






sábado, novembro 30, 2019

João Miguel Fernandes Jorge

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Ia pela ponte de Waterloo
passou um milénio sobre o teatro
tudo era luz.
Parámos na fábrica dos azulejos os fumos
cobrem as ruas vêm dos esgotos movem-se
«e também há alguns autênticos
verdadeiros americanos, são russos.»

Uma rapariga tem sempre a sua música
leva o dinheiro apertado num saco bordado
o retrato da amada na outra mão.
Podia muito bem ter pintado o rei nesse outono
não havia heróis nem escudos
os temas estavam tão batidos aproveita-se o
contrabaixo um negro igual a todos vai
pelas ruas sem nenhum proveito
já nem sequer ouvia a voz dos dedos.

Acabei de ler algumas frases
do meu caderno. O Auden do trompete
assobiava. Tinha um sweater de lã
muita tosse. Um olhar de alegria seguia de
novo o novo tema.

quinta-feira, outubro 31, 2019

PARLAMENTO DE SAIOTE

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Resultante das eleições legislativas do passado dia 6 de Outubro, entraram para o novo parlamento mais 3 partidos, cada um com um representante: o Chega de André Ventura, de extrema-direita, defendendo posições que nem o Estado Novo adoptou, como a prisão perpétua, entrou em parte porque Ventura foi “apoiado” pelo Correio da Manhã e pela CMTV (todo um mundo alternativo recheado de populismo fascista); o Iniciativa Liberal, representado por Cotrim Figueiredo, cujo nome, apesar de ter ideias novas, diz dos seus propósitos; e o Livre, partido liderado pelo historiador e comentador político Rui Tavares (que já foi eurodeputado pelo BE), que conseguiu colocar no parlamento a cabeça de lista por Lisboa, Joacine Katar-Moreira.

No que respeita aos resultados destas eleições para uma nova legislatura, a vitória do PS, sem maioria absoluta, em nada surpreendeu. A governação do PS com o apoio de CDU e BE, reflectiu um inflexão no discurso de empobrecimento que o governo de Passos Coelho imprimiu ao país com a ajuda e o argumento da Troika. A grande derrota da direita, com o quase desaparecimento do CDS-PP (partido rebaixado a 5 deputados) e mau resultado do PSD (que só não foi pior porque Rio Rio fez uma deriva para o centro-esquerda, tentando aproximar o partido do PS) deve-se à natural resposta governativa de António Costa, de que afinal existia uma alternativa e os portugueses não estavam condenados ao discurso enunciado por Passos e o seu governo. Costa, agora homem-do-leme pôs dinheiro a circular na economia (a ponto de dados divulgados hoje referirem que os portugueses nunca pouparam tão pouco como desde 1961). No entanto, e para lá das catástrofes climáticas que originaram a maior mortandade em incêndios em Portugal, cerca de 100 pessoas em 2017, Centeno, como ministro das finanças, e depois presidente do Euro-grupo, foi o outro lado da moeda de uma austeridade encapotada que recaiu sobre os serviços públicos, e que ameaça fazer colapsar o Estado providência tão apregoado pela esquerda maioritária neste parlamento. Assim, sem geringonça, e ainda o PSD dependente de eleições internas, não se adivinha fácil a legislatura de António Costa.

A verdade, apesar de enfatizada pelos média, é que também Portugal foi atingido pela mudança no cenário partidário, que atingiu já há muito países europeus como a Espanha, a Itália, a França, etc. Pela primeira vez depois do 25 de Abril, o parlamento português tem 10 partidos (contando com o deputado do PEV, que foi eleito nas listas da CDU). Estas mudanças, que têm tornado a Espanha ingovernável, e fazer crescer a ameaça populista da extrema-direita, são manifestações de descontentamento dos eleitores para com os seus representantes que continuam encapsulados nos seus interesses, nos interesses de grandes organizações financeiras, e nos interesses dos seus partidos, e não – como devia ser – nos interesses das pessoas. Isto explica a elevada abstenção, e o voto em novos partidos, como o PAN que conseguiu um pequeno grupo parlamentar, ou mesmo, à espera de um melhor resultado em próximas eleições, os partidos que conseguiram colocar um deputado no parlamento.

