segunda-feira, dezembro 31, 2012

LIVROS EM 2012


Crise. Para além da realidade social, incontornável, provocada por um governo que é o pior depois do fim do Estado Novo, a palavra crise e o discurso em volta dela criam ainda mais crise. Como disse W. Burroughs, a linguagem é um vírus. 2012 terá sido o ano em que este governo de canalhas pôs em prática o processo de aniquilamento de Portugal. No que respeita ao mundo literário a crise não terá sido tão evidente – o demissionário secretário de estado da cultura, o escritor, jornalista e editor Francisco José Viegas, colocou a salvo o livro (e os seus livros) de uma maior taxa de IVA.

O que é perceptível é que o comércio do livro é cada vez mais governado pelas leis de um capitalismo selvagem; que os actores deste comércio são agora grupos que aglutinam um número grande de editoras; que esses grupos e quem está na sua chefia nada têm a ver com o mundo literário, restando algumas editoras e editores independentes. Nada disto é novo. O que este ano apareceu como novo é a desistência de grandes grupos em relação ao livro em papel. Assim, é possível ver como nas lojas Fnac que a preocupação não é o livro mas a venda de espaço a editoras, a venda de leitores de e-books e mesmo de artigos de papelaria. Parece aliás existir um ódio ao livro, cuja rotação é permanente. Cada vez há menos livros nas livrarias e as próprias editoras – as dos grandes grupos – encarregam-se de guilhotinar livros dos seus fundos editoriais. Tudo isto resulta num enorme empobrecimento. A Amazon parece já não ter livros nos seus armazéns (pelo menos a Amazon.es): os livros em papel são vendidos por outras livrarias e o destaque vai para os e-books. Parece que se abre o caminho desenhado por Ray Bradbury (que morreu este ano) no seu romance de ficção-científica Fahrenheit 451.

O que se publicou este ano em Portugal não pode ser desligado das notas anteriores. O best-seller do ano foi marcado pelo erotismo para donas de casa com As Cinquenta Sombras de Grey (ed. Lua de Papel) – por cá foram vendidos 120 mil exemplares, o que mostra o poder do marketing editorial. Foi também o ano em que um engenheiro desempregado, João Ricardo Pedro, ganhou o Prémio Leya com o seu romance de estreia, O Teu Rosto Será o Último –, um exemplo para o discurso do primeiro-ministro. Quem tomou uma atitude política e ética em relação à política de Passos Coelho foi Maria Teresa Horta ao recusar receber das mãos deste o Prémio D. Dinis da Casa de Mateus pelo romance As Luzes de Leonor. A política não andou desligada do livro e a polémica em volta da História de Portugal, coordenada por Rui Ramos, que o Expresso distribuiu em fascículos durante o verão, foi mais uma evidência disso. Essa polémica, iniciada por Manuel Loof, permitiu realçar como Rui Ramos procedeu a um branqueamento da política do Estado Novo e quem apoiou ou se opôs a esse branqueamento.

Já no final do ano o Prémio Pessoa foi atribuído a um pessoano – Richard Zenith, que há quase duas décadas se ocupa da obra sempre inacabada de Pessoa. Este ano Richard Zenith editou com Fernando Cabral Martins uma Teoria da Heteronímia, volume de cerca de 400 páginas onde se recolhem os textos que Pessoa escreveu em volta deste tema, além de uma “tábua de heterónimos”. Este livro, a que se podem juntar outros como a Prosa de Álvaro de Campos, editado pela Ática, fazem parte da incomensurável bibliografia de Fernando Pessoa. A Teoria da Heteronímia foi editada pela Assírio & Alvim, que há mais de uma década edita Pessoa, mas em 2012 a editora de que foi mentor Manuel Hermínio Monteiro, e depois da morte deste Manuel Rosa, passou definitivamente para o grupo Porto Editora, sendo o editor responsável Manuel Alberto Valente. Embora a PE respeite o grafismo e a linha editorial, a verdade é que se perdeu uma das principais editoras independentes. Em resposta, Aníbal Fernandes lançou uma nova editora, a Sistema Solar, e Manuel Rosa a Documenta, editora de livros de arte e sobre arte.  É das editoras independentes que chegam os livros que interessam, editoras como a Relógio d’ Água que entre os livros que publicou em 2012 destaco os Contos Escolhidos de Carson McCullers com tradução e escolha de Ana Teresa Pereira. A mesma Ana Teresa Pereira que venceu – finalmente – o Grande Prémio de Romance e Novela da APE pela narrativa O Lago, e este ano publicou Num Lugar Solitário, livro reescrito, cuja primeira edição data de 1996.

