Crise. Para
além da realidade social, incontornável, provocada por um governo que é o pior
depois do fim do Estado Novo, a palavra crise e o discurso em volta dela criam
ainda mais crise. Como disse W. Burroughs, a linguagem é um vírus. 2012 terá
sido o ano em que este governo de canalhas pôs em prática o processo de
aniquilamento de Portugal. No que respeita ao mundo literário a crise não terá
sido tão evidente – o demissionário secretário de estado da cultura, o
escritor, jornalista e editor Francisco José Viegas, colocou a salvo o livro (e
os seus livros) de uma maior taxa de IVA.
O que é
perceptível é que o comércio do livro é cada vez mais governado pelas leis de
um capitalismo selvagem; que os actores deste comércio são agora grupos que
aglutinam um número grande de editoras; que esses grupos e quem está na sua
chefia nada têm a ver com o mundo literário, restando algumas editoras e
editores independentes. Nada disto é novo. O que este ano apareceu como novo é
a desistência de grandes grupos em relação ao livro em papel. Assim, é possível
ver como nas lojas Fnac que a preocupação não é o livro mas a venda de espaço a
editoras, a venda de leitores de e-books e mesmo de artigos de papelaria.
Parece aliás existir um ódio ao livro, cuja rotação é permanente. Cada vez há
menos livros nas livrarias e as próprias editoras – as dos grandes grupos –
encarregam-se de guilhotinar livros dos seus fundos editoriais. Tudo isto
resulta num enorme empobrecimento. A Amazon parece já não ter livros nos seus
armazéns (pelo menos a Amazon.es): os livros em papel são vendidos por outras
livrarias e o destaque vai para os e-books. Parece que se abre o caminho
desenhado por Ray Bradbury (que morreu este ano) no seu romance de
ficção-científica Fahrenheit 451.
O que se
publicou este ano em Portugal não pode ser desligado das notas anteriores. O best-seller do ano foi marcado pelo
erotismo para donas de casa com As Cinquenta Sombras de Grey (ed. Lua de
Papel) – por cá foram vendidos 120 mil exemplares, o que mostra o poder do
marketing editorial. Foi também o ano em que um engenheiro desempregado, João
Ricardo Pedro, ganhou o Prémio Leya com o seu romance de estreia, O Teu Rosto Será o Último –, um exemplo
para o discurso do primeiro-ministro. Quem tomou uma atitude política e ética em
relação à política de Passos Coelho foi Maria Teresa Horta ao recusar receber
das mãos deste o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus pelo romance As Luzes de Leonor. A política não andou
desligada do livro e a polémica em volta da História de Portugal, coordenada
por Rui Ramos, que o Expresso distribuiu em fascículos durante o verão, foi
mais uma evidência disso. Essa polémica, iniciada por Manuel Loof, permitiu
realçar como Rui Ramos procedeu a um branqueamento da política do Estado Novo e
quem apoiou ou se opôs a esse branqueamento.
Já no final
do ano o Prémio Pessoa foi atribuído a um pessoano – Richard Zenith, que há
quase duas décadas se ocupa da obra sempre inacabada de Pessoa. Este ano
Richard Zenith editou com Fernando Cabral Martins uma Teoria da Heteronímia, volume de cerca de 400 páginas onde se
recolhem os textos que Pessoa escreveu em volta deste tema, além de uma “tábua
de heterónimos”. Este livro, a que se podem juntar outros como a Prosa de Álvaro de Campos, editado pela
Ática, fazem parte da incomensurável bibliografia de Fernando Pessoa. A Teoria da Heteronímia foi editada pela
Assírio & Alvim, que há mais de uma década edita Pessoa, mas em 2012 a
editora de que foi mentor Manuel Hermínio Monteiro, e depois da morte deste
Manuel Rosa, passou definitivamente para o grupo Porto Editora, sendo o editor
responsável Manuel Alberto Valente. Embora a PE respeite o grafismo e a linha
editorial, a verdade é que se perdeu uma das principais editoras independentes.