Entre os 3 partidos que estão na situação referida, Chega, Iniciativa Liberal e Livre, o primeiro representa, como o Voxx em Espanha, e muitos partidos semelhantes, de que um dos casos mais graves é o AfD alemão, uma ameaça para a democracia. Quanto ao IL, representa apenas uma ameaça para o CDS e para o PSD. Vou focar-me, ainda que brevemente, no caso do Livre. Se há quatro anos Rui Tavares conseguiu juntar ao seu partido figuras vindas do BE como Ana Drago e Daniel Oliveira, tendo nas fileiras do partido uma figura importante da democracia e da historiografia portuguesas, como é o caso do falecido José Tengarrinha, de nada lhe valeram essas figuras que pareciam estruturar um novo partido na esquerda portuguesa entre o PS e o Bloco. As eleições internas para estas legislativas mudaram o rumo do partido. Com Joacine Katar-Moreira assiste-se a uma forma de fazer política baseada na provocação, que atira o partido para uma radicalidade que não era a sua original. Anda esta provocação de Katar-Moreira, entre uma discernível base teórica que repousa entre Foucault e Lacan, mas acaba por seguir a moda da estação: Judith Butler numa versão misturada com a teoria pós-colonialista. São conhecidas as formas de provocação de Katar-Moreira: a gaguez com a qual ela afirma se dar bem causa consternação nos ouvintes e um discurso pobre, em que se adivinha a palavra que vem a seguir. Lacan chamaria a isto gozo (juissance). A outra provocação foi feita pelo assessor de Joacine, que na abertura desta legislação acompanhou a deputada do Livre vestido com uma saia. Uma minoria tem, em democracia, direitos, mas esses direitos não se podem impor ao respeito pelas maiorias. Quando isso aconteceu, nos países em que isso aconteceu, estivemos perante a barbárie. Em Portugal 2019, país de brandos costumes, estamos apenas perante um equívoco entre a Moda Lisboa e a Assembleia da República.