É nas micro editoras que se vai encontrar grande parte da poesia que se edita. Averno, Língua Morta, mas também Mariposa Azual, Artefacto, 7 Nós, a “velhinha” & etc, a artesanal 50 kg ou a Opera Omnia. Nesta última editora reunião Carlos Poças Falcão vinte e cinco anos de produção poética em Arte Nenhuma (Poesia 1987-2012). O livro, embora editado numa editora com pouca visibilidade, resgata uma das principais vozes poéticas dos últimos 25 anos – repare-se, por exemplo, num livro como Três Ritos. Entre os livros publicados pela Averno para este natal, destaque-se, além do nº 17 da revista Telhados de Vidro, o volume colectivo Nós, Desconhecidos e um livro que reúne ensaios de Manuel de Freitas, Pedacinhos de Ossos. No ano da morte de Manuel António Pina, ficam dois nomes editados pela Mariposa Azual, ainda para averiguar da sua qualidade: Susana Araújo com Dívida Soberana e Raquel Nobre Guerra com Broto Sato.

Se estes livros são difíceis de encontrar nas livrarias, no que toca ao ensaio passa-se algo de semelhante. Que o volume A Mecânica dos Fluidos/ A Noite do Mundo, reedição das obras completas de Eduardo Prado Coelho pela INCM, não tenha aparecido nas livrarias é sintomático desse ódio aos livros que se instala entre pretensos vendedores dos mesmos.

Por último a questão do acordo (desacordo) ortográfico: em 2012 aumentou o número de editoras que adoptaram o AO. No entanto, o Brasil ainda recentemente congelou por 3 anos a entrada em vigor (legislativa) do acordo. Portanto é cada vez mais notório que o acordo não agrada a ninguém.

 

A=

Contos Escolhidos, Carson McCullers, Relógio d’ Água

Arte Nenhuma, Carlos Poças Falcão, Opera Omnia

E a Noite Roda, Alexandra Lucas Coelho, Tinta da China

Uma pequena História da Filosofia, Nigel Warburton, Edições 70

A Terceira Miséria, Hélia Correia, Relógio d’ Água

Os Primos da América, Ferreira Fernandes, Tinta da China

 

B=

As Armas Imprecisas, António Ramos Rosa, Afrontamento

As Damas do Século XII (vol. 3), Georges Duby, Teorema

Una Novelita Lumpen, Roberto Bolaño, Anagrama

Cicatriz 100%, Inês Lourenço,

Sobre os Sonhos, S. Freud, Texto Editora

 

C=

O Teu Rosto Será o Último, João Ricardo Pedro, LeYa

Pedacinhos de Ossos, Manuel de Freitas, Averno

Telhados de Vidro /17, VV AA, Averno

Nós, Os Desconhecidos, VV AA, Averno

Teoria da Heteronímia, Fernando Pessoa, Assírio & Alvim

Dívida Soberana, Susana Araújo, Mariposa Azual

Broto Sato, Raquel Nobre Guerra, Mariposa Azual

Quem Paga o Estado Social em Portugal, Raquel Varela (org), Bertrand Editora

Mecânica dos Fluidos / A Noite do Mundo, Eduardo Prado Coelho, INCM
 
A- Livros publicados e lidos em 2012 (selecção).
B- Livros lidos em 2012, publicados noutros anos (selecção).
C- Livros publicados em Portugal em 2012 e que poderia ter lido se.

 

 

domingo, dezembro 16, 2012

BANDITISMO NO PODER


Este governo não é só criminoso porque está a atirar pessoas para a miséria, porque está a desmantelar o Estado Social – saúde, segurança social, educação – que é o suporte de vida de muita gente em Portugal; este governo não é só criminoso porque rouba as reformas aos pensionistas, o resultado de uma vida de trabalho para sobreviver com alguma dignidade; este governo não é só criminoso porque está a fazer retrocessos nunca vistos no regime laboral, levando os direitos dos trabalhadores para o nível do salazarismo, criando um desemprego que para muita gente – os que têm mais de 30, 40 anos – será para o resto das suas vidas. Este governo é também criminoso porque está a liquidar, a privatizar, as últimas empresas que na maior parte dos estados democráticos estão nas mãos do Estado porque tanto a nível simbólico como económico e estratégico devem pertencer ao Estado. Ora sobre este processo de últimas privatizações, de que a EDP foi o primeiro exemplo, começa-se a levantar um pouco do véu de nebulosidade. O Público de hoje, sobre a escandalosa privatização da TAP ao preço da chuva, revela como o energúmeno ministro Relvas reuniu há mais de um ano com o tal Efromovich, o único interessado em comprar a TAP, e como este Efromovich está ligado a outro vigarista brasileiro, José Dirceu envolvido no escândalo do mensalão, de quem Relvas é amigo. Ou seja, começa a ser claramente notório que este governo é constituído, quer no sentido moral, político e constitucional, mas também agora no sentido jurídico por um bando de criminosos. Sobre o “dr.” Relvas, e pelo seu currículo, não restam dúvidas que mais tarde ou mais cedo, terá o destino dos amigos de Cavaco do BPN. Sobre os outros, Coelho, Gaspar, Borges, Mota Soares, Nuno Crato (veja-se a reportagem da TVI sobre os colégios da empresa GPS), é necessário que os cidadãos se mobilizem, que acordem outra vez, e sigam o exemplo da Islândia.

