terça-feira, outubro 16, 2007

PEDRO TAMEN


AMENDOEIRA


Entra no algodão terroso.

Depois

sobe devagarinho, mal se vê,

em muda aspiração ao algodão azul.


Persiste sem saber

que nunca atingirá

o mar da macieza.

Insiste pelos meses,

cega pelos ventos, pelo ouro

que purifica o céu.


Então,

sem desistir,

um dia,

não se resigna e explode

branca de alegria.


Pedro Tamen, Analogia e Dedos, Oceanos, 2006, p.31

sexta-feira, outubro 12, 2007

PAZ E LITERATURA




Doris Lessing, escritora inglesa de 88 anos e 75 livros publicados ganhou o prémio nobel da literatura. Pelo menos, no que respeita ao nobel da literatura podiam criar um totonobel.


Al Gore, ex vice-presidente dos Estados Unidos, que perdeu - para mal do mundo -, as eleições de 2000 ou 2001 para a presidêcia dos EUA a favor de Bush, e autor do filme Uma Verdade Incoveniente, ganhou o prémio nobel da paz juntamente com um tal Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da ONU. Por cá "Os Verdes" não gostaram.


terça-feira, setembro 25, 2007

RODEADOS DE LIXO

Cada vez mais estamos rodeados de lixo. O lixo radiofónico das playlists, o lixo televisivo, o lixo dos jornais, a comida lixo, o lixo em que se torna a vida quotidiana... O lixo é o que não é essencial. Mesmo a linguagem torna-se em lixo, e o silêncio em luxo.

quinta-feira, setembro 13, 2007

Big Brother, 4


"O Google, com todo o seu dinamismo, deu um passo arrojado, como o Street View, que tem gerado grande polémica nos Estados Unidos, o único país onde está disponível. Ao contrário do Earth, que funciona com imagens de satélite, aqui as imagens são reconhidas sem, qualquer aviso, através de uma rede de câmaras. Assim, é possível o reconhecimento das pessoas. É uma escalada perigosa: a vigilância não está ao alcance de uma instituição supostamente idónea e responsavel (...). As imagens são recolhidas por Volkswagens Beattle, com uma câmara no topo. (...). Tal como a imprensa, o Google pode recolher imagens em lugares públicos. Já em termos éticos é reprovável."


Manuel Halpern, Jornal de Letras, p. 39, 12-09-07, edição minha.

sexta-feira, agosto 10, 2007

FÉRIAS EM BEIRUTE

(Foto de Spencer Platt, Beirute Agosto de 2006, vencedora do World Press Photo)

quarta-feira, agosto 08, 2007

DO YOU REMENBER TIENANMEN?

A singularidade qualquer, que quer apropriar-se da própria pertença, do seu próprio ser-na-linguagem, e declina, por isso, toda a identidade e toda a condição de pertença, é o principal inimigo do Estado. Onde quer que estas singularidades manifestem pacificamente o seu ser comum, haverá um Tienanmen e, tarde ou cedo, surgirão os tanques armados.
Giorgio Agamben, A Comunidade Que Vem, Presença, p.68

domingo, agosto 05, 2007

KONSTANDINOS KAVAFIS


AS JANELAS



Nestas salas escuras, onde vou passando

dias pesados, para cá e para lá ando

à descoberta das janelas. - Uma janela

quando abrir será uma consolação. -

Mas as janelas não se descobrem, ou não hei-de conseguir

descobri-las. E é melhor talvez não as descobrir.

Talvez a luz seja uma nova subjugação.

Quem sabe que novas coisas nos mostrará ela.



Konstandinos Kavafis, Poemas e Prosas, trad. de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis, Relógio d' Água, 1994, p.83