segunda-feira, setembro 30, 2019

BREVIÁRIO SOBRE OS PARTIDOS CONCORRENTES ÀS LEGISLATIVAS

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Até que ponto estas eleições legislativas do próximo dia 6 de Outubro são decisivas? O que vai mudar na vida dos portugueses? A resposta, tendo em conta que o vencedor antecipado é o PS, será muito pouco. António Costa ao criar a geringonça abriu um espaço de entendimentos parlamentares único na democracia portuguesa. Daí que com excepção do CDS, e de um eventual novo líder do PSD, mesmo sem maioria absoluta o PS tenha toda a margem de manobra para criar uma solução governativa. Ou seja, para criar uma nova geringonça.
Mas calma. Ainda vamos na campanha. E na campanha eleitoral, naturalmente mediática, não há 21 partidos a concorrer mas apenas os 6 com representação parlamentar. É claro que há problemas de logística para acompanhar em igualdade os 21 partidos, mas já agora que critérios editoriais fazem com que apenas os 6 partidos que têm representação parlamentar sejam acompanhados pelos meios de comunicação social? E que o PAN, com apenas um deputado, tenha o mesmo tratamento que o BE ou o CDS, partidos com grupos parlamentares. Sem dúvida que o PAN vai aos ombros dos jornalistas.
Dito isto, que é uma evidência difícil, vejamos os partidos e se existem razões para votar em algum deles.
PS – António Costa mostrar-se como a noiva com quem todos querem casar (mesmo Rui Rio). Durante estes 4 anos distribuiu dinheiro, mudando bastante o país. Mas não foi suficiente: os serviços públicos continuaram sem dinheiro. De uma forma grave. Centeno apostou numa austeridade encapotada, e em devolver ao FMI o dinheiro emprestado. Deste governo só se pode dizer que foi bom porque veio depois do pior governo depois do 25 de Abril.
PSD – Depois desse terrorista que foi Passos Coelho, os portugueses perceberam que tipo de partido é o PSD. Não totalmente. Rio tentou virar à esquerda, não é suficiente. É o seu lugar como líder do partido que se joga nestas eleições.
Bloco de Esquerda – O apoio ao PS, à geringonça, fê-lo engolir muitos sapos e deixar de lado a luta por causas justas. Ainda tem uma visão demasiado estatizante da sociedade.
PCP (CDU) – Creio que nem Soares nem Cunhal concordariam com a solução da geringonça. É um partido estalinista, com quase um século, anquilosado, que ainda apoia regimes como o da Coreia do Norte.
CDS-PP – Dos seis partidos parlamentares é o único que não quer casar com António Costa. Tem uma ideia filosófica de liberdade. Mas a justiça social, onde fica? Para as grandes empresas.
PAN – Da libertação animal de Peter Singer (bio-eticista a favor do aborto, do infanticídio, do “homicídio” de pessoas com doenças neurológicas que lhes façam perder a “consciência”) a um partido que se diz agora ecologista. Se os animais votassem ... 
Livre – Tem um programa utópico e a primeira candidata gaga a querer entrar no Parlamento.
Aliança – Ou seja, Pedro Santana Lopes.
PDR – Já podia ter entrado no Parlamento, mas Marinho Pinto prefere os programas da manhã da TVI.
PTP – Tem algumas boas ideias. Mas como se pode subir o salário mínimo para 1000 euros?
PNR – Puro fascismo.
Iniciativa Liberal – Já chegou o neoliberalismo de PSD/CDS.
Nós, Cidadãos – Ainda não se explicou.
MAS – Esquerda quase caceteira.
RIR – Ou seja, Tino de Rãs, um mau Da Vinci dos mass-média.
Chega – Um perigo para a democracia. Puro e do pior populismo, a reboque do Correio da Manhã.
JPP – Um partido da Madeira.
MPT – Tem um bom tempo de antena. No resto, está invisível.
PURP -  A idade não é um posto.
PCTP/MRPP -  A nova líder do partido vai fazer uma revolução. Mas em casa dela.
PPM – Um partido sem rei.


sábado, agosto 31, 2019

Mário Henrique Leiria

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GIN SEM TÓNICA

Uma garrafa de gin
estava a preocupar
o pescador
a garoupa e o rodovalho
não tinham aparecido
pró jantar
que fazer?
telefonou ao ministro
da Pesca e do Trabalho
mas o ministro
estava a trabalhar
na cama
com a mulher
foi então
que a garrafa de gin
sugeriu discretamente
porque não
telefonar ao presidente?
telefonaram
o presidente da nação
estava em acção
na cama
com a mulher
nessa altura
até que enfim
encontraram a solução
o pescador
foi para a cama
com a garrafa de gin

De Contos do Gin-tonic, Estampa, 2ª ed., 1976.

quarta-feira, julho 31, 2019

Lídia Jorge

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CAI A CHUVA NO PORTAL

Cai a chuva no portal, está caindo 
Entre nós e o mundo, essa cortina 
Não a corras, não a rasgues, está caindo 
Fina chuva no portal da nossa vida. 
Gotas caem separando-nos do mundo 
Para vivermos em paz a nossa vida. 
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Cai a chuva no portal, está caindo 
Entre nós e o mundo, essa toalha 
Ela nos cobre, não a rasgues, está caindo 
Chuva fina no portal da nossa casa. 
Por um dia todos longe e nós dormindo 


Lídia Jorge é desde O Dia dos Prodígios (1980) autora de mais de uma dezena de romances, e alguns livros de contos, volumes, onde tem ficcionado a realidade histórica portuguesa do pós 25 de Abril. A autora, nascida em Boliqueime em 1946, estreou-se na poesia, recentemente, com Livro das Tréguas (D. Quixote).