terça-feira, dezembro 04, 2012

"UM ABAIXO-ASSINADO QUE VAI CONTRA O ESTADO DE DIREITO E AS REGRAS ELEMENTARES DA DEMOCRACIA"


Maria João Rita Filomena Pinto da Cunha de Avilez Van Zeller, nascida em 1945 numa família da aristocracia lisboeta. Conhecida como jornalista (Expresso, SIC, RTP, agora) e escritora (uma biografia sobre F. Sá-Carneiro, entrevistas com Mário Soares, etc) pelo singelo nome de Maria João Avilez. O Van Zeller, pormenor de não despicienda importância, é o nome de casada, que lhe deu a semente para mais quatro Van Zeller’s verem a luz deste mundo cão. Ora a D. Maria João Rita Filomena Pinto da Cunha de Avilez Van Zeller foi chamada a fazer serviço público na RTP-1 aos Domingos à noite, depois do Telejornal, num programa cujo título é Termómetro Político. Acompanham-na nesse programa o director do Diário de Notícias, João Marcelino, o director do Jornal de Negócios, Pedro Santos Guerreiro e o moderador Carlos Daniel. O programa consiste em dar notas a 4 figuras políticas e comentar a razão das notas. Concorre com a actuação do professor Marcelo na TVI. Sobre a pluralidade do programa, se os nomes não fossem suficientes, bastava ver uma pequena amostra. Mas o programa tem picos que demonstram o carácter dos intervenientes, neste caso de Maria João Avilez. Afirma a excelsa aristocrata jornalista no último programa sobre a carta dirigida ao primeiro-ministro cujo primeiro signatário foi Mário Soares: “Um abaixo-assinado que vai contra o Estado de Direito e as regras elementares da democracia”. Portanto, para a senhora dona Maria João quando um grupo de cidadãos num Estado democrático escreve ao primeiro-ministro para este abandonar as políticas que estão a liquidar a economia, ou demitir-se, isso é um acto contra o Estado de Direito. Será contra o estado como o concebe a senhora Van Zeller – mas esse já não é um Estado de direito, mas tão só de direitos para alguns privilegiados – os Van Zeller’s deste mundo cão.

domingo, novembro 25, 2012

FERNANDO GANDRA

Os caminhos mudam de aspecto
quando os fazemos ao contrário.
Há dias em que há os homens e há
as coisas e em que não me venham falar de deus
deste tempo ou da minha geração.
Redonda é a água em que o barco se recreia
porque é em parte a mesma que caiu nos guarda-chuvas.
Obediente aos príncipios o parque desenvolve-se
coloridamente. A simetria tubular das árvores
forma uma ogiva onde se narra a elaboração
de alguns atritos. Cresce uma mesa onde se
fumam sementes mais vertiginosas. Os cães
juntam-se para passearem as suas biografias
de ócio e só se distanciam para dar luta
à presença guerreira dos insectos.
Um incêndio pensativo alarga a beleza das mães
cuja flor final às vezes se acende.
Estão de costas para o cisne que atravessa o lago
vestido de almirante. Seria uma boa ideia
se a tivessem tido.

Fernando Gandra, O Lado do Cisne, Gota de Água - INCM, col. Plural, 1984, p. 17.
Fernando Gandra nasceu em 1947, Silves. Publicou As Forças Amadas (em colaboração com Helder Moura Pereira, 1981), O Lado do Cisne (1984) e os ensaios Para uma Arquelogia do Discurso Imperial (1978), O Eterno Contorno (1987 e 1997) e O Sossego Como Problema (2008).

sexta-feira, novembro 09, 2012

BARDAMERKEL (Coro da Achada)

Bardamerkel
(do pobre Beethoven)

Bardamerkel
bardamerkel
bardamerkel
bardamer...