terça-feira, julho 31, 2007

O DASAPARECIMENTO DO CINEMA


Poderia afirmar que com o desaparecimento de Ingmar Bergman e Antonioni, num curto espaço de 12 horas, é também o cinema que desaparece. Não me parece que seja por estas duas mortes que o cinema desaparece. A obra de um estava já terminada e o outro estaria já impossibilitado de filmar (ou as duas coisas para os dois). O que se passa é que com o desaparecimento destes dois grandes cineastas nos apercebemos que o cinema -- o cinema deles e não só -- já tinha desaparecido. Vejamos: primeiro foram os cinemas que desapareceram do centro das grandes cidades (veja-se o caso do Porto, onde já não há um único cinema a funcionar fora de um centro comercial) -- e já antes tinham sido os cineclubes (mais uma vez invoco o caso do Porto, Lisboa mantém a Cinemateca). Ou seja, a visibilidade de cinema, hoje, está remetida para os grandes centros comerciais. Mas, por uma lógica inevitável, os filmes que ai passam são comerciais, blockbusters vindos de Hollywood. Não há lugar para o cinema como Arte de que Bergman e Antonioni foram máximos expoentes. Esta situação não é de agora: seria difícil ver um filme como Monica e o Desejo numa sala comercial há 20 anos. A quem cabia preservar essa memória do cinema? Aos cineclubes, mas funfamentalmente à televisão de serviço público. E era assim que se passava: a RTP-2, durante as décadas de 80 e 90 passou muitas das grandes obras que constituem a memória do cinema, obras de cinema como arte. Esse era (e deve ser) um imperativo do serviço público de televisão. No entanto, com a tentativa de venda da RTP-2, há cerca de 4 anos pelo ministro Morais Sarmento, e consequente desmantelamento do espírito desse canal, o cinema desapareceu da RTP-2. Hoje os "pacotes" de televisão por cabo oferecem dezenas -- ou mesmo centenas -- de canais. Canais temáticos onde se podem encontrar canais especializados em cinema, mas apesar da dita especialização será dificil encontrar um filme de Bergman num desses canais. Obras como as de Bergman, Antonioni, Tarkovski, Dryer (será assim que se escreve? Não encontrei nenhuma referência ao realizador de A Palavra no Google) passaram a estar disponiveis apenas em dvd nas lojas da fnac ou numa loja virtual. Dirão que é melhor que noutros tempos em que se tinha que esperar que um filme passasse num cineclube ou na televisão. Mas a questão não é essa. A questão passa por uma lógica das imagens que proliferam por todo o lado. O cinema de Bergman, por exemplo, embora perto de certa linguagem televisiva pelo uso de grandes planos, está banido dessa lógica de imagens cada vez mais frenéticas que por todo o lado nos assaltam. As anedotas sobre o cinema de Manoel de Oliveira mostram como essa linguagem cinematográfica não tem lugar na lógica das imagens do mundo contemporâneo. É que a lógica das imagens em que vivemos, que também é a mesma lógica em que vivemos, a lógica do zaping, baniu a lentidão, a magia da "lanterna mágica", a contemplação, o pensamento. Neste sentido há todo um cinema que tende a desaparecer, a tornar-se marginal. E esse é o grande cinema, o cinema como arte, o que pensou e sentiu o mundo.

segunda-feira, julho 30, 2007

INGMAR BERGMAN (1918-2007)
















PHILIP K. DICK


Os patos e o vagabundo no parque desapareceram nesse instante. Nada restou deles. O intervalo com os seus furos tinha passado depressa.

-Não são reais - disse Sarah. - Pois não? Por isso, como é que...

-Tu não és real - disse-lhe ele. - És um coeficiente de estímulos da minha fita de realidade. Um furo que pode ser ignorado. Será que também existes noutra fita de realidade, ou numa realidade objectiva?

Não sabia; não tinha maneira de saber. Era possível que Sarah também não soubesse. Talvez existisse em mil fitas de realidade; talvez existisse em todas as fitas de realidade alguma vez produzidas.

-Se eu cortar a fita - disse - passarás a estar em todo o lado em lado nenhum. como o resto do universo. Pelo menos no que a mim diz respeito.

Sarah gaguejou:

-Eu sou real.

-Quero conhecer-te completamente - disse Poole. (...)


"A formiga elétrica", in Ficções, nº15, 2007, p. 122

sábado, julho 28, 2007

EVA RUIVO

UM RECADO POR BAIXO DA PORTA

«We are the stuff
As dreams are made of, and our little life
Is rounded with a sleep»
Shakespeare. The Tempest

Parece que estou metida num vídeo
pornográfico, as ramagens batidas pelo suor e o rumor
de vozes agrícolas, regos abertos a cruzar as únicas
sílabas que a colheita, mãos de cortiça, deixou
varejadas. Dói: o sol nos muros, corpo inculto
versado na dor. Depois, certos dias obrigados
a festa, colchas no parapeito, jarras cheias
de calendário para encobrir o remorso;
a vida na província
são obscenas imagens de fuga

Acordei, tinham passado por cima de mim
aldeias inteiras, vivalma, sequer um alguidar
com água para a mula, pele e osso, ou música
o acordeão a insuflar a tenda.