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domingo, junho 30, 2019

REUTILIZAÇÃO DA ESTUPIDEZ


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A ideia do PS, plasmada no OE para 2019, de reutilização dos manuais escolares é uma ideia estúpida e sintomática de uma concepção de escola como um processo burocrático, ou um depósito de crianças e adolescentes. Diferente da ideia do PS era o projecto apresentado pelo PCP, que previa a dádiva pelo Estado aos alunos dos manuais sem que estes tivessem de ser entregues no final do ano lectivo. Mas isso seria um desperdício que Mário Centeno não poderia permitir.  
Sobre os manuais escolares, deve dizer-se que foram sempre uma forma de aproveitamento económico por parte das editoras que os publicam – como é o caso da Porto Editora, que sendo a maior editora, durante anos, a editar manuais escolares, se tornou, agora, no maior grupo editorial e livreiro do país. Esse aproveitamento consiste no uso de papéis caros, no uso abundante da cor, o que encarece o manual, e faz com que os livros escolares pesem mais que os outros livros, tendo as crianças e adolescentes que transportar um peso significativo nas mochilas. Ou seja, os manuais escolares apresentam-se como livros de arte, ou enciclopédias ilustradas. Daqui resulta que as primeiras experiências, na generalidade, com o livro, por parte das crianças, não são boas. Não só pela questão do peso, mas sobretudo porque os livros apresentam um saber, incipiente, muitas vezes marcado ideologicamente, que vai ser objecto de um exame, sob cuja performance é atribuída uma nota ao aluno. É assim que toda a possibilidade de pulsão epistemofílica, de interesse pelo saber, é castrada pela escola.
Ora, o deficiente saber, o saber deturpado, mas ainda uma narrativa de um saber, uma possibilidade do reaparecimento da pulsão epistemofílica – mesmo por outros membros da família – fica amputado quando os manuais escolares são devolvidos para reutilização. Porque em muitas casas portuguesas os únicos livros que existem são, por obrigação, os manuais escolares. Se tivermos em conta os dados recentemente divulgados, que dizem que os filhos das famílias mais pobres vão para os cursos com menos prestígio (os dos politécnicos), temos a evidência prática da política dos manuais reutilizáveis.