... da finança é marioneta
lacaia do capital
bardamerkel
bardamerkel
essas contas cheiram mal

do banqueiro é amiguinha
ai a santa austeridade
bardamerkel
bardamerkel
erro de contabilidade

o cavaco faz-lhe uma vénia
dá-lhe prendas de natal
bardamerkel
bardamerkel
autoclismo é essencial

ei-lo agora D. Coelhinho
primeiro de portugal
bardamerkel
bardamerkel
de joelhos serviçal

vens-me ao bolso, apertas-me o cinto
e já se vê o fundo ao tacho
bardamerkel
bardamerkel
acho que vais água abaixo

pensámos fazer-te uma vaia
mas talvez o avião caia
bardamerkel
bardamerkel
não somos da tua laia

pró coelho uma cenoura
e o chicote anda de fraque
bardamerkel
bardamerkel
tu não vales mais que um traque

ela passa aqui de visita
faz a notícia do jornal
bardamerkel
bardamerkel
sê mal vinda ao curral 
(via you tube, pelo coro da Achada)
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quarta-feira, outubro 24, 2012

A CIÊNCIA CONDENADA


Um tribunal italiano condenou seis sismólogos a seis anos de prisão, por estes terem subestimado a ocorrência do sismo que em 2009 matou cerca de três centenas de pessoas em Áquila. A decisão deste tribunal, inédita, foi criticada por todo o mundo científico. E, no entanto, ela mostra a relação que a sociedade actual mantém com a ciência. Depois da “morte de Deus” anunciada por Nietzsche, Comte ergueu o seu positivismo em que a ciência se tornava na nova religião. Esta nova religião está bem viva nos nossos dias: a ciência é a esperança e a verdade – da medicina á meteorologia. E apesar da constatação diária das falhas destas duas ciências, a ciência avança, apoiada pelos meios de comunicação social. Cada disciplina científica vai alargando o seu campo, procurando mais que explicações (sempre provisórias) para a realidade que em última instância não podemos conhecer. O que pretendem as ciências é afirmar o seu poder. Talvez seja hora de juntarmos ao poder económico-político-mediático o poder tecnocientífico. A história do século passado demonstra como a ciência esteve no melhor e no pior, da penicilina à bomba nuclear. Podemos dizer que sem ciência viveríamos num mundo muito pior, um mundo onde a civilização moderna estaria em causa. Mas é também a ciência que nos ameaça, criando mecanismos que nos escravizam e controlam perante o poder. A condenação dos seis sismógrafos italianos resulta sobretudo do estatuto de verdade, como uma verdade teológica, infalível, a que a ciência ascendeu. E nesse sentido, pode-se dizer que se fez justiça (e jurisprudência), e que a justiça, no sentido grego antigo de que falava Sophia de Mello Breyner Andersen num dos seus poemas, se impôs a um dos poderes que governa o mundo. Lamentável é que os cientistas não percebam que esta condenação devia ser objecto de reflexão sobre a sua actividade.

sexta-feira, outubro 19, 2012

MANUEL ANTÓNIO PINA (1943-2012)

Arte Poética

Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.

Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.

Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
o teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.

E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?

(de Poesia, Saudade da Prosa - uma antologia pessoal, Assírio & Alvim, 2011, p. 7, originalmente publicado em Os Livros de 2003)


Manuel António Pina tinha a ideia que chegou (chegamos) demasiado tarde. O seu primeiro título de poesia, invulgarmente longo, Ainda não é o fim nem o princípio do mundo calma é apenas um pouco tarde, expressa essa ideia. Jornalista durante 30 anos no jornal mais popular do Porto, o Jornal de Notícias, M. A. Pina destacou-se na escrita de crónicas – ocupou nos últimos tempos, com uma verve feroz contra toda a injustiça, a ultima página do JN -, e também na escrita para crianças. Mas se estas actividades de escrita o tornaram conhecido, foi na poesia – que dizia ser inútil e não ter mais de 300 leitores – que a sua arte de escrita mais profundamente penetrou no (des)conhecimento do mundo. O Prémio Camões consagrou-o em 2011, destacando-o entre os poetas dos anos 70, antes da doença o abater e a morte deixar de ser “um problema de estilo”. Para além da família, amigos, leitores e conhecidos, deixa alguns gatos mais sós.

sábado, outubro 13, 2012

CONDE DE MONSARAZ

OS BOIS

Na doce paz da tarde que declina
após a faina sob um sol ardente,
vão os bois reconhendo lentamente
pelas vias desertas da campina.