in Hifen- Cadernos de Poesia, nº 10, 1997, p.19
Eva Ruivo nasceu em 1963 (Lisboa). Publicou Rosa de Jericó, Frenesi, 1994

quarta-feira, julho 18, 2007

HELDER MOURA PEREIRA

Dorme calma depois de ler
as mil e uma noites.
O dia cansou-a em curtas
viagens e hábitos
de companhia, no seu segredo
há uma espera de meses,
ainda não decidiu
a sua vida, só parece
parar um pouco a olhar
o rio. Raras vezes crê
no que lhe digo, uma turva
linguagem do feminino
força o seu corpo.
Os seus gestos ficarão
nesta casa?

in De novo as sombras e as calmas, Contexto, 1990

quinta-feira, junho 28, 2007

AGAMBEN EM SERRALVES


Giorgio Agamben esteve ontem em Serralves, para proferir uma conferência intítulada "Arte, inoperância, Política", a última do ciclo Crítica do Contemporâneo. E hoje vai estar outra vez para dialogar com o músico Stefano Scodanibbio. A obra do filosófo italiano pode ser vista sob dois pontos de vista: livros de carácter ensaístico como Ideia de Prosa ou Profanações (Livros Cotovia), em que o pensamento da Agamben é condensado em pequenos textos, por vezes um tanto herméticos, quase fábulas filosóficas e, livros que têm abordado uma das teses mais polémicas deste pensador, ou seja, a que compara a vida nos actuais Estados e cidades à vida nos campos de concentração nazi. Está neste caso a série de livros que tem por título Homo Sacer, de que em português apenas está editado o primeiro, O Poder Soberano e a Vida Nua (Presença). Ontem, em Serralves, Agamben abordou essencialmente o conceito de inoperância e inoperacionalidade. Para operacionalizar este conceito (será isto um paradoxo?) o autor de A Comunidade que Vem (Presença) foi buscar conceitos teológicos e, também, económicos. A conferência de Giorgio Agamben pareceu ser um resumo de algo que provalvelmente aparecerá em livro mais estruturado. Mas a ideia que me pareceu estar por detrás do conceito de inoperância, não parece ser nova: na sua essência andará próxima do Direito à Preguiça (Paul Lafargue) ou da inscrição situacionista "ne travaillez jamais".

sábado, junho 23, 2007

Roland Barthes


O poder está presente nos mecanismos mais subtis da comunicação social: não apenas no Estado, nas classes, nos grupos, mas ainda, nas modas, nas opiniões correntes, nos espectáculos, jogos, desportos, informações, nas relações familiares e privadas e até nas forças libertadoras que tentam contestá-lo: chamo discursso de poder a todo o discursso que engendra a culpa e, por conseguinte, a culpabilidade daquele que o ouve"

(...)

"Jakobson demonstrou que um idioma se define menos por aquilo que permite dizer do que por aquilo que obriga a dizer. Em francês sou obrigado a definir-me como sujeito antes de enunciar a acção que a partir desse momento será apenas o meu atributo: o que faço é apenas a consequência e a consecussão do que sou; do mesmo modo sou sempre obrigado a escolher entre o masculino e o feminino, o neutro e o misto são-me interditos; sou ainda obrigado a marcar a minha relação com outém recorrendo ao tu ou ao vós: é-me recusada qualquer indecisão afectiva ou social. Assim, devido à sua própria estrutura, a língua implica uma relação fatal de alienação. Falar, e com mais razão ainda discorrer, não é comunicar, como muitas vezes se diz, mas sim subjugar: toda a língua é uma regência generalizada"

(...)

"A língua como performance de toda a linguagem não é nem reaccionária nem nem progressista; ela é pura e simplesmente fascista; porque o fascismo não consiste em impedir de dizer, mas em obrigar a dizer."

Roland Barthes, Lição, edições 70, 1979, pp. 14, 15 e 16

sábado, junho 16, 2007

AGUSTIN GARCíA CALVO


A NECESSIDADE DA PRODUÇÃO E A PRODUÇÃO ESSENCIAL DOS SUJEITOS

Porém, do que se trata com tudo isto é da mais elementar das necessidades de que a Ordem padece, e de que nos faz padecer a todos: a de produzir. Pois, por um lado, só a obrigação de produzirconsiste na relação do produtor com o produto, no sentido em que um produza o outro. Um aspecto mais profundo do processo reside no seguinte facto: é o produto que faz o produtor ser o que é. E se pode ser importante que o operário continue a produzir automóveis, ou o professor matérias de ensino, mais importante ainda, sem dúvida, é que o automóvel ou as lições definam o operário como operário e o professor como professor, respectivamente. De tal forma que até mesmo actividades aparentemente vazias de produto, como as de delirar, mendigar, gritar, «o poder para o povo», dormir debaixo das pontes ou empregar determinadas técnicas de foda, podem não obstante constituir um produto com valor no Mercado, e aceitável, para o Senhor, como paga, a fim de Ele deixar este ou aquele continuando vivendo, na medida em que assim possam constituir esse produto essencial para a marcha e subsistência do Estado que se chama a Pessoa.