sexta-feira, maio 31, 2019

ABSTENÇÃO

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O semanário Expresso da passada sexta-feira, 24, trazia como manchete uma sondagem que indicava que 69 por cento dos portugueses não eram capazes de nomear nenhum candidato às eleições Europeias do passado Domingo. Ora, foi sensivelmente este o número da abstenção destas eleições, um número que se tomarmos por correcto constitui o recorde da abstenção em eleições desde o 25 de Abril (Luís Aguiar-Conraria, no Público de dia 29, serve-se de um outro argumento, os portugueses que residem no estrangeiro, e cuja taxa de abstenção “perfeitamente normal” foi de 99 por cento, para fazer umas estranhas contas que colocariam a abstenção na ordem dos 60 por cento).
Da citada manchete do Expresso infere-se um provável nexo de causalidade: os portugueses que não sabiam quem eram os candidatos não foram votar. É justo. Porque, embora o voto seja universal para todos os cidadãos maiores de 18 anos, não faz sentido que alguém que não tem nenhuma noção dos programas dos partidos, ou sequer não sabe o que é o Parlamento Europeu, ou que as eleições Europeias foram para o Parlamento Europeu, vá exercer o seu “direito”/”dever de voto”. E aqui estamos perante um assunto que é urgente ser discutido: literacia política. Levantar a questão de uma literacia política é levantar a questão de como as instituições se apresentam no espaço público (e aqui, a UE tem defendido a sua opacidade e complexidade burocratizante, enquanto os parlamentos nacionais se tornam mais transparentes com os seus canais televisivos – veja-se a título de exemplo a audição a Joe Berardo); é, também, questionar como os partidos fazem campanha e se apresentam aos seus potenciais eleitores; ou ainda – e este item reveste-se de particular importância – como os meios de comunicação social abordam nos seus espaços informativos as questões políticas e institucionais; e, não menos importante, como a escola explica o funcionamento das instituições.
Após o 25 de Abril, e depois com a estabilização democrática, a democracia representativa tornou-se universal. Na primeira República apenas os homens alfabetizados e os chefes de família podiam votar (curiosamente uma mulher, Carolina Beatriz Ângelo, médica e viúva, invocando a sua condição de chefe de família, conseguiu votar, tornando-se num caso absolutamente excepcional até às eleições de 25 de Abril de 1975 para a Assembleia Constituinte, onde as mulheres puderam votar pela primeira vez). Hoje, nas democracias representativas ocidentais a taxa de abstenção ronda os 50 por cento – foi também esta a taxa de abstenção média destas eleições tendo em conta o conjunto dos (ainda) 28 estados membros da UE.
Mas, em Portugal, a abstenção para as eleições Europeias, desde a década de 90 do século passado, apresenta números superiores aos 60 por cento, sendo as eleições com maior taxa de abstenção. Porque razão isto ocorre? Uma das possíveis explicações, alinhadas com outros países chamados eurocépticos, como é o caso da Grã-Bretanha que tenta sair da União Europeia, é a que os não votantes nas eleições Europeias em Portugal o fazem pelas mesmas razões que os ingleses quiseram, em referendo, o Brexit. Não me parece que seja essa a razão. A razão para o não voto dos portugueses, em particular nestas últimas Europeias, creio que se prende com a opacidade institucional da UE. Esta falta de transparência da UE só pode ser mudada por dentro, e o bom resultado que os partidos de tendência ecologista obtiveram, embora ainda insuficiente, pode servir para diminuir o peso que os partidos do centro, burocratizantes, têm no Parlamento Europeu. Mas há razões específicas para a existência desta maioria silenciosa: 1, a desconfiança em relação à UE terá aumentado depois da intervenção da troika em Portugal, que era constituída pelo BCE e pela Comissão Europeia; 2, um divórcio em relação à política portuguesa que foi caracterizada nos últimos tempos por uma austeridade encapotada, com cortes promovidos pelo ministro das finanças, Mário Centeno, que é ao mesmo tempo o presidente do Eurogrupo. Esse divórcio acentuou-se com o descaramento da banca e dos grandes devedores de que a audição a Joe Berardo no Parlamento foi paradigmática: como se pode compreender que o Estado tenha emprestado milhares de milhões de euros (cerca de 20 milhares de milhão) á banca para esta emprestar a estes multimilionários sem nenhumas garantias, em operações obscuras. E como se pode perceber que a mesma banca seja tão implacável para com aqueles que em dificuldades, vítimas da crise, desempregados, perderam a casa sob a qual tinham contraído empréstimo bancário? Daqui resulta, como estamos a assistir, um braço de ferro entre a banca (cujo Banco de Portugal supremamente representa) e o parlamento. Porque os políticos portugueses sabem que esta situação se tornou intolerável, e terá repercussões nas legislativas de Outubro próximo. Se, como escrevia o poeta e jornalista Eduardo Guerra Carneiro, “isto anda tudo ligado”, não podemos descartar a influência da audição parlamentar a Joe Berardo nos resultados das eleições Europeias.


terça-feira, abril 30, 2019

D. Dinis

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__ Ai flores, ai flores do verde pino, 
se sabedes novas do meu amigo! 
    Ai Deus, e u é? 

__ Ai flores, ai flores do verde ramo, 
se sabedes novas do meu amado! 
    Ai Deus, e u é? 

Se sabedes novas do meu amigo, 
aquel que mentiu do que pôs comigo! 
    Ai Deus, e u é? 

Se sabedes novas do meu amado, 
aquel que mentiu do qui mi á jurado! 
    Ai Deus, e u é? 