Atravessam depois a cristalina
ribeira e ao flébil som de água corrente
bebem sedentos, demoradamente,
numa sensual beleza que os domina.

Mas quando, fartos d' água, erguendo as frontes,
os beiços escorrendo, olham os montes
e ouvem cantar ao alto os rouxinois,

eu fico-me a cismar, calado e triste,
que um mundo de impressões, que uma alma existe
nos olhos enigmáticos dos bois!

Conde de Monsaraz (António de Macedo Papança) (1852-1913), Poemas Portugueses, p. 886. O poema foi originalmente publicado no livro Musa Alentejana (1908).


sexta-feira, outubro 05, 2012

A REPÚBLICA TEVE VERGONHA

Aos seus 102 anos a República portuguesa teve vergonha dos que a representam. E os que a representam, cobardemente, fugiram do povo. O garoto do Coelho para o estrangeiro, a restante malta escondeu-se no Pátio da Galé - nome simbólico -, como simbólico foi esse hastear da bandeira ao contrário.  Tudo demasiado vergonhoso e humilhante. Os portugueses são hoje representados por uma escumalha que perdeu toda legitimidade democrática (Cavaco & Coelho). Soares mostrou dignidade ao não comparecer nesta farsa. Mas as duas heroínas deste último (?) 5 de Outubro como feriado, foram duas mulheres anónimas que mostraram o desespero e a revolta dos portugueses contra este governo e este presidente. A República pede uma outra República, mas não há ninguém credível que se chegue à frente.   

terça-feira, outubro 02, 2012

AS SOMBRAS DA MISÉRIA


Aquele senhor mais famoso que uma marca de iogurte, que viveu em Viena e tinha um divã em casa, e de cujo nome não me quero lembrar, disse um dia que a sexualidade feminina era um continente negro. A sexualidade feminina ou a mulher, não tenho a certeza – mas para outro senhor daquele tempo e local, Otto Weininger, não faria diferença. Tendo isto que vir a propósito de alguma coisa, pode vir a propósito desse livro erótico “para donas de casa” que empesta os topes das livrarias (como se os topes das livrarias e mesmo as livrarias não fossem uma peste actual), e cujo título é As Cinquenta Sombras de Grey. Uma formula editorial para ganhar milhões que pode ter consequências para as/os leitoras/es. Confesso: não li, não comprei e estou teso para esse tipo de livros. E para muitos outros.
E regresso, de novo ao tal senhor que explicava mais que um bifidus activo. Perguntava ele: o que quer uma mulher? E eu pergunto, o que quer uma mulher? Não sei. E acho que o tal senhor de Viena também não sabia. E mesmo uma mulher não sabe o que quer uma mulher. Como um homem não sabe o que quer um homem.
Mas os editores de As Cinquenta Sombras de Grey sabem o que quer uma mulher. Digo editores e não autora, uma tal E L James, porque o sucesso do livro depende de operações de marketing a nível internacional, e a autora pouco conta. Ou seja, este como muitos outros livros que pululam pelos topes de vendas são impingidos aos leitores – quer através do destaque nas livrarias reais e virtuais, quer da exploração mediática do tema, escolhido a dedo (como se costuma dizer): sexo. É o tema do livro, melhor, dos livros, pois trata-se de uma trilogia que faz com que todos ganhem três vezes mais. Autora, editores, livreiros, mas também revistas que “puxam” o livro para a capa – todos ganham. O sexo vende bem e o mercado livreiro andava esquecido disso.
 
E volto à questão do vienense, o que quer uma mulher? Uma mulher quer As Cinquenta Sombras de Grey, uns sapatos novos, uma carteira nova, uma cozinha nova, etc. Resumindo, uma mulher ou um homem querem aquilo que outros fabricam para eles desejarem, para eles consumirem, para eles se consumirem.
 
Escrevi no presente, não vou apagar, mesmo porque ainda é verdade em grande parte dos países ocidentais para a maioria da população. Mas o que escrevi já não se aplica à Grécia ou a Portugal. Nos países onde vigora a austeridade criminosa da troika e dos seus governos, o que quer um homem ou uma mulher é simplesmente algo para comer, um medicamento de que necessita, um emprego. Para algumas pessoas, de repente tudo mudou. A sociedade do consumo acabou. Vivem agora na miséria neo-neorealista das cidades.
 
(foto de Paulo Nozolino)