Aguntin García Calvo, Comunicado Urgente Contra o Desperdício, Fora do Texto, 1990, pp.29-30

sexta-feira, junho 15, 2007

Richard Rorty (04.10.1931 - 08.06.2007)


Conseguir que alguém negue a sua crença sem qualquer razão é um primeiro passo para tornar essa pessoa incapaz de ter um eu por se tornar incapaz de tecer uma teia coerente de crença e desejo. É algo que torna essa pessoa irracional num sentido bastante preciso: a pessoa é incapaz de apresentar uma razão para a sua crença que se articule com as suas outras crenças. Torna-se irracional não no sentido de ter perdido o contacto com a realidade, mas sim no sentido de já não conseguir racionalizar -- de já não se justificar perante si próprio.


Richard Rorty, Contingência, Ironia e Solidariedade, Presença, 1994, p. 223

sábado, junho 09, 2007

Contracapa


Tais pessoas eram capazes de sonhar, mas incapazes de governar. Destruíam as suas vidas e as dos outros. Eram tolas, fracas, fúteis, histéricas; mas por trás de tudo isto, ouve-se a voz de Tchékov: abençoado o país que soube gerar este tipo humano. Eles deixavam escapar as ocasiões, evitavam agir, não dormiam à noite evitando mundos que não sabiam construir; mas a própria existência destas pessoas, cheias de uma abnegação apaixonada e fervorosa, de pureza espiritual, de elevação moral, o simples facto de estas pessoas terem vivido e talvez ainda viverem hoje, algures, na implacável e reles Rússia actual é uma promessa de futuro melhor, para todo o mundo, porque de todas as leis da natureza, a mais maravilhosa é talvez a da sobrevivência dos mais fracos.


Vladimir Nabokov, texto de contracapa de Contos VI de Anton Tchékov, ed. Relógio d' Água

terça-feira, junho 05, 2007

Charles Baudelaire


O ESTRANGEIRO


- De quem gostas mais, diz lá, homem enigmático? de teu pai, da tua mãe, da tua irmã, ou de teu irmão?

- Não tenho pai, nem mãe, nem irmã, nem irmão.

- Dos teus amigos?

- Eis uma expressão cujo sentido até hoje ignorei.

- Da tua pátria?

- Não sei a latitude em que está situada.

- Da beleza?

- Amá-la-ia de boa vontade, divina e imortal.

- Do oiro?

- Odeio-o tanto como a vós Deus.

- Então que amas tu, singular estrangeiro?

- Amo as nuvens... as nuvens que passam... lá longe... as maravilhosas nuvens!


Charles Baudelaire, O Spleen de Paris -- pequenos poemas em prosa, Relógio d' Água, 1991

sexta-feira, junho 01, 2007


O Noddy está chocado. Viu ontem, na RTP-2, um filme pornográfico com Fernanda Freitas e Daniel Sampaio.

segunda-feira, maio 28, 2007

NA INTIMIDADE DA RÁDIO HÁ 23 ANOS


Pouco para dizer, muito para escutar, tudo para sentir. Tem sido fiel a este lema que Francisco Amaral realiza, desde há 23 anos um dos melhores e mais persistentes projectos radiofónicos em Portugal: Íntima Fracção. O programa terá começado na Antena 1, e passou depois pela TSF. Agora, depois de alguns anos fora de uma rádio com cobertura nacional, remetido para a RUC e a internet, a Íntima Fracção pode ser ouvida no novo Rádio Clube Português, de domingo para segunda entre a meia-noite e a uma da manhã. Mas também pode ser ouvida em podcast e mp3. Na intimidade da rádio, pouco para dizer, muito para escutar, tudo para sentir.

quinta-feira, maio 24, 2007

A MENTIRA (POR ALEXANDRE KOYRÉ)


Nunca se mentiu tanto... Com efeito, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, rios de mentiras são vertidos sobre o mundo. A palavra, a escrita, o jornal, a rádio... todo o progresso técnico está ao serviço da mentira. O homem moderno (...) banha-se na mentira, respira a mentira, está exposto à mentira a todo o instante da vida.