__ Vós me perguntardes polo voss'amigo, 
e eu bem vos digo que é san'vivo. 
    Ai Deus, e u é? 

Vós me perguntardes polo voss'amado, 
e eu bem vos digo que é viv'e sano. 
    Ai Deus, e u é? 

E eu bem vos digo que é san'vivo 
e seera vosc'ant'o prazo saído. 
    Ai Deus, e u é? 

E eu bem vos digo que é viv' e sano 
e seera vosc'ant'o prazo passado 
    Ai Deus, e u é? 

domingo, março 31, 2019

Joan Zorro

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Em Lixboa, sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar,
                ai mia senhor velida!

Em Lixboa, sobre lo ler,
barcas novas mandei fazer,
                ai mia senhor velida!

Barcas novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar,
                ai mia senhor velida!

Barcas novas mandei fazer
e no mar as mandei meter,
                ai mia senhor velida!

(in Poemas Portugueses - Antologia da poesia portuguesa do séc. XIII ao séc. XXI, Porto Editora, p. 107)
Joan Zorro foi um jogral português que terá feito parte da corte de D. Dinis. São-lhe conhecidas 11 composições. Em 1967 Fiama Hasse Pais Brandão publica o livro Barcas Novas (ed. Ulisseia) que inclui o poema com o título homónimo, referindo-se à Guerra Colonial. Mas a marca intertextual de Joan Zorro na poesia de Fiama, não se ficaria por ai, publicando em 1974 "O Texto de João Zorro" 

quinta-feira, fevereiro 28, 2019

Francisco Sá de Miranda

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O sol é grande, caem co’a calma as aves,
do tempo em tal sazão, que sói ser fria;
esta água que d’alto cai acordar-m’-ia
do sono não, mas de cuidados graves.

Ó cousas, todas vãs, todas mudaves,
qual é tal coração qu’em vós confia?
Passam os tempos vai dia trás dia,
incertos muito mais que ao vento as naves.

Eu vira já aqui sombras, vira flores,
vi tantas águas, vi tanta verdura,
as aves todas cantavam d’amores.

Tudo é seco e mudo; e, de mestura,
Também mudando-m’eu fiz doutras cores:
E tudo o mais renova, isto é sem cura!

Francisco Sá de Miranda viveu entre 1481 ou 1485 e 1558. Poeta maior da história da literatura portuguesa, perto de Camões, Bernadim Ribeiro, Gil Vicente. O soneto aqui apresentado é um dos mais famosos do autor e aquele com quem alguns poetas do século XX estableceram relações de intertextualidade, como é caso de Gastão Cruz.

quinta-feira, janeiro 31, 2019

CENSURA E PEDAGOGIA


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1, Estava uma turma de Português do 12º ano, a ouvir uma medíocre versão dita por alguém no you tube do poema "Ode Triunfal" de Álvaro de Campos-Fernando Pessoa, quando alguém repara que ao texto impresso no manual da Porto Editora faltam três versos. Fantásticos estes alunos que mereciam um 20 por tal descoberta: a de que o manual da Porto Editora, de autoria de Noémia Jorge, Cecília Aguiar e Miguel Magalhães censurava três versos de um dos poemas mais importantes do modernismo português. Falavam esses versos de putas e de pedofilia: “automóveis apinhados de pândegos e de putas” (verso 153) e “E cujas filhas aos oito anos – e eu acho isto belo e amo-o! – Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada.” O verso 153 não se percebe muito bem o porquê da censura – será que tem que ver com esta predominância de movimentos feministas? Quanto aos outros dois versos, percebe-se que hoje sejam mais censuráveis que há cerca de 100 anos quando foram publicados em Orpheu. Se Pessoa fosse vivo, e por algum azar um jornalista ou delegado do MP lhe caísse em cima (passe a metáfora), qual não seria a reacção da turbamalta? Ainda bem que a poesia é coisa de duas centenas de pessoas, como já o era no tempo de Pessoa-Campos. Mas, mesmo assim, poder-se-á dar razão aos autores do manual em ter censurado estes 2 versos, não vá qualquer furor adolescente lê-los em sagrada família, com um membro a exigir digitalmente a pena de morte para o poeta, enquanto o outro defende a tortura do membro viril cortado em fatias (um aparte para dizer que nada disto é da minha imaginação, antes reproduzo dois comentários ouvidos num café depois da passagem de uma reportagem da TVI sobre pedofilia).