Em resposta, Aníbal Fernandes lançou uma nova editora, a Sistema Solar, e
Manuel Rosa a Documenta, editora de livros de arte e sobre arte. É das editoras independentes que chegam os
livros que interessam, editoras como a Relógio d’ Água que entre os livros que
publicou em 2012 destaco os Contos
Escolhidos de Carson McCullers com tradução e escolha de Ana Teresa
Pereira. A mesma Ana Teresa Pereira que venceu – finalmente – o Grande Prémio
de Romance e Novela da APE pela narrativa O
Lago, e este ano publicou Num Lugar
Solitário, livro reescrito, cuja primeira edição data de 1996.
É nas micro
editoras que se vai encontrar grande parte da poesia que se edita. Averno,
Língua Morta, mas também Mariposa Azual, Artefacto, 7 Nós, a “velhinha” & etc,
a artesanal 50 kg ou a Opera Omnia. Nesta última editora reunião Carlos Poças
Falcão vinte e cinco anos de produção poética em Arte Nenhuma (Poesia 1987-2012). O livro, embora editado numa
editora com pouca visibilidade, resgata uma das principais vozes poéticas dos
últimos 25 anos – repare-se, por exemplo, num livro como Três Ritos. Entre os livros publicados pela Averno para este natal,
destaque-se, além do nº 17 da revista Telhados
de Vidro, o volume colectivo Nós,
Desconhecidos e um livro que reúne ensaios de Manuel de Freitas, Pedacinhos de Ossos. No ano da morte de
Manuel António Pina, ficam dois nomes editados pela Mariposa Azual, ainda para
averiguar da sua qualidade: Susana Araújo com Dívida Soberana e Raquel Nobre Guerra com Broto Sato.
Se estes
livros são difíceis de encontrar nas livrarias, no que toca ao ensaio passa-se
algo de semelhante. Que o volume A
Mecânica dos Fluidos/ A Noite do Mundo, reedição das obras completas de
Eduardo Prado Coelho pela INCM, não tenha aparecido nas livrarias é sintomático
desse ódio aos livros que se instala entre pretensos vendedores dos mesmos.
Por último a
questão do acordo (desacordo) ortográfico: em 2012 aumentou o número de editoras
que adoptaram o AO. No entanto, o Brasil ainda recentemente congelou por 3 anos
a entrada em vigor (legislativa) do acordo. Portanto é cada vez mais notório
que o acordo não agrada a ninguém.
A=
Contos
Escolhidos, Carson McCullers, Relógio d’ Água
Arte
Nenhuma, Carlos Poças Falcão, Opera Omnia
E a Noite
Roda, Alexandra Lucas Coelho, Tinta da China
Uma pequena
História da Filosofia, Nigel Warburton, Edições 70
A Terceira
Miséria, Hélia Correia, Relógio d’ Água
Os Primos da
América, Ferreira Fernandes, Tinta da China
B=
As Armas
Imprecisas, António Ramos Rosa, Afrontamento
As Damas do
Século XII (vol. 3), Georges Duby, Teorema
Una Novelita
Lumpen, Roberto Bolaño, Anagrama
Cicatriz
100%, Inês Lourenço,
Sobre os Sonhos,
S. Freud, Texto Editora
C=
O Teu Rosto
Será o Último, João Ricardo Pedro, LeYa
Pedacinhos
de Ossos, Manuel de Freitas, Averno
Telhados de
Vidro /17, VV AA, Averno
Nós, Os Desconhecidos,
VV AA, Averno
Teoria da
Heteronímia, Fernando Pessoa, Assírio & Alvim
Dívida
Soberana, Susana Araújo, Mariposa Azual
Broto Sato,
Raquel Nobre Guerra, Mariposa Azual
Quem Paga o
Estado Social em Portugal, Raquel Varela (org), Bertrand Editora
Mecânica dos
Fluidos / A Noite do Mundo, Eduardo Prado Coelho, INCM
A- Livros publicados e lidos em 2012 (selecção).
B- Livros lidos em 2012, publicados noutros anos (selecção).
C- Livros publicados em Portugal em 2012 e que poderia ter lido se.