Alexandre Koyré, Reflexões Sobre a Mentira, Frenesi, 1996.

quinta-feira, maio 17, 2007

IAN CURTIS: PREPARA-SE O REGRESSO DO MITO



O mito urbano-depressivo de Ian Curtis, músico e poeta suicida, lider dos Joy Division - a banda de rock mais importante da década de oitenta -, perpetua-se, transmite-se desde o fundo do tempo, onde estão as estátuas de pedra. Agora, prepara-se um filme sobre Ian e os Joy Divison, um biopic anunciado para setembro próximo com realização de Anton Corbijn - e é de esperar o pior, ou talvez não. Mas enquanto houver coisas parecidas com rádios, em cidades tristes de cimento e néon, haverá alguém a dançar, em transe, muito perto do espasmo epiléptico, como ele fazia. Ou, ou a olhar a cerimonia dos dias.

sexta-feira, abril 27, 2007

RUY BELO


LITERATURA EXPLICATIVA


O pôr do sol em espinho não é o pôr do sol
nem mesmo o pôr do sol é bem o pôr do sol
É não morrermos mais é irmos de mãos dadas
com alguém ou com nós mesmos anos antes
é lermos leibniz conviver com os medicis
onze quilometros ao sul de florença
sobre restos de inquietação visível em bilhetes de eléctrico
Há quanto tempo se põe o sol em espinho?
Terão visto este sol os liberais no mar
ou antero junto da ermida?
O sol que aqui se põe onde nasce? A quem
passamos este sol? Quem se levanta onde nos deitamos?
O pôr do sol em espinho é termos sido felizes
é sentir como nosso o braço esquerdo
Ou melhor: é não haver mais nada mais ninguém
mulheres recortadas nas vidraças
oliveiras à chuva homens a trabalhar
coisas todas as coisas deixadas a si mesmas
Não mais restos de vozes solidão dos vidros
não mais os homens coisas que pensam coisas sozinhas
não mais o pôr do sol apenas pôr do sol

.
(in Homem de Palavra[s])

quarta-feira, abril 25, 2007

MANUEL ANTÓNIO PINA


[4 DE JULHO DE 1965]


segundo fontes geralmente bem

os altos interesses nacionais

foi recebido carinhisamen-

pretende para fins matrimoniais


entre os países menbros da otan

as suas provas de doutoramento

sua excelência o presidente da

a conferência do desarmamento


excelentíssimo senhor director

ardilosos amigos do alheio

nosso prezado colaborador

atrasos na entrega do correio


não perca esta excelente ocasião

da santa madre igreja faleceu

resposta em carta à administração

de casa dos seus pais desapareceu


(in Ainda Não é o Fim Nem o Princípio do Mundo Calma é Apenas Um Pouco Tarde, 1974)

***


O livro


E quando chegares à dura

pedra de mármore não digas: «Água, água»,

porque se encontraste o que procuravas

perdeste-o e não começou ainda a tua procura;

e se tiveres sede, insensato, bebe as tuas palavras

pois é tudo o que tens: literatura,

nem sequer mistério, nem sequer sentido,

apenas uma coisa hipócrita e escura, o livro.


Não tenhas contra ele o coração endurecido,

aquilo que podes saber está noutro sítio.

O que o livro diz é não dito,


como uma paisagem entrando pela janela de um quarto vazio.



(in Os Livros, Assírio & Alvim, 2003)

segunda-feira, abril 09, 2007

Big Brother, 3


De uma notícia publicada na última página do Jornal de Notícias de hoje, Extractos.




Há muito tempo que os cidadãos britânicos se habituaram a ser seguidos por câmaras de segurança. Mas, agora, as mesmas câmaras não só têm "olhos" como passam a ter "voz" e "ouvidos". O sistema faz parte dos novos planos para combater comportamentos anti-sociais em áreas de maior risco e está já em funcionamento na cidade de Middlesborough. (...) As novas câmeras estão equipadas com colunas ligadas a um sistema de controlo onde funcionários de cada município podem falar com os cidadãos sempre que alguém tenha um comportamento menos cívico. (...) Actualmente, o Reino Unido tem 4,2 milhões de câmeras em funcionamento nas ruas, o que representa aproximadamente uma câmera por cada 14 pessoas que vivem no país.

terça-feira, abril 03, 2007

GASTÃO CRUZ


METAL FUNDENTE


Gostava de explicar-te e de poder
eu próprio compreender
por que momentos houve em que perder-te
era metal fundente como o disse um poeta
entre nós e as palavras


Eu seria as palavras tu os corpos
fundentes de nós dois, pela separação
futura liquefeitos
Era de cada vez como se a vida
também fundisse e o seu metal escorresse
sobre a pele da perda talvez isso
explicasse como o chumbo
da ilusão derrete e nos liberta
até desse momento em que tememos
nada mais ter


Mas como poderia
eu amar-te e achar-te já de mais
sentir estando tu tão perto ainda
a onda
da ausência contornar-me



O céu em certos dias produzia
o efeito dum espelho em que voltávamos
inversos
ao verão que tu julgaras
então igual à vida e era apenas
a infância perdida sobre o mar



de Rua de Portugal, Assírio & Alvim, 2002

domingo, março 25, 2007

O FANTASMA SAIU PELO TUBO CATÓDICO


O fantasma saiu pelo tubo catódico. Salazar venceu o pseudo reality show "Os Grandes Portugueses", que a RTP-1 organizou. A vitória de Salazar, com mais de 41 por cento dos votos, à frente de Cunhal com 19 por cento dos votos, é reveladora de um país que, passados quase quarenta anos sobre a morte do ditador ainda vive com o seu espectro. É o país dos doutores, do poder pelo poder, do cinzentismo, da mediocridade, do capitalismo das OPA's, mas também o país da política dos patos bravos que querem abandonar o interior às urtigas em favor das vias rápidas e condomínios fechados ou abertos. O país do ódio aos campos, dos engarrafamentos para o trabalho e para casa, o país que necessita de um ou dois ditadores -- o segundo lugar de Cunhal é bastante significativo. É claro que é um reality show estúpido, feito com mortos, mas não deixa de ser um indicador significativo da nossa realidade. De como qualquer resquicio do 25 de Abril está enterrado.

sábado, março 17, 2007

PEDOJORNALISMO


De há uns tempos para cá - anos ou mesmo décadas - as crianças começaram a ocupar um lugar no espaço público que jamais tiveram. A baixa de natalidade e de mortalidade infantil, são factores para que se criem em volta das crianças disputas legais, raptos, exercicios de poder por parte de assistentes sociais, medo exagerado em volta da figura do pedófilo, e claro, a mediatização de tudo isto. O caso da bebé raptada há um ano em Penafiel, e agora descoberta pela PJ é mais uma mancha no jornalismo a que mesmo o dito jornalismo de referência não escapou. Durante dias, esta criança de um ano, tem sido tema de abertura de telejornais (incluindo o serviço público), primeira página de jornais (incluindo o "novo" Público). Qual a fronteira, nesta história, entre jornalismo tablóide e jornalismo de referência? Não se vê, porque todos os orgãos de comunicação social alinham pelo mesmo diapasão. Ontem havia festa na aldeia onde a mãe biológica recebeu a sua filha. Um repórter descrevia as solicitações por parte dos populares para ver a criança; o pivô da TVI entrevistava uma pedopsiquiatra questionando-a sobre a mediatização do caso... Talvez os jornalistas não tenham espelho, mas têm monitores.

quarta-feira, março 07, 2007

JEAN BAUDRILLARD (1929-2007)


O esquecimento da exterminação faz parte da exterminação, pois o é também da memória, da história, do social, etc. Esse esquecimento é tão essencial como o acontecimento, de qualquer modo impossível de encontrar para nós, inacessível na sua verdade. Esse esquecimento é ainda demasiado perigoso, é preciso apagá-lo por uma memória artificial (hoje em dia, por toda a parte, são as memórias artificiais que apagam a memória dos homens, que apagam os homens da sua própria memória). Esta memória artificial será a reencenação da exterminação -- mas tarde, demasiado tarde para poder fazer verdadeiras ondas e incomodar profundamente alguma coisa e, sobretudo, sobretudo através de um medium ele próprio frio, irradiando o esquecimento, a discusão e a exterminação de uma maneira ainda mais sistemática, se é possível, que os verdadeiros campos de concentração. A televisão. Verdadeira solução final para a historicidade de todo o acontecimento. Fazem-se passar os judeus já não pelo forno crematório ou pela câmara de gáz, mas pela banda sonora e pela banda-imagem, pelo ecrã catódico e pelo microprocessador. O esquecimento, o aniquilamento alcança assim, por fim, a sua dimensão estética -- cumpre-se no retro, aqui enfim elevado à dimensão de massas.


"Holocausto", in Simulacros e Simulação, Relógio d' Água, 1991, p.67

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Big Brother, 2

PARA SUA PROTECÇÃO
ESTE LOCAL ENCONTRAR-SE
SOB VIGILÂNCIA DE UM
CIRCUITO FECHADO DE
TELEVISÃO PROCEDENDO-SE
À GRAVAÇÃO DE IMAGENS
E SOM

DECRETO DE LEI Nº 231/98 DE 22 DE JULHO

(Café Piolho, Porto)

domingo, fevereiro 11, 2007

Big Brother, 1


CARTÃO DO CIDADÃO VAI CUSTAR 12 EUROS


Os portugueses vão pagar 12 euros pela emissão de Cartão do Cidadão, que substituirá o Bilhete de identidade e os cartões de contribuinte, Segurança Social e Saúde, anunciou o ministro da administração interna.

António Costa informou que "[na próxima] qurta-feira, o primeiro-ministro vai entregar no Faial os primeiros dois cartões do cidadão, um à melhor aluna do ano lectivo passado e outro ao cidadão mais idoso da ilha.

Cartão do Cidadão em todo o país até final de 2008

O cartão cuja legislação foi publicada na segunda-feira em Diário da República, permitirá ao cidadão, para além da identificação presencial, a identificação e autenticação electrónica.

O Cartão do Cidadão, com formato "smart card", terá como elementos de identificação visíveis o nome, apelidos, filiação, nacionalidade, data de nascimento, sexo, altura, fotografia, assinatura e os quatro números de identificação actualmente existentes.

É obrigatório para todos os cidadãos portugueses residentes em Portugal e no estrangeiro a partir dos seis anos de idade, ou logo que a sua apresentação seja exigida por qualquer serviço público, e facultativo para os brasileiros ao abrigo do estatuto geral de igualdade de direitos.


(notícia Lusa/Público.pt/ddd)

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

VAMOS ABORTAR ISTO?


O que está em jogo no referendo sobre o aborto (chamado eufemisticamente ivg: interrupção voluntária da gravidez) não é somente o direito da mulher a dizer "este é o meu corpo, faço o que quiser com ele, portanto, tenho o direito de terminar com uma gravidez indesejada", atitude que tem total sentido se não existisse uma outra vida em gestão (em devir) dentro dessa mulher, de que resulta um conflito de interresses entre o direito da mulher sobre o seu próprio corpo e o direito do feto à vida. Para além deste conflito de interesses em que o "não" pretende ver no feto um ser de pleno direito e o "sim" mais uma "coisa"(estranha como um Alien?), desenha-se algo mais tenebroso a que a argumentação estilo PC (mulheres que morrem por prática de abortos clandestinos, hipócrisia, mulheres julgadas, etc) ainda não chegou. Vejamos um exemplo dessa argumentação. No Público de hoje (pág. 8) uma psicologa e psicanalista afirma que "a gravidez é um processo complexo e completo que envolve a barriga, o coração e a cabeça. Uma gravidez só de barriga, sem desejo, sem afecto e sem projecto é uma gravidez de risco para todos e em particular para a criança que venha a nascer", e acrescenta a senhora que "a criança não pediu para nascer". Pois. O que encerra esta argumentação? É simples: todo um projecto eugénico à luz de determinadas disciplinas psicológicas (que Foucault já denunciou como "estado terapêutico"). O que esta senhora afirma não é somente o direito da mulher pôr fim a uma gravidez - a questão que está no referendo -, mas o facto de que para uma criança nascer ela tem de preencher determinadas condições (que neste caso são o desejo e o afecto da mãe pelo bebé e um projecto - depreende-se que se trate de um projecto de vida, expressão aliás utilizada por outra iluminada cabeça, o Prof. Quintanilha, numa entrevista à RTP). Se a gravidez não reunir estas condições, para a Drª Teresa Sá e outras doutoras, está aí o aborto, já não como um recurso mas como uma obrigação. Não estou a inventar: há uns anos outra doutora, também psicanalista, defendia que as mulheres toxicodependentes deveriam ser impedidas de ter filhos. É disto que se trata na argumentação desta doutora. Já não é o direito à escolha, estamos perto de formas de aborto eugénico. Com a prevista vitória do "sim", teremos um cenário onde o aconselhamento sobre o aborto, mas sobretudo o seu encorajamento ou mesmo coacção será feito por psicologas, assistentes sociais e outros técnicos/as do "estado terapêutico" que vão decidir quais as crianças que reúnem as condições para nascer e aquelas que devem ser abortadas. Assim as toxicodependentes (de quem ninguém se lembra que são presas e humilhadas porque cometem crimes para comprar uma substância quimica sem a qual a sua vida se transforma num inferno), as crianças concebidas em familias problemáticas, as mães do rendimento mínimo, etc. Assim, por eugénia, talvez se chegue à sociedade sem classes, onde todos são felizes, bonitos, jovens, saudáveis, cultos, realizados, amados, etc. Práticos e burgueses, vivendo na utopia socialista que nem Sócrates sonhou.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

YUKIO MISHIMA


--Ouçam com muita atenção: «Código penal, Art.º 14», leu. --«Os actos dos menores de 14 anos não são puníveis pela lei».(...). O chefe passou o livro à volta e continuou: -- Podíamos dizer que os nossos pais e a ficção de sociedades em que acreditam fizeram esta lei para nosso benefício. E penso que lhes devíamos estar gratos por isso. Esta lei é a maneira de os adultos expressarem as altas esperanças que têm em nós. Mas também representa todos os sonhos que nunca foram capazes de realizar. Eles julgaram que, pelo facto de se terem atado com uma corda, tão fortemente que nem se podem mexer, nos impediriam também a nós de fazermos o que quer que seja; foram suficientemente imprevidentes para nos permitirem que estivéssemos aqui e apenas aqui, a ver um bocado de céu e a gozar duma liberdade absoluta.
(...) Se não agirmos agora, nunca mais seremos capazes de roubar, ou matar, ou fazer qualquer das coisas que testemunham a liberdade de um homem. Acabaremos a vomitar mentiras, passaremos os dias a tremer na submissão, no compromisso e no medo, preocupando-nos com o que estão a fazer os vizinhos, a viver como ratos. E um dia casamo-nos e temos filhos, e depois tornamo-nos pais, a coisa mais odiosa que existe à face da terra!


Yukio Mishima, O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar, Assírio & Alvim, 2000, trad. de Carlos Leite, págs 162-164

terça-feira, janeiro 30, 2007

ARMY NOW?


Apesar de ter terminado o Serviço Militar Obrigatório (SMO), o Estado português mantém a obrigatoriedade do recenceamento militar para todos os mancebos que completem 18 anos. No entanto, "para as cidadãs não é uma obrigação mas um acto voluntário". Estamos entendidos, temos que defender a pátria, ou as suas obrigações internacionais. Os generais precisam de saber que és um número, em caso de necessidade... Enfim, já foi pior, muito pior. Mas o Estado e os seus generais continuam a querer controlar os corpos dos mancebos. Carne tenra para canhões. Eu, fui desobedientemente surdo aos gritos histéricos dos militares.

sábado, janeiro 20, 2007

Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)

Curiosamente o último post publicado neste blogue foi um poema de Fiama. Sabia-se há muito da doença de Fiama, que nos últimos anos a impediu de escrever (veja-se a nota de Gastão Cruz que fecha o livro As Fábulas que a Quasi publicou em 2002). Fiama Hasse Pais Brandão, nascida em Lisboa em 1938, publicou o seu primeiro livro em 1957 (Em Cada Pedra Um Voo Imóvel), ficando, no entanto, o seu nome ligado à publicação conjunta Poesia 61, de onde se destacam Luiza Neto Jorge e Gastão Cruz. Foi poeta, sobretudo, mas também tradutora, ensaista, dramaturga e ficcionista. A sua Obra Breve, que reúne toda a sua poesia, foi publicada o ano passado na Assírio & Alvim e considerada pela crítica como o livro mais importante de 2006. Apesar disso a notícia da sua morte passou despercebida hoje nos meios audiovisuais (uma notícia da Lusa circulava entre os jornais on-line, mas o telejornal da RTP esqueceu por completo o desaparecimento da autora de Cenas Vivas). Embora não seja justificação para o jornalismo ignorante que faz hoje, a poesia de Fiama vive de uma certa obscuridade (vegetal) e hermetismo. Fica-nos, como sempre nestes casos, a sua pesada obra, como possibilidade de um encontro ou até uma paixão.
Entre todas as presenças, eu esperei
a do leitor. Quis ver-lhe os cílios
tremerem com a mancha poética.
(...)

terça-feira, janeiro 09, 2007

Fiama Hasse Pais Brandão


OSGA

Tantos insectos, tantos mínimos répteis
tenho amado, e só hoje
desventurada osga que passas a tua sesta
na chapa do portão, te saúdo.

terça-feira, janeiro 02, 2007

DISCURSO DOS DIAS: UM ANO

Não gosto de aniversários. São uma derrota na luta contra o tempo. Mas o aniversário de um blogue é diferente. Este blogue faz um ano. Poucos posts, poucas visitas, algumas referências. Assim é de referir os seguintes blogues que linquaram o Discurso dos Dias (espero não esquecer nenhum): Insónia, Galeria Sargadelos Porto, Às Duas Por Três, Um Blog Que Seja Seu, Pimenta Negra, Errância, o blogue brasileiro Minha Louca da Casa, The Cat's Eye e a referência a um post sobre Fernando Assis Pacheco pelo Intíma Fracção, de Francisco Amaral, um blogue que já foi um melhores programas da rádio portuguesa, infelizmente hoje remetido apenas para a blogosfera. Aqui ficam os agradecimentos aos autores dos blogues e visitantes.