2, Este caricato episódio, poderia servir para a discussão do programa de literatura portuguesa nas escolas. Ainda há alguns meses, se discutia sobre a importância d’ Os Maias nos currículos e da necessidade da sua leitura integral. Assim como Os Maias, o programa de português inclui uma série de obras que sendo clássicos da literatura portuguesa, nada dizem aos estudantes do básico e secundário. A maior parte dos alunos limita-se a estudar os apontamentos das aulas ou a ler os resumos que – ainda creio existirem – da Europa-América, ou então a enveredar por um caminho mais perigoso: o da wikipédia. Quanto aos alunos que vivem na ilusão de  trabalhar para ter médias que lhes permitam o acesso a um curso que lhes vai garantir o futuro – como se isso existisse hoje –, talvez por obrigação tentem ler as obras do programa. Mas sejamos claros: nada disto serve a literatura. A Escola não tem uma poção mágica que faça os alunos ter prazer por ler. Pelo contrário, a escola é a primeira instituição repressora do sujeito. E nessa repressão está o gosto pela leitura – não só pela literatura, mas por toda a espécie de texto, da filosofia à divulgação de biologia ou física. Quando existe algum gosto pela leitura do texto literário em adolescentes, ele não se compadece com um cânone que vai do Cancioneiro, passando por Gil Vicente, Camões, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo, e a obrigatoriedade de ler Eça (Os Maias substituídos por A Ilustre Casa de Ramirez) e Saramago (Memorial do Convento substituído por O Ano da Morte de Ricardo Reis). Todo este cânone é em si discutível, feito de textos mortos, no sentido que apresentam uma mentalidade que nada tem a ver com os nossos dias, ignorando os autores contemporâneos, e mesmo em alguns casos depreciando autores como Camilo Castelo Branco em favor de Eça de Queirós, algo a que não é indiferente o pobre centralismo lexical lisboeta. Mas ainda sobre este programa, deve-se dizer que ele é tão só História da Literatura, que ignora os grandes escritores e poetas que o século XX – e alguns já de inícios deste século – nos deu e dá. Se querem que adolescentes se interessem pela literatura, porque não começar por apresentar textos de Adília Lopes, Alberto Pimenta, ou mesmo Rui Manuel Amaral ou A. Dasilva O. de quem o “clássico” Peidinhos circulava há anos em fotocópias entre alunos? E aqui voltamos à censura, à hierárquica posição pedagógica, que mesmo entre os clássicos censura Bocage. Esta escola é demasiado estúpida, anquilosada, feita na generalidade de professores medíocres, ensinando que a alegria é um engano do corpo (o que até condiz com certa poesia que se faz, essa que tal como a escola, fecha as janelas a obras demasiado solares como as de Sophia ou Eugénio de Andrade). Resumindo a questão: ao impor um cânone que nada diz aos alunos do básico e secundário, a escola opta por liquidar qualquer interesse que os alunos pudessem ter pelo texto literário (com algumas e minoritárias excepções); em contrapartida, pode (a escola) imaginar que obriga os alunos a ter conhecimento de um cânone literário. Ou seja, opta-se por liquidar potenciais leitores, por liquidar o prazer da leitura (não estivesse ele já a ser liquidado por uma sociedade digital e iconográfica), em nome de uma memória do passado soterrada depois do último exame. Ou, como escreveu Joaquim Manuel Magalhães, “Que sentido houve para o que aprendeste? / Peidos com cheiro a rosa, foi o que foi.” (Os Dias, Pequenos Charcos; Presença, 